Por mais absurdo que possa parecer, Mahatma Gandhi considera a raiva uma virtude, pois é ela que impulsiona o homem à ação
A virtude da raiva
Dorothy Jungers Abib
abibdorothy@uol.com.br
É este sentimento que nos faz reagir, mas deve ser canalizado para o bem, cuidando para que não nos domine
Este título que encabeça o artigo é o nome de um livro de Arun Gandhi, neto do inesquecível Mahatma Gandhi, o maior defensor da não violência dos tempos modernos.
Arun Gandhi, que atualmente mora em Rochester, Nova York, é presidente do Gandhi Worldwide Education Institute e viaja ao redor do mundo difundindo sua mensagem de paz e não violência.
Nesta obra, delicada e sensível, Gandhi é apresentado pelo neto em seus aspectos mais desconhecidos e em suas relações com os familiares, sempre descobrindo lições espirituais de grande importância. Arun também relata sua luta pessoal para dominar o sentimento de raiva contra as injustiças que via. E aprendemos com ele a lição de seu avô: a raiva é uma virtude.
Por mais absurdo que possa parecer, Mahatma Gandhi considera a raiva uma virtude, pois é ela que impulsiona o homem à ação.
Representando um impulso que nos faz reagir diante de ataques que sofremos, é o componente ativo do instinto de sobrevivência e existe nos seres humanos e nos animais. Homens e animais, diante do perigo de uma agressão, reagem com raiva para promover a sua defesa. Se o sentimento da raiva não existisse, todos seríamos destruídos, uns pelos outros.
Mas o ser humano, racional, diante de uma reação impulsionada pela raiva, deve aprender a canalizá-la para o bem, dominando-a e não deixando que ela o domine. É nisto que ele se diferencia dos animais: no domínio e direcionamento da raiva para o bem.
“Use sua raiva para o bem. A raiva, para as pessoas, é como o combustível para o automóvel. Ela nos dá energia para seguir em frente e chegar a um lugar melhor. Sem ela não teríamos motivação para enfrentar os desafios. A raiva é uma energia que nos impele a definir o que é justo e o que não é.” (Gandhi, 2018, pg. 18)
Mahatma Gandhi, quando criança, foi vítima de violência e preconceito na África do Sul, e ficava com raiva. Mas aprendeu que não adiantava querer vingança e começou a lutar contra a discriminação e o preconceito com compaixão, respondendo à raiva e ao ódio com bondade.
Isto só foi possível porque acreditava no poder do amor e da verdade. A vingança perdeu o sentido para ele. Se vigorasse a lei do olho por olho, o mundo inteiro ficaria cego.
Embora fosse muito espiritualizado e seguisse a religião hinduísta, do seu país e antepassados, a sua própria espiritualização o fazia entrever a verdade, aquela verdade da qual Jesus afirma: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará.”
Homem culto e devotado ao saber, conhecia o Cristianismo e é dele a célebre afirmação: “Se todos os livros do mundo fossem destruídos e só sobrasse o ‘Sermão da Montanha’, nada estaria perdido.”
Esta afirmação é muito forte no sentido de aceitação da Espiritualidade de Jesus. A comunidade cristã aplaudiu a sua fala e criou mais confiança nele, mas, com certeza, nem todos entenderam a profundidade do que disse.
Por quê?
Muitos conhecem de cor e salteado o Sermão da Montanha, sendo capazes até de repeti-lo de olhos fechados, mas poucos, bem poucos, entendem a sua profundidade. Para resumir, só diremos que é o código moral mais perfeito que a humanidade conheceu, mas foi no Espiritismo, com Allan Kardec, que entendemos o significado mais profundo de suas palavras.
E quando dizemos mais profundo, gostaríamos de acrescentar: o mais profundo que está ao nosso alcance, porque a cada releitura captamos novas lições. Este código é o grande inspirador de Gandhi, o maior defensor da não violência dos nossos dias.
“Bem-aventurados os mansos porque possuirão a Terra.” (Mateus, 5:5)
Neste livro que comentamos, vemos todo o percurso de Gandhi para vencer em si mesmo este instinto devastador. Ele é um exemplo de luta em busca de uma espiritualidade maior. Seus ensinamentos coincidem em muito com a Doutrina Espírita, o que nos aponta para o caminho de que a verdade pode estar em qualquer lugar, basta que tenhamos sensibilidade para percebê-la.
- GANDHI, Arun. A Virtude da Raiva e outras lições espirituais do meu avô Mahatma Gandhi. Trad. Débora Chaves. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
dezembro | 2020
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