Parentes e amigos
Octávio Caúmo Serrano
ocaumo@gmail.com
A finalidade da família na Terra é transformar parentes em amigos
A família do mundo se destina à formação da família espiritual. Enquanto a sanguínea é resultado de ato biológico, a espiritual só é formada por elos de amor entre os componentes. A finalidade da família na Terra é transformar parentes em amigos. Comumente, somos parentes à nossa revelia, mas para sermos amigos é necessário o nosso consentimento — e para bom êxito é preciso até “engolir sapos”.
Diz O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. XIV, item 9) que é dos mais graves equívocos a ingratidão dos filhos. Por mais que os pais falhem e não correspondam aos seus anseios, os filhos lhes devem — no mínimo — algo precioso que é a vida. Se não gostam de como agem seus pais, não repitam com seus filhos o que censuram neles. Todavia, jamais os maltratem, abandonem ou condenem. É possível que lhes faltaram recursos ou conhecimento para ser melhores. Mas o fato de os terem trazido ao mundo já é razão suficiente para que sejam gratos. E se forem mais competentes, que os ajudem e protejam. Há muito de verdade quando o povo diz que a mãe cuida de dez filhos e dez filhos não conseguem cuidar de uma mãe.
Há filhos que cobram dos pais o que eles, com mais cultura e recursos, não fazem. É comum nos núcleos familiares que, além dos pais, também filhos mais velhos abandonem ideais para sacrificar-se pelo irmão mais novo, o caçula, que por vezes é temporão e não viveu as agruras de épocas mais difíceis. Quantos são doutores e estudaram com a renúncia do mais velho, que precisou colaborar no sustento da casa. É recorrente, porém, que quanto mais facilidades tiveram e mais receberam, mais ingratos sejam. Para eles os pais valem mais mortos que vivos, porque deixam algum patrimônio para o seu desfrute. Não preservam a memória do ancião esquecendo-se, inclusive, das noites que passaram nas suas cabeceiras cuidando da febre que os atormentava. Infelizmente quem não serve para ser filho também não serve para ser pai; normalmente recebem de sua prole a mesma ingratidão que dedicaram aos genitores.
Meus pais eram operários e analfabetos, mas seus exemplos ainda vivem em mim. Jamais um cobrador bateu duas vezes à porta para cobrar a mesma dívida. Lembro-me de uma ocasião, em 1947, em que meu pai passou um ano doente, tomando remédio todos os dias sem que conseguisse manter o alimento no estômago. Com 1,60 m de altura, chegou aos 42 quilos. Sentindo-se um pouco melhor foi trabalhar e num sábado não voltou para casa porque o patrão ficou de levar-lhe dinheiro, mas não apareceu. Ele estava sem um centavo em casa. Conto no poema Fragmentos de Vida — Exemplos do meu pai: “Já raiava um novo dia / o domingo amanhecia / quando a mãe me despertou: / — Meu filho, estou preocupada / passei a noite acordada / porque seu pai não voltou! / Assustado com o que ouvi / me apressei logo em sair / e fui até a construção; / lá encontrei meu pai sentado, / todo triste, acabrunhado, / de olhar fincado no chão. / Sem receber seu salário / porque o patrão usurário / não pagou a semanada / ele estava entristecido, / mais que isso, aborrecido / de alma despedaçada... / Aquele homem decente / que estivera tão doente / estava sendo aviltado / e eu, seu filho, seu sonho, / estava também tristonho / por ver meu pai humilhado! / Amanhã eu me demito / disse-me quase num grito / porque isso não é direito / se teu primo é nosso amigo / como faz isso comigo / que lhe dedico respeito. / Com treze anos de idade, / mantendo a serenidade / falei-lhe usando critério: / — Se acalme, pai, dá-se um jeito / o senhor é homem direito / e Deus protege quem é sério; / afinal lá na gaveta / daquela cômoda preta / o senhor tem reservado / o valor da prestação / da bomba do seu João; / pague alguns dias atrasado! / — Esse dinheiro não é meu, / bravo, meu pai respondeu, / inda que eu coma capim! / E não me faça careta, / depois que vai pra gaveta / já não mais pertence a mim! / Fiquei todo embevecido / ante o gigante ferido; / meu olho ainda mareja; / que lição naquele dia! Deus do céu, Virgem Maria! / — Sua bênção, pai, onde esteja!
E viva os pais!
agosto | 2020
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