Tempos de fanatismo
Ailton Barcelos da Costa
ailton.barcellos@gmail.com
Kardec nos pede, acima de tudo, que pensemos antes de julgar e tomar alguma conclusão
Atualmente observamos, ao redor do nosso pequeno planeta, inúmeros episódios de fanatismo, principalmente ligados à religião. Além disso, o fanatismo político também tem sido bastante comum no Brasil e em vários outros países, marcando nosso tempo.
Mas, do que estamos falando? O que é fanatismo mesmo?
Segundo o Dicionário Aurélio, fanático é aquele que segue cegamente uma doutrina ou partido. O termo não está ligado unicamente a doutrinas políticas ou religiosas, pois tudo aquilo que leva o indivíduo ao exagero é considerado uma forma de fanatismo.
A Revista Espírita de janeiro de 1868 nos diz que o Espiritismo vem precisamente combater o fanatismo e o maravilhoso que o acusam de querer fazer reviver; daqueles que são possíveis, ele dá uma explicação racional, e dos que seriam uma derrogação das leis da Natureza ele demonstra a impossibilidade:
“Nunca seria demais repetir que o Espiritismo não admite qualquer teoria preconcebida: ele vê, observa, estuda os efeitos e dos efeitos procura remontar às causas, de tal sorte que, quando formula um princípio ou uma teoria, sempre se apoia na experiência. É, pois, rigorosamente certo dizer que é uma ciência de observação. Aqueles que afetam não ver nele senão uma obra de imaginação, provam que lhe desconhecem as primeiras palavras.” (KARDEC, 2000, p. 17)
Poderíamos aqui citar inúmeras religiões e líderes que induzem seus seguidores ao fanatismo e tentam, de alguma forma, ganhar proveito disso. Mas isso só ocorre com as outras religiões, certo? É obvio que não, e encontramos muitos episódios dentro das lides espiritistas.
Kardec nos convida a estudar as leis da natureza, a pensar sobre os fatos e fenômenos e unir as duas coisas, ou seja, usar o conhecimento das leis naturais, da ciência, para analisar todos os fatos espíritas. O que ele pede é, acima de tudo, pensar antes de julgar e tomar alguma conclusão.
No entanto, encontramos no cotidiano das casas espíritas os seguidores cegos, adorando Allan Kardec como se fosse uma divindade, beirando ao fanatismo, ou seja, interpretando literalmente todos os textos do nobre Codificador, não refletindo sobre o contexto em que as obras foram trazidas ao mundo nem sobre o contexto atual da ciência, não só das ciências naturais, mas também na linguística, das ciências sociais e de inúmeras ciências humanas.
O mesmo fanatismo ocorre com outros grandes personagens da Doutrina Espírita, como Francisco Cândido Xavier. Alguns chegam a criar uma religião, o “Chiquismo”, ou mesmo seguem palestrantes e médiuns conhecidos como verdadeiras celebridades, indo totalmente contra o que a Doutrina Espírita nos ensina. Esquecem-se de que todos eles combateram, e ainda combatem, o tempo todo, a idolatria e a fé cega, colocando-se como trabalhadores da espiritualidade e instrumentos de Jesus Cristo.
Infelizmente há palestrantes e médiuns que se conduzem na posição oposta do que acabemos de citar, colocando-se como pessoas importantes, esquecendo-se de que somos instrumentos da espiritualidade, o tempo todo.
Um exemplo bem conhecido é o caso Ambrósio, narrado na obra Tormentos da Obsessão.
Conta-nos Manoel Philomeno de Miranda que Ambrósio partiu 70 anos antes do Sanatório Esperança, coordenado por Eurípedes Barsanulfo, para nova experiência na Terra, com o compromisso de uma mediunidade ostensiva, para cooperar na divulgação do Espiritismo. Deveria ele entregar-se ao trabalho com abnegação e humildade. Todavia, não conseguiu superar inteiramente o homem velho, não logrando livrar-se dos vícios derivados do egoísmo. Ambrósio deixou-se fascinar pelos poderes e pela glória, atribuindo-se uma missão especial e entregando-se a exageros de toda ordem, inclusive a desvios sexuais, levando-o a grave processo obsessivo. Desencarnou cedo, fruto de toda ordem de abusos, o que o levou a ficar retido nos umbrais profundos por quase 20 anos, sendo depois resgatado por caravana conduzida por Isabel de Portugal, seguida de perto por Eurípedes Barsanulfo, em situação espiritual gravíssima (FRANCO, 2015, cap. 10 — Experiências gratificadoras).
Será o caso Ambrósio algo único ou existirão muitos Ambrósios nas chamadas lides espíritas hoje em dia? Infelizmente, meus caros irmãos, tal caso trágico e real é mais comum do que se supõe.
Na política, o caso citado — em que muitos irmãos se acham verdadeiros missionários divinos, cometem toda ordem de abusos e estimulam o fanatismo — parece ser muito mais comum, e raras são as exceções de verdadeiros e humildes trabalhadores que se dedicam ao bem comum, sem vangloriar-se dos feitos.
Podemos concluir com as palavras de Emmanuel em edição da revista Reformador, de 1969: “Em quaisquer lances difíceis do cotidiano, adotemos serenidade e tolerância, as duas forças básicas da paciência, porquanto, se não prescindimos da fé raciocinada, para não cairmos na cegueira do fanatismo, precisamos da paciência, meditação e autoanálise, a fim de que não venhamos a tombar nos desvarios da inquietação.” (Reformador, jul. 1969, p. 148, citado em SILVA, 2014).
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda et al. Novo dicionário Aurélio — século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1, 1999.
- FRANCO, Divaldo P. Tormentos da obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 10.ed. Salvador: LEAL, 2015.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano 11, n. 1, mai. 1868. Manifestação antes da morte. Trad. Salvador Gentile. 1.ed. Araras: IDE, 2000.
- SILVA, Saulo Cesar Ribeiro da (Org). O Evangelho por Emmanuel: comentários às Cartas de Paulo ao Evangelho Segundo Mateus. Coleção “O Evangelho por Emmanuel”, vol. 1. 1.ed., 1.imp. Brasília: FEB, 2014.
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