A diversidade é nossa essência
José Victor Mouta
jv-mouta@hotmail.com
Estruturalmente, os Espíritos nascem iguais, inclusive, com relação às suas faculdades e aptidões; as diferenças surgem quando em contato com novas experiências
Durante muitos anos, em impérios e, posteriormente, em nações modernas, vigorou uma mentalidade escravagista. A escravidão era uma terrível prática social, que consistia, em síntese, em um ser humano tratar o outro como sua propriedade.
Embora, formalmente, a escravidão tenha sido abolida, ainda permanece a luta pela igualdade de oportunidades. No Brasil, uma das tentativas para esse propósito são as chamadas “ações afirmativas”, inspiradas na perspectiva norte-americana do separate but equal,[1] que seriam formas de compensar grupos historicamente marginalizados ou hipossuficientes, teoricamente, proporcionando-lhes oportunidades iguais.
De maneira semelhante e também por período de tempo equivalente, prevaleceu uma perspectiva de inferioridade com relação à mulher, que também trava embates pela igualdade de oportunidades e, notadamente, contra o abuso da força do homem.
São apenas alguns exemplos da existência de diversidade e da perspectiva de igualdade.
O Livro dos Espíritos traz um aspecto esclarecedor sobre igualdade e diversidade. Na questão 803 lemos que: “Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos, aos seus olhos, são iguais.”
Da leitura do capítulo IX de O Livro dos Espíritos, com relação ao Espírito (e não ao encarnado), é possível presumir que o único momento de verdadeira igualdade é aquele em que foi criado. Após ser agraciado com a energia do “prâna”,[2] também conhecido como “sopro da vida” (Gênesis, 2:7), a única igualdade que se mantém é a da submissão do Espírito às mesmas leis morais. Sujeição, por sua vez, estendida ao homem.
A partir de então, surge a diversidade entre os Espíritos, que reside na diferença entre os “(...) graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio” (questão 804, O Livro dos Espíritos). Essa diversidade “(...) não deriva da natureza íntima da sua criação, mas do grau de aperfeiçoamento que tenham chegado os Espíritos encarnados neles” (questão 805, comentário).
O Livro dos Espíritos nos diz também que “Deus, portanto, não criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em graus diversos de desenvolvimento estivessem em contato para que os mais adiantados pudessem auxiliar o progresso dos mais atrasados (...)” (questão 805, comentário).
Nesse contexto, podemos afirmar que, estruturalmente, os Espíritos nascem iguais, inclusive, com relação às suas faculdades e aptidões. As diferenças surgem exatamente no momento em que os Espíritos recém-criados entram em contato com novas experiências, proporcionando-lhes a possibilidade de escolha entre diversos caminhos.
Diferentemente do que se costuma sustentar, o livre-arbítrio é um poder, não uma faculdade. Ao afirmar que algo é facultativo, atribui-se a escolha de exercitar ou de não exercitar, de usar ou de não usar, isto é, pode-se escolher sair ou ficar em casa, por exemplo. Contudo, o “ato de escolher” é o próprio exercício do livre-arbítrio, inerente e indissociável ao Espírito, visto que “inserido” nele por meio do sopro de vida; é poder, enquanto aptidão, porque, após sua criação, exposto a novas experiências, o próprio Espírito age, decide, por conta própria, escolhendo.
Logo, todos os Espíritos são submetidos a situações de diversidade, desde a criação. Tendo esse conhecimento, deveríamos, então, naturalmente, escolher ser mais solidários e fraternos, uma vez que “Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência (...)” (questão 804, O Livro dos Espíritos).
Entretanto, em nossa maioria, não somos solidários e fraternos. As experiências às quais todos os Espíritos são submetidos, notadamente enquanto encarnados, proporcionam o poder de escolha e, geralmente, acabamos optando pela “porta larga”, facilidades e comodidades em detrimento do auxílio ao próximo, da caridade, da reciprocidade com nossos irmãos.
Não reconhecemos o verdadeiro valor da diversidade e queremos ser iguais; não sabemos lidar com a diversidade; a comparação é o grande motor para o desejo de sermos iguais socialmente, economicamente, intelectualmente; todos possuímos aptidões, mas tendemos a pensar que a habilidade do outro é melhor que a nossa. Acabamos atrofiando nossa vocação e damos espaço ao desenvolvimento da vaidade, do egoísmo, do orgulho, da inveja, para ser alguém que não somos.
Termos iguais oportunidades não significa sermos iguais. A diversidade é nossa essência. A partir do momento em que tivermos consciência de que a diversidade é um fator que contribui para a evolução espiritual, começaremos a elevar a importância de sermos solidários e fraternos, e medidas para igualar as oportunidades serão desnecessárias porque, naturalmente, desejaremos que todos os nossos irmãos tenham oportunidades para desenvolver-se e evoluir.
- “Separados, mas iguais”, em tradução livre.
- MAES, Hercílio. A Vida Humana e o Espírito Imortal. Pelo Espírito Ramatis. 5.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1987. p. 113.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 87.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
- Bíblia Sagrada. Editora Paulus. São Paulo: 1990. Livro do Gênesis. Capítulo 2.
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