Janeiro | 2024

Tolerância

Dorothy Jungers Abib

abibdorothy@uol.com.br

A filha dileta da caridade

 

Costuma-se dizer que o egoísmo é filho dileto do orgulho. Usando esta imagem, gostaria de dizer que a tolerância é a filha dileta da caridade.

Será verdade isso? Acreditamos que sim. Vejamos.

A caridade se manifesta em incontáveis modos de agir e até de pensar.

Quando damos de comer a quem tem fome, agasalho a quem tem frio, estamos fazendo a caridade na sua forma mais singela e fácil, porque basta pôr a mão no bolso para doar do que nos sobra.

Já quando visitamos um doente, um encarcerado, ou damos uma palavra de estímulo ou conforto a quem sofre, acolhendo amorosamente alguém que perdeu um ente querido, também fazemos caridade — mais importante esta, porque doamos o nosso tempo, um pouco de nós mesmos, embora sem muito esforço ou sacrifício.

E quando, no uso da mediunidade, frequentamos um centro espírita, nos preparamos e nos esforçamos para ser melhores e usamos de todo o amor que possuímos para ajudar encarnados e desencarnados com o nosso esclarecimento, estamos fazendo uma caridade maior, porque doamos de nós mesmos, atraindo a ajuda dos bons Espíritos e com a boa vontade de ser criaturas melhores. Até dizem alguns que no trabalho mediúnico bem-feito ganhamos em progresso o equivalente a uma reencarnação.

Mas há uma forma de caridade, pouco considerada por nós, e talvez a mais valiosa: usar da tolerância com tudo e com todos, especialmente conosco mesmo.

Quando Jesus nos recomenda que amemos o próximo como a nós mesmos, está claro que precisamos nos amar e, por incrível que possa parecer, o amor a si mesmo é muito difícil de se conseguir, por vários motivos.

O primeiro deles é a ideia errônea de que amar-se torna a pessoa egoísta; quem pensa assim não sabe o que é amar nem o que é egoísmo.

Amar-se é, em primeiro lugar, conhecer-se. E após este primeiro passo, sabedores das nossas fraquezas e imperfeições, vamos procurar corrigi-las melhorando a cada dia e entendendo, acima de tudo, que não sendo perfeitos vamos errar sempre e muito. Assim, não podemos nos culpar excessivamente, achando que não podemos errar, porque aí já é o nosso orgulho falando mais alto.

Aceitemos os nossos erros, porque fazem ainda parte de nós, e os encaremos com tolerância, entendendo que a evolução é um processo que demanda muito tempo e trabalho.

Isto é amar-se, e não egoísmo, porque este sentimento, filho do orgulho, se manifesta quando nos sentimos o centro do mundo, queremos que tudo gire à nossa volta e por nossa causa, o que nada tem a ver com o amor a si mesmo, como já explicamos antes.

Mas, voltando ao amar a nós mesmos, quando iniciamos este processo e vamos conquistando lentamente o objetivo, já estamos começando a amar ao próximo.

Como?

Já vimos que estivemos treinando a tolerância para encarar as nossas imperfeições, o que nos prepara para o primeiro passo a ser dado: tolerar o nosso próximo, aprendendo a amá-lo. Sim, porque agora entramos no aspecto mais importante da caridade: ter tolerância conosco mesmo, com as nossas imperfeições e com as imperfeições do outro, que, como nós, é cheio delas. Esta é a caridade mais difícil de ser feita: ver todas as fraquezas do outro e, sabendo que são as mesmas que as nossas, entender o próximo que está diariamente ao nosso lado, “abusando da nossa paciência” no trabalho, na rua, na escola, no centro espírita e principalmente no lar.

Esta é a caridade mais difícil de ser feita: ver todas as fraquezas do outro e, sabendo que são as mesmas que as nossas, entender o próximo que está diariamente ao nosso lado (...)

Enfatizamos no lar porque é exatamente aí que somos manifestamente intolerantes. Fora dele, por polidez ou educação, engolimos o nosso desagrado, mas no ambiente doméstico, pela liberdade que temos com os familiares, brigamos, reclamamos, criando, às vezes, fortes desavenças que chegam a situações trágicas, como a separação dos casais, a expulsão de filhos etc.

É aí que a caridade é mais difícil de ser praticada, é aí que a tolerância deve entrar com mais ênfase, porque, afinal, não é no lar onde estão os nossos maiores amores? Ou os nossos maiores desafetos, que estão ao nosso lado para aprendermos a amá-los?

A tolerância é, no lar, a arma mais poderosa que podemos usar para instalar nele a paz e o amor. Ao entender que o outro erra, porque é tão imperfeito como nós, estaremos muito mais perto de amar ao próximo como a nós mesmos.

Aprendamos a olhar o próximo com compaixão e tolerância ante suas fraquezas e seus defeitos, que, lembremos sempre, são iguais aos nossos.

Cada um de nós está num determinado degrau evolutivo, mas o fato de estarmos juntos, num grupo de trabalho, social ou familiar, indica que estamos no mesmo nível, todos. Ninguém é melhor do que ninguém e se admitimos que somos passíveis de errar, o nosso próximo também é.

E o próximo não é próximo à toa. Jesus não recomenda que amemos a todas as criaturas, mas ao próximo. Será que o Divino Amigo errou na sua proposição? É óbvio que não, pois o amor ao próximo é o primeiro passo ao amor universal, que se estende a todas as criaturas do Pai. Mas, como amar a todas as criaturas se não começamos com quem está diretamente ao nosso lado?

Vamos refletir sobre isso? Deus abençoe a todos.

 

A autora é médium, estudiosa da Doutrina Espírita desde 1946 e colaboradora do Grupo da Paz, em Mogi das Cruzes, SP. Psicografou o livro “Cartas ao Acaso” (Casa Editora O Clarim).

janeiro | 2024

MATÉRIA DE CAPA

O Clarim – janeiro/2024

Perante desafios e metas, a quantas andam nossas atitudes?

Lista completa de matérias

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 Inteligências interpessoal e intrapessoal

 As festivas paisagens da esperança

 A dor da separação

 O brilho das estrelas

 Na hora do desencarne

 Estudo experimental

 Tolerância

 Iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos

 Fonte de água viva

 Longe ainda da verdade

 Os testemunhos das discípulas de Jesus