Um capítulo centenário da história do Espiritismo
José Luiz A. Marchesan
oclarim@oclarim.com.br
Um corajoso projeto de expansão das fronteiras espíritas e que se consolidou, nas últimas dez décadas, como verdadeiro patrimônio do nosso movimento
Eduardo Carvalho Monteiro, ilustre historiador espírita, na biografia Cairbar Schutel, o Bandeirante do Espiritismo, assim definiu a importância da RIE — Revista Internacional de Espiritismo em um sucinto parágrafo: “Não diríamos ter sido mais um órgão de divulgação espírita no Brasil, mas a Revista Internacional de Espiritismo foi, na realidade, um capítulo todo da história do Espiritismo, já que representou um marco na proclamação das virtudes da nova Doutrina em seu tríplice aspecto: religioso, científico e filosófico”.
Cássio Leonardo Carrara, jornalista e editor contemporâneo da RIE, em seu livro O Som da Nova Era: O Clarim e seus maestros, complementa esta assertiva ao refletir que a RIE “de fato tornou-se uma das revistas mais respeitadas no meio espírita, tanto por sua tradição (fundada em 1925), como pela qualidade e profundidade de seus textos, expandindo o conteúdo religioso para explanações filosófico-científicas. Sua fundação veio complementar o propósito do jornal O Clarim, que se destinava a esclarecer didaticamente pessoas mais simples”.
Nada poderíamos acrescentar às palavras destes dois escritores no que tange ao significado da RIE para o movimento espírita brasileiro, potencializado, agora, quando este relevante veículo de divulgação espírita descortina a trajetória de seu segundo século de existência.
Fundada aos 15 de fevereiro de 1925 por Cairbar de Souza Schutel, na pacata Matão, a RIE apresentou-se como uma proposta de expansão das fronteiras espíritas. Sim, um verdadeiro marco na proclamação de suas ideias, englobando e aglutinando religião, ciência e filosofia; mais que isso, desde sempre corroborou seu caráter internacional, publicando traduções de importantes pesquisadores da época, que confirmavam, a partir do critério científico, a imortalidade da alma e a comunicabilidade dos Espíritos, e dando espaço a notícias do estrangeiro, algo que se tornou corriqueiro nos anos vindouros da publicação.
Diz Schutel no editorial inaugural, em fevereiro de 1925: “O título e o subtítulo [Publicação Mensal de Estudos Anímicos e Espíritas] que adotamos para esta publicação compreendem uma vasta área de trabalhos e conhecimentos que marcam na hora atual um movimento de acentuado progresso na marcha da humanidade. (...) Por toda parte do mundo congregam-se esforços para a divulgação da Ideia Espírita. Associações, federações de associações, congressos nacionais e internacionais, dão conta dos progressos que o Espiritismo vai realizando”.
Lembremos que o Espiritismo ainda não completara 70 anos quando surge a Revista Internacional do Espiritismo (título alterado posteriormente para Revista Internacional de Espiritismo), logo, a época era de plena efervescência das disruptivas ideias codificadas por Allan Kardec, e os fenômenos espirituais se sucediam em profusão, demandando a análise criteriosa de mentes que pudessem traduzir, com bom senso e embasamento, aqueles eventos aparentemente místicos e inexplicáveis.
Cássio registra em seu livro que: “Em suas primeiras edições, a RIE transcrevia artigos traduzidos do francês, espanhol, alemão, inglês e italiano, de grandes periódicos, como: Light, La Revue Spirite, Vie d’Outre Tombe, Hoy, The Harbinger of Light, City News, Kálpale, Luce e Ombra, The Two Worlds, La Luz del Porvenir, La Tribune de Genéve, Ghost Stories e Psychic Science. Tais artigos eram assinados por grandes escritores e pesquisadores da época, como Sir Oliver Lodge, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano e Sir Arthur Conan Doyle, entre outros. Muitos deles frequentemente trocavam cartas com Cairbar Schutel”.
São apenas alguns exemplos das marcantes personalidades a que Schutel deu voz, possibilitando que conclusões inovadoras sobre as verdades espirituais se tornassem acessíveis ao público brasileiro.
No entanto, é natural que toda iniciativa que desafie paradigmas encontre resistência. Imaginemos isto no primeiro quarto do século 20, quando a intolerância religiosa era escancaradamente “permitida”, até mesmo “incentivada” em algumas situações. Pois não foi diferente com Cairbar Schutel, que a exemplo de muitos outros pioneiros espíritas, teve de sustentar-se com firmeza e convicção para não sucumbir às pressões que se faziam sobre ele, que antes era católico, mudança contestada socialmente, e sobre os princípios do Espiritismo em si, que apresentavam um cenário de justiça e igualdade a um mundo acostumado com hierarquia e privilégios aos poderosos, aqui e na vida além.
O próprio jornal O Clarim, fundado duas décadas antes da RIE, já introduzira este ideal de defesa, evidenciando a urgência de levar ao mundo um conhecimento especializado, para que se coloquem os pingos nos is e se difunda o Espiritismo com os devidos respeito e seriedade que ele merece.
Aliás, respeito e seriedade estes que representam o legado incomparável de Cairbar Schutel deixado a seus continuadores, que o sucederam neste século de luzes esparzidas aos quatro cantos do mundo. Sem dúvida, são merecedores de nossas homenagens, dignos de reverência, por isto, faço das palavras de Cássio as minhas, quando, na edição anterior da RIE, de janeiro, em seu texto “Às portas do centenário”, lista alguns desses inesquecíveis colaboradores: “Naquelas páginas e nesta, já me desculpando pela impossibilidade de citar todos que mereceriam lembrança, registramos a importância de nomes como Luís Carlos de Oliveira Borges, Ismael Gomes Braga, Severiano Ivens Ferraz, Watson Campello, José da Costa Filho, as irmãs Antoninha (presidente após Cairbar) e Zélia Perche, João Leão Pitta, o também centenário Wallace Leal Rodrigues, Joaquim Alves, Apparecido Onofre Belvedere, Laudicéia T. Lucca Belvedere, Lucia Helena B. Marchesan, Enéas Rodrigues Marques, Ivan Costa, os presidentes José da Cunha, Carlos Vital Olson e José Luiz Alberto Marchesan, e os inúmeros articulistas, sem os quais as sucessivas edições não seriam possíveis”.
Chegando ao fim destas reflexões, carregadas de emoção e gratidão, externamos nosso compromisso perene com as mensagens de Cairbar Schutel, nosso patrono, Allan Kardec, nosso mestre, e Jesus, nosso guia e modelo maior. São os faróis que trazem significado e traduzem o propósito de nosso trabalho, singelo, mas sempre criterioso e com o fim maior de auxiliar a humanidade a progredir.
Parabéns, Revista Internacional de Espiritismo, pelo seu primeiro centenário! E obrigado, Cairbar Schutel, por seu incomparável legado e incorruptível amor à causa espírita!
***
Este texto inaugura a coluna comemorativa do centenário da RIE, que até janeiro de 2026 trará percepções de outros onze articulistas a respeito desta importante efeméride. Sigamos!
O autor é presidente do Centro Espírita O Clarim.
fevereiro | 2025
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