Junho | 2025

Ninguém presta!

José da Silva de Jesus

josedasjesus@gmail.com

Pode até ser que haja alguma verdade nessa acusação coletiva, mas provavelmente a condenação mútua seja muito mais um sintoma da nossa tendência de criticar e ampliar os defeitos alheios

 

É a frase que às vezes ouço durante uma discussão, principalmente se o assunto for política. É utilizada para acalmar os ânimos e nivelar as pessoas das quais estamos falando por baixo, colocando-nos num patamar superior. A conclusão desta linha de pensamento é que nada pode ser feito, nada vale a pena ser consertado porque, afinal, ninguém presta!

Certa vez, li que se perguntássemos, a cinco pessoas em cinco profissões de destaque diferentes, a opinião de cada uma delas sobre as outras quatro — por exemplo, a um juiz, a um político, a um policial, a um médico e a um advogado o que acham das outras quatro profissões —, elas provavelmente diriam que as demais estão cheias de pessoas injustas e de conduta reprovável, ao mesmo tempo em que isentariam os colegas de sua própria profissão. Mas, levando a opinião de todas elas em conta, chegaríamos à conclusão de que, em quatro de cada cinco opiniões respeitáveis, todos são corruptos, injustos e imorais.

Pode até ser que haja alguma verdade nessa acusação coletiva, mas provavelmente a condenação mútua seja muito mais um sintoma da nossa tendência de criticar e ampliar os defeitos alheios, até mesmo como um mecanismo de defesa.

Somos todos seres imperfeitos e cargos de relativo poder trazem juntamente com eles a tentação, algo que é amplamente discutido na Doutrina Espírita. A riqueza e o poder são provas mais difíceis do que a pobreza, então, é natural que pessoas que sejam mais tentadas a errar acabem, de fato, errando mais.

O Espiritismo também nos ensina que dificilmente faríamos muito melhor caso fôssemos colocados na posição daqueles que criticamos. Logo, uma conclusão errada e precipitada é que todos cometeriam sempre as mesmas falhas, caso fossem colocados nas mesmas posições, ou seja, todos desejamos abusar do poder e só não fazemos isso enquanto não podemos; resumindo, ninguém presta.

(...) tomamos a decisão de fazer a coisa certa dezenas de vezes por dia, e isso é tão comum e tão natural que nem nos damos conta

Contudo, a realidade é bem diferente. Não são só os políticos ou profissionais de destaque que estão em posição de abusar de algum poder relativo que possuam. Na verdade, todos possuímos algum poder relativo nas mais variadas situações. Por exemplo, podemos ser um bom ou mau cônjuge, ser infiel, por exemplo. É muito mais uma escolha pessoal do que uma simples questão de poder ou não se safar. E a esmagadora maioria das pessoas escolhe voluntariamente não trair a confiança do companheiro.

Podemos ser um patrão que paga corretamente e não abusa da situação vulnerável dos seus funcionários; um aluno que não cola nas provas de um professor desatento; um vendedor que não mente para concluir uma venda; um mecânico que não exagera a necessidade de efetuar um reparo mais caro; um empregado que não faz corpo mole. São decisões pessoais que tomamos diariamente, de fazer a coisa certa.

Tudo é um teste e faz parte de uma grande prova que começou no dia em que nascemos; dia a dia, sem nem mesmo sermos cobrados, optamos pela decisão certa, sem nem sequer pensar a respeito, sem a cobrança de ninguém, só porque preferirmos — com muito mais frequência — ser bons em vez de maus.

Quanto maior a tentação, maior a probabilidade de errar. Quantas pessoas conseguiriam manter um casamento longo e feliz, como um bom pai ou mãe de família, longe de festas e outras diversões fáceis, como é o caso, por exemplo, dos astros de Hollywood? Alguns deles talvez estejam resistindo a tentações muito maiores do que as que nós mesmos seríamos capazes de resistir.

Quando ouvir que “ninguém presta” ou algo parecido, é bom sempre lembrar que esta afirmação não tem amparo nenhum na realidade. Não é verdade que ninguém presta, nem que todos abusam do poder e tiram vantagem de cada situação em que podem beneficiar-se, preferindo prejudicar os outros. Muito pelo contrário, tomamos a decisão de fazer a coisa certa dezenas de vezes por dia, e isso é tão comum e tão natural que nem nos damos conta.

É que o mau comportamento causa escândalo, justamente porque foge do padrão esperado. E quando o escândalo acontece porque o mal vem à tona, a resposta esperada nunca pode ser condescender com maus comportamentos, pois ninguém presta, mas, sim, reconhecer que é necessário, como é no caso da política, buscar representantes melhores.

Se o assunto for o nosso próprio comportamento ou o do nosso próximo, mesmo quando aparentemente todos agem de forma errada — o que quase nunca é verdade —, precisamos concluir que a prática do bem está precisando de mais vigilância, e que talvez Deus esteja convocando-nos ao exemplo de fazer a coisa certa, mesmo se formos os únicos.

 

O autor é servidor público federal, formado em Letras. Frequenta a Entidade Espírita Cáritas, em Mogi das Cruzes, SP, e é articulista espírita desde 2013.

junho | 2025

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