Fazer algo somente quando temos condições de lançar em abundância os nossos donativos ainda demonstra a infantilidade da criatura humana, que deseja ser vista e admirada por todos os que estão ao redor
O óbolo da viúva
Walkiria Lúcia de Araújo Cavalcante
walkirialucia.wlac@outlook.com
O importante não é a quantidade do que fazemos, mas como fazemos e de que forma é nosso envolvimento
“Estando Jesus sentado defronte do gazofilácio, a observar de que modo o povo lançava ali o dinheiro, viu que muitas pessoas ricas o deitavam em abundância. Nisso, veio também uma pobre viúva que apenas deitou duas pequenas moedas do valor de dez centavos cada uma. Chamando então seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu muito mais do que todos os que antes puseram suas dádivas no gazofilácio; por isso que todos os outros deram do que lhes abunda, ao passo que ela deu do que lhe faz falta, deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento.”[1]
Estar encarnado constitui-se a maior prova de amor que Deus poderia nos dar. Permite-nos fazer as escolhas que nos aprazem e orienta-nos, através de seus anjos tutelares, o caminho que deveremos seguir até alcançarmos a perfeição relativa que nos é permitida.
Nesse processo evolutivo, dispomo-nos a escolher o caminho baseados nos exemplos que nos são mostrados, a exemplo da passagem da viúva.
Conta-se que um jovem rapaz desejava alcançar o mais alto patrimônio que um homem poderia amealhar na Terra. Para isso trabalhou muito. Acordava mais cedo que todos e ia dormir depois do último homem honesto da Terra. Fez isso até conquistar o que desejava, o que só ocorreu quando ele se encontrava em idade avançada. Para conquistar o que desejava, renunciou aos amores, às amizades e a tudo que sustenta a criatura humana no processo evolutivo. Quando as forças físicas falharam, ele desencarnou.
Nós evoluímos através de duas asas: do conhecimento e do amor. E das expressões emanadas delas: do conhecimento temos o trabalho, o desenvolvimento intelectual, a disciplina, a assiduidade etc.; do amor temos a caridade, a fraternidade, o perdão... Todas as vezes que enfatizamos o desenvolvimento de uma asa em detrimento da outra, ocorre um desequilíbrio. O ser espiritual que alça a evolução crística encontra, no equilíbrio espiritual, a força motriz que liga e sustenta o conhecimento e o amor.
Ao chamar a atenção dos discípulos para o povo que lançava dinheiro na caixa de donativos, o Mestre demonstrava que nem todos aqueles que possuem o valor aquisitivo financeiro ou do saber ou qualquer outro que traga o significado de superioridade aquisitiva sobre os semelhantes, possuem também a forma correta de entregá-los. Pois que para se desvencilharem da obrigação, lançavam as moedas que possuíam em abundância. Eles tinham, verdade seja dita, mas não sabiam compartilhar.
Em contraponto, apresenta-se uma viúva, o sinônimo de uma criatura sozinha e desamparada, que pela própria situação em que se apresentava poderia negar-se a ajudar se fosse instada a fazer. Todavia, ela não somente de escolha própria o faz sem precisar ser provocada, como também deita as moedas, num sinal de profundo envolvimento pelo seu ato de amor, entregando um pouco de si no próprio ato, doando-se em amor ao próximo, não importando o próximo quem fosse, pois ela não o conhecia.
Outro ponto a ser destacado na passagem são os valores repassados à caixa de donativos. Os mais ricos lançavam em abundância, já a viúva deitou o pouco que possuía. O importante, contudo, não é a quantidade do que fazemos, mas como fazemos e de que forma é nosso envolvimento, representado pelo amor que dedicamos e pela importância que damos ao trabalho desenvolvido em prol do outro.
Em trabalhos de caridade e assistência ao próximo e nas próprias instituições espíritas, reconhecemos criaturas com grande potencial contributivo de ajuda ao semelhante que se escusam de fazê-lo pelo orgulho que possuem. Justificam que não são capazes deste ou daquele trabalho, mas em realidade são incapazes de comportar-se como a viúva. Mesmo tendo pouco a oferecer, não querem vivenciar o processo de aprendizado e expor-se aos olhos alheios. Por isso diz-se que o primeiro beneficiado é aquele que doa.
Fazer algo somente quando temos condições de lançar em abundância os nossos donativos ainda demonstra a infantilidade da criatura humana, que deseja ser vista e admirada por todos os que estão ao redor. Vejam como sou bom! Vejam como sou o melhor passista da casa, o melhor médium, o melhor palestrante! Contrasta com a postura do palestrante, do passista e do médium regulares, mas perseverantes, que oferecem o seu óbolo, o que há de melhor em si, aprendendo e melhorando-se à medida que executam, se assim desejarem.
À medida que nos aperfeiçoamos, aprimoramos o trabalho que executamos em qualquer vertente a que nos vinculemos. Quantas vezes nos reinventamos em virtude do conhecimento adquirido? Que bom que isso ocorre, pois significa que estamos evoluindo. Se nada mudasse estaríamos estagnados em conhecimento, uma das asas importantes para a evolução plena.
Dia chegará que o desprendimento existirá em nós de tal maneira, que não mais teremos necessidade de analisar se este ou aquele comportamento está de acordo com os passos do Mestre. Viveremos os passos do Mestre!
Ele mesmo nos afirmou: “Digo a verdade: Aquele que crê em mim fará também as obras que tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para o Pai.”[2]
- Marcos, cap. XII, vv. 41 a 44. Lucas, cap. XXI. vv. 1 a 4.
- João, cap. 14, v 12.
setembro | 2021
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