Agosto | 2019

“Perdoa-nos, como perdoamos…”

Cláudio Viana Silveira |

cvs1909@hotmail.com

Para não expormos o argueiro que existe nos olhos alheios, precisaremos considerar as traves que temos ou já tivemos nos nossos.

 

Impossível examinarmos, à luz de O Evangelho Segundo o Espiritismo, as características de uma pessoa indulgente e não qualificá-la como generosa no mais alto grau. Ou uma pessoa indulgente se distingue por uma série de qualidades que a apontam como generosa por excelência, pois na medida em que perdoa, aguarda o perdão do Alto.

 

  1. Características

O indulgente maneja com sabedoria seus principais sentidos: faz-se cego, surdo e emudece perante os equívocos alheios. Por sentir-se também fraco, sua elevada complacência o torna um entendedor em potencial das fraquezas comuns aos viventes de um mesmo Planeta de provas e expiações.

Advogado de defesa tenaz, tomará para si a responsabilidade de dedicar-se à causa dos equivocados perante vazamentos de suas condutas irregulares. Longe de prestar-lhes um desserviço, considera sua intromissão, o mais velado possível, como ajuda necessária à reabilitação do embaraçado.

Atento à própria reforma o indulgente sabe que a reforma dos outros é tarefa de cada um e se há alguém que precise reformar, será a si próprio e não ao equivocado, e que a severidade sempre será uma tarefa individual. De mais a mais, a pergunta honesta que sempre se fará é: valho mais do que o culpado?(1)

O indulgente não corre riscos. Como servirá de inquisidor se já pode ter cometido faltas mais graves do que o agora confuso?

Através da indulgência, o homem recobra suas forças, fica tonificado para o enfrentamento de novas lutas num Orbe onde ninguém é perfeito e que depende de parcerias.

O verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a humildade(2). Para não expormos o argueiro que existe nos olhos alheios, precisaremos considerar as traves que temos ou já tivemos nos nossos.

 

  1. Os poderes da indulgência

Ao citar os inconvenientes do rigor demasiado, o Espírito Instrutor José nos afirma que a indulgência atrai, acalma, ergue(1). A seguir, no item indulgência, existe uma perfeita e isonômica justiça nas afirmações dos demais orientadores que o instruem. Não há contradição, por serem semelhantes tais orientações:

2.1 A indulgência atrai – Somos seres gregários e ações conjuntas nos possibilitam usufruir da diversidade de talentos. Se os possuímos, precisamos entender que também possuímos deficiências e estas exigem a tolerância da indulgência a fim de que o trigo crescido não venha a ser sufocado pelo joio. E para que este não sufoque nossas boas capacidades – o trigo –, precisamos tolerar a erva sufocante até que seja “cortada com segurança, enfeixada e queimada”.

Quantos embaraços, quantas possibilidades extraviamos com a falta de indulgência! Quantas boas oportunidades jogadas no lixo por não aproveitarmos o lado bom das pessoas, independente das imperfeições que venham a possuir!

O Senhor Jesus é o exemplo de atração maior. Se outrora encarnado dizia “vinde a mim todos vós que estais fatigados”, agora executor de uma terceira revelação, em Espírito, continua a conclamar-nos a ir além e tomar nossas cruzes, tais quais Cirineus, utilizando também da indulgência, que atrai, acalma e levanta, na ajuda à cruz alheia, mostrando-nos que continua no comando de nossas felicidades e que esse é o intento da Doutrina dos Espíritos.

2.2 A indulgência acalma – Aquele que é contemplado com a indulgência receberá um choque de calma. Surpreende-se até por estar sendo banhado pela indulgência porque até agora não conseguiu desenvolvê-la junto aos demais.

Mergulhados novamente nas torrentes do amor que dulcifica as vidas, indultados e todos os generosos, farão parte de um mesmo rebanho aqueles que têm como Pastor o próprio Mestre das Indulgências, o que veio para os doentes, perdidos, caídos, enfim, todos os que tinham suas vidas irritadas por quaisquer moléstias que se refletiam em suas almas. Se a cólera antes os incendiava e consumia, agora a compreensão os aplaca e os aproxima do redil.

A Doutrina dos Espíritos acalma na medida em que ilumina caminhos. Ao recapitular os diversos ensinos de Jesus o Espiritismo esclarece e consola. Não há quem se perca em sofismas, embaraços e dogmatismos, pois a doutrina codificada por Allan Kardec passa a iluminar e estimular o raciocínio das mentes a partir de 1857.

Se a calma traz também a felicidade, indulgentes passam a herdar a alegria do comprometimento com a doçura e a placabilidade.

2.3 A indulgência ergue – Quem nos ergue? O Pai, que tudo vê, até a mais íntima de nossas boas intenções, que tudo pode e que é soberanamente justo e bom, nos erguerá à medida que nos ergamos. Se aos já fortes a indulgência proporciona e estimula a perseverança, aos fracos a nossa indulgência homologará a justiça e bondade divinas. É a nossa santa oportunidade de rogarmos ao Pai: “Perdoa-nos, como perdoamos...”. Não haverá caídos nesta justa troca de tolerâncias. É a indulgência, erguendo e arrebanhando para o aprisco, ovelhinhas outrora tresmalhadas nas farpas dos desenganos.

Neste sagrado conchavo de indultos e benevolências, não há quem saia perdendo. Ao absolvido o recomeço à normalidade, à ordem e ao bem; ao absolvente a ventura de referendar a generosidade do Pai. A partir daí a reparação complementará o processo todo.

***

Mais do que belas palavras, “perdoa-nos, como perdoamos...” encerra todo um princípio moral, o resumo dos ensinos de Jesus ou a verdadeira ética da reciprocidade; é a regra de ouro.

Imaginemo-nos famintos do perdão e do amor do Pai. Quantos irmãozinhos, após refletirem sobre suas desorganizações e desejando uma recomposição, não estarão também ávidos por nossa indulgência?

Os queridos Iluminados ao abordarem o tema indulgência estão a indicar-nos roteiros: “caridade prática, caridade do coração, caridade com o próximo, como para si mesmo”(2), o sagrado apelo ao Pai de todos: “Perdoa-nos, como perdoamos...”

 

  1. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 104ª edição. FEB, cap. X, item 16.
  2. ________. ________. item 18.

fevereiro | 2016

MATÉRIA DE CAPA

O Clarim – fevereiro/2016

Mais do que belas palavras, encerra todo um princípio moral, o resumo dos ensinos de Jesus ou a verdadeira ética…

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