Abril | 2022

Olhos de ver

Temi Mary Faccio Simionato

temi_mary@yahoo.com.br

“Tocou, então, os olhos deles, dizendo: conforme a vossa fé, seja feito a vós” (Mateus, 9:29)

 

A cegueira é uma das expressões que se repete nos apontamentos evangélicos. Temos os cegos de natureza física expiando suas faltas do pretérito, quando seus olhos astutos foram utilizados para desvirtuar ou deturpar as existências alheias. Temos também os cegos de discernimento, de ingratidão, de leviandade, de zombaria, de incredulidade, de ignorância...

São muitas as referências cristãs, como o cego de Betsaida, o cego de Jericó entre outros. Por isso, necessitamos curar a catarata e a conjuntivite, corrigir a visão espiritual dos nossos olhos, entregando-nos à própria cura; porém, não esqueçamos a pregação do Reino Divino aos nossos órgãos, pois eles são vivos e educáveis. Sem que o nosso pensamento se purifique e sem que a nossa vontade comande o barco do organismo para o bem, a intervenção dos remédios humanos não passará de medida de trânsito para a inutilidade.

Cada aprendiz em sua lição, assim como cada vaso em sua utilidade. Cada um de nós tem o testemunho individual no caminho da existência terrena, e por vezes falhamos aos compromissos assumidos e nos endividamos infinitamente; todavia, no serviço reparador clamamos pela misericórdia Divina, rogando compaixão e socorro. A pergunta feita ao cego de Jericó é bastante expressiva: “Que queres que eu faça?” A indagação deixa perceber que a posição melindrosa do interessado se ajusta aos designíos da Lei. Bartimeu, no entanto, soube responder solicitando a visão.

Lembremo-nos que por vezes perdemos a casa terrestre a fim de aprendermos o caminho do lar celeste. Há épocas em que as feridas do corpo são chamadas para curar as chagas da alma e há situações em que a paralisia ensina-nos a preciosidade do movimento. Estejamos certos de que nos encontramos, invariavelmente, na mais justa e proveitosa oportunidade de trabalho que necessitamos e que talvez não saibamos de pronto escolher outra estrada melhor.

Todo toque de Jesus é fator de transformação, pois as forças que dele emanam sempre dizem verdade divina, impulsionando mentes e corações a outras órbitas de experiências e vida essencial. Ele também esclarece que a cegueira moral obstrui, no íntimo de cada um, o fluxo da vida e da felicidade real. É imperioso considerar que todas as aquisições conhecidas por fora somente denotam valor verdadeiro se filtradas por dentro. Atendamos, assim, as definições espíritas que nos traçam deveres irrevogáveis, definitivos, confessando-nos espíritas e abraçando atitudes espíritas, sem, no entanto, esquecer que o Espiritismo na esfera de nossas vidas, em tudo e por tudo, é renovação moral.

(...) é preciso estudar, observar, trabalhar e nos renovar para o bem, ampliando a visão que nos é própria (...)

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo VIII, item 20, há uma bela comunicação do Espírito Vianney, cura d’Ars (Paris, 1863), intitulada “Bem-aventurados os que têm fechados os olhos”: “Oh! Sim, bem-aventurado o cego que quer viver com Deus, mais feliz que vós, que estais aqui, ele sente a felicidade, toca-a, vê as almas e pode se lançar com elas nas esferas espirituais que os próprios predestinados da vossa Terra não veem. (...) Crede-me bem, meus bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, frequentemente, a verdadeira luz do coração, enquanto a vista é, frequentemente, o anjo terrestre que conduz à morte.”

A nossa missão é despertar os olhos e os ouvidos para confundir os orgulhosos e desmascarar os hipócritas, ou seja, os que afetam exteriormente a virtude e a religião para ocultar as suas torpezas. É necessário que cada coisa venha ao seu tempo. A verdade é como a luz e é preciso que nos habituemos a ela pouco a pouco.

A fé, como síntese da inteligência moral, é um recurso poderosíssimo da projeção espiritual da criatura. Ela é arrebatadora e contagiosa, encontrando palavras persuasivas que vão à alma. Portanto, preguemos pelo exemplo da fé; preguemos pelo exemplo da esperança inabalável que nos faz ver a confiança que fortalece e nos leva a enfrentar todas as vicissitudes da vida. Tenhamos a fé em tudo o que ela tem de bom e de belo em sua pureza e em sua racionalidade, vencendo, assim, os condicionamentos estreitos que nos escravizam à matéria, os conceitos reducionistas de nossas possibilidades essenciais, reconhecendo a grandeza do amor Paterno, sentindo que Ele não dá o Espírito por medida.

Assim, portas da sabedoria e do amor estarão constantemente abertas. Os tesouros da ciência e as alegrias da compreensão humana, as glórias da arte e as luzes da sublimação interior são acessíveis a todos; é preciso estudar, observar, trabalhar e nos renovar para o bem, ampliando a visão que nos é própria, auxiliando o outro, e ajudando desta forma a nós mesmos.

Deus é amor e n’Ele operamos o despertamento de nossos potenciais de Espírito, mas é oportuno recordar que no despertamento do rio da vida, cada alma somente retira a porção de riquezas que possa utilizar proveitosamente. Deste modo, a fé torna-se o fundamento de nossa iluminação, permitindo-nos com lucidez e consciência acordar as mais sublimes realizações espirituais.

Para encontrar o bem e captar a sua luz, não basta admitir-lhe a existência, é indispensável buscá-lo com perseverança e fervor. Seja qual for a nossa interpretação religiosa da ideia de Deus, é necessário acentuar a confiança no bem para que possamos refletir a sua grandeza. O bem eterno é a mesma luz para todos. Busquemo-lo sem nos determos no mal, sustentando permanentemente o coração nas águas vivas do bem.

Procuremos a boa parte das criaturas, das coisas e dos sucessos que cruzam a nossa luta cotidiana. Teremos, então, o espelho de nossa mente voltado para o bem, incorporando-lhe os tesouros eternos e a felicidade que nasce da fé generosa e operante, libertando-nos dos grilhões de todo mal, de vez que o bem constante e puro terá encontrado em nós seguro refletor.

 

- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 16.ed. São Paulo: Editora FEESP, 2015. Questões 627 e 628.

- Idem. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 365.ed. Araras: IDE, 2009. Capítulo 8, item 20 e Capítulo 19.

- XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19.ed. Brasília: FEB, 2016. Capítulo 6.

- PAIXÃO, Wagner. O Evangelho por Dentro. Pelo Espírito Honório Abreu. 1.ed. Mário Campos: Itapuã, 2016. Lição 13.

abril | 2022

MATÉRIA DE CAPA

O Clarim – abril/2022

Portas da sabedoria e do amor estão sempre abertas

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 Como lidar com o luto?

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