A arte espírita
Marcus De Mario
marcusdemario@gmail.com
Muitas vezes esquecem-se os artistas espíritas da realidade espiritual que cerca toda e qualquer manifestação artística
São diversas as manifestações artísticas do ser humano, nas mais diversas áreas culturais, entre elas o teatro, o cinema, a pintura, o balé, a música. A gama de possibilidades é muito variada, o que torna difícil fazer uma classificação, pormenorizando cada gênero de manifestação artística. É a diversidade que caracteriza a humanidade, com cada indivíduo em determinado grau de evolução e cada sociedade com suas culturas, que vão se consolidando ou alterando através do tempo.
A questão que nos cabe discutir neste texto refere-se às manifestações artísticas espíritas, ou seja, o que é arte espírita? Qual a sua finalidade? Será que, por exemplo, todo tipo de música é adequado para manifestar o pensamento espírita? E a mesma pergunta igualmente fazemos para o teatro, o cinema etc. Como o número de artistas que se dizem espíritas têm-se multiplicado em terras brasileiras, acreditamos ser útil trazer algumas reflexões a respeito.
Certa vez, convidado para palestrar em evento espírita, assisti a uma apresentação musical onde o grupo juvenil iria cantar e dançar o Funk de Kardec. A boa intenção dos jovens deu origem a uma letra bem preparada, que em nada feria a Doutrina Espírita, mas aquela batida funkeira dentro do centro espírita não foi nada agradável, e a muito custo a direção do evento apaziguou os ânimos. Em outra ocasião, ao final de palestra comemorativa, os jovens da mocidade espírita, formando uma banda, fizeram uma apresentação tocando alguns rocks metaleiros espíritas. Nada contra o rock, o qual também aprecio, mas rock metaleiro para falar de Espiritismo?
Como apreciador da arte, compareci ao teatro para assistir a representação de famosa peça cujo conteúdo é bastante rico e reflexivo, mas, surpresa, interpolaram no texto vários palavrões e insinuações de duplo sentido, inexistentes no texto original, não apenas descaracterizando a peça teatral, como deixando os apreciadores do autor e do gênero indignados. O que era para ser uma noite cultural agradável, transformou-se em grande decepção.
Muitas vezes esquecem-se os artistas espíritas da realidade espiritual que cerca toda e qualquer manifestação artística, e que a arte deve ser embelezada pelos princípios espíritas, deve enobrecer a alma, deve sensibilizar os sentimentos mais nobres. Relata Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, capítulo 14 da segunda parte, itens 169 e 170, as descrições feitas por dois médiuns videntes da ambiência espiritual de um teatro, onde havia Espíritos de todas as condições morais participando e influenciando artistas e espectadores. Assim também ocorre em apresentações musicais, cinemas etc. Como teremos os sentimentos nobres sensibilizados, como dar o voo da alma acima da matéria ouvindo a belíssima composição Quanta Luz, da saudosa e inspirada Cenyra Pinto, interpretada em ritmo de pagode?
Temos observado em nosso meio defensores do gênero cômico no teatro e na produção de vídeos para transmitir a mensagem espírita. Respeitamos plenamente os comediantes, muitos deles marcando época na cultura brasileira, mas não acreditamos que esse seja o melhor caminho. Com isso não estamos dizendo que o espírita deve ser uma pessoa séria, fechada, de semblante grave. Não, em absoluto, pois o espírita deve viver no mundo semeando alegria, esperança e bondade. Mas daí a brincar com a doutrina, que é toda uma filosofia e uma verdadeira ciência, com consequências de ordem moral seríssimas, vai uma grande distância. Ter bom humor é uma coisa, fazer piada com os princípios espíritas é outra coisa.
Mais uma vez, este texto não é para condenar, mesmo porque o Espiritismo nada condena nem proíbe, é antes para provocar reflexões salutares quanto à verdadeira arte espírita.
Passemos a palavra a Léon Denis, considerado um dos maiores pensadores espíritas, que no ano de 1922 publicou uma série de artigos a respeito do assunto nas páginas da Revista Espírita, que depois deram origem ao livro Espiritismo na Arte:
“O Espiritismo vem abrir para a arte novas perspectivas, horizontes sem limites. A comunicação que ele estabelece entre os mundos visível e invisível, as indicações fornecidas sobre as condições da vida no Além, a revelação que ele nos traz das leis de harmonia e de beleza que regem o Universo vêm oferecer aos nossos pensadores, aos nossos artistas, motivos inesgotáveis de inspiração.”
Inspiração que deve elevar-nos acima da matéria, que deve facilitar o descortino do que nos espera em esferas mais elevadas do mundo espiritual, caracterizando a arte espírita por manifestação bela e que leva ao bem.
Diz-nos Pedro de Camargo, no capítulo “A Arte”, em sua obra Em Torno do Mestre:
“A arte corresponde a uma inalienável aspiração de nossa alma, cuja divina natureza propende para o belo, para o justo, para o verdadeiro. De fato, que é a arte, em sua genuína acepção, senão o esforço do Espírito prisioneiro da carne, em busca de uma perfeição que não existe neste mundo? (...) A arte é a ciência do belo; por isso, a ciência do coração. Cultivá-la, portanto, ao lado do trabalho honesto, é elevar o nível moral da vida; é educar a mente, é desenvolver a inteligência, é aprimorar os sentimentos.”
Não cremos que expressões musicais como funk, pagode, rock metaleiro sejam ideais para propagar as ideias espíritas, assim como não acreditamos que certos gêneros, como comédia no teatro, ou terror no cinema, sejam modos eficientes de falar de Espiritismo. Se não tomarmos cuidado poderá repetir-se o que presenciamos num centro espírita: considerando que já se estudava suficientemente a doutrina, seu diretor-presidente exigiu que as comemorações de aniversário da instituição fossem uma festa, que toda a instituição fosse ocupada por barraquinhas de comida, folguedos, brincadeiras e muita diversão. Isso, neste exercício de reflexão, nos faz lembrar a passagem evangélica da expulsão dos vendilhões do templo por Jesus.
maio | 2020
MATÉRIA DE CAPA
O Clarim – maio/2020
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