Abril | 2024

160 anos de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: o conteúdo e seu papel

Antonio Cesar Perri de Carvalho

acperri@gmail.com

Os capítulos são iniciados com transcrição de versículos do Novo Testamento, para desenvolver comentários pertinentes com os princípios espíritas

 

O raciocínio desenvolvido por Allan Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo fornece subsídios amplos e renovadores para a compreensão dos ensinos morais de Jesus. Esse foi o objetivo definido pelo autor, ao interpretar, analisar e incluir mensagens espirituais para a compreensão de versículos do Novo Testamento com base nos princípios exarados em O Livro dos Espíritos. Daí o título da obra, pois se trata do Evangelho de acordo com o Espiritismo.

Nas páginas iniciais, geralmente pouco lidas, encontram-se observações significativas. Kardec comenta que as palavras dos textos bíblicos muitas vezes são ininteligíveis e aos leitores “passam-lhes despercebidos os preceitos morais”.[1] Valoriza a diversidade da origem das mensagens espirituais: “Quis Deus que a nova revelação chegasse aos homens por mais rápido caminho e mais autêntico. Incumbiu, pois, os Espíritos de levá-la de um polo a outro, manifestando-se por toda parte, sem conferir a ninguém o privilégio de lhes ouvir a palavra”. Destaca o critério adotado: “concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares”; realça: “a necessidade da maior prudência em dar-lhes publicidade; e, caso se julgue conveniente publicá-las”.[1] Recomendação oportuna para a atualidade, com as ondas de fake news que invadem a internet.

Kardec justifica que para evitar manifestações de orgulho não nomeou os médiuns, citando no final das instruções espirituais: o Espírito comunicante, a cidade em que a mensagem surgiu e o ano. Após esses depoimentos, resume ideias de Sócrates e Platão considerando-as predecessoras de ideias cristãs e espíritas.

Os capítulos são iniciados com transcrição de versículos do Novo Testamento, para desenvolver comentários pertinentes com os princípios espíritas.

Chamamos atenção que no capítulo “Não vim destruir a lei” estabelecem-se parâmetros que fundamentam os demais: a compreensão sobre a lei a que se referia Jesus — os Dez Mandamentos —, e de maneira diferente das tradições e práticas dos livros que integram o Antigo Testamento. Jesus desenvolveu o exercício da lei do amor.

A análise de trechos do Sermão da Montanha — a proclamação de Jesus com propostas para uma nova civilização —, notadamente as bem-aventuranças, adquire enorme potencial de consolo, misericórdia, respeito, fé e esperança. Mensagem necessária para o grande número de aflitos do mundo de provas e expiações que vivenciamos. Um auge transparece na interpretação do registro de João da promessa do Consolador.

As determinações de Jesus para a missão dos 12 apóstolos são analisadas no capítulo XXVI sob a óptica espírita, com esclarecimento e profundidade de compreensão sobre: significado de “restituir a saúde”, na amplitude das inter-relações orgânicas, mentais, sociais e espirituais; a palavra “ressurreição” no contexto das mortes aparentes e a dificuldade de linguagem para expressar na época o “nascer da água e do Espírito”; o simbolismo da expressão “limpar”; o significado da palavra de origem grega “demônio”, sem o sentido de mau; a gratuidade na utilização de dons espirituais; e, o “pregai” anunciando “o reino dos céus”, com o entendimento espírita que este se desenvolve na intimidade do ser.

Aos 160 anos de O Evangelho segundo o Espiritismo, é necessária sua valorização por tratar de temas para atendimento do público que procura as instituições, movido por aflições, dificuldades variadas e dúvidas existenciais, pois oferece consolo, esclarecimento, fortalecimento da fé e da esperança.

Há alguns anos preocupamo-nos com a difusão dessa obra de Kardec e vivenciamos diferentes experiências. No período de nossa presidência na Federação Espírita Brasileira, foi iniciado, na sede em Brasília, um curso anual sobre O Evangelho segundo o Espiritismo, com a coordenação de nossa esposa Célia. Houve interesse e continuidade e gerou a oferta de cursos das obras básicas do Codificador.

Naquela sede foi criado o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Evangelho — NEPE, com o objetivo de estimular estudos de versículos do Novo Testamento à luz do Espiritismo. Entre 2012 e início de 2015, desenvolveram-se estudos, seminários e em gravações de videoaulas “O estudo do Evangelho à luz do Espiritismo”, pela TVCEI e FEBtv, disponíveis na internet. O NEPE da FEB foi extinto, mas a ideia se disseminou pelo país, com a formação de rede nacional independente de grupos virtuais: o NEPE Brasil e o NEPE Search, a sua complementação de apoio.[2]

Nas comemorações dos 150 anos de O Evangelho segundo o Espiritismo, com o patrocínio do Conselho Federativo Nacional da FEB, realizou-se o 4º Congresso Espírita Brasileiro (abril de 2014), com o tema “150 anos de esclarecimento e consolação”. De forma inédita, o Congresso foi descentralizado e realizado simultaneamente em quatro capitais, para facilitar presença de pessoas das regiões nas cidades de Campo Grande, Vitória, João Pessoa e Manaus.

Naquela época, estimulamos os lançamentos: edição especial bilíngue da 1ª versão, Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo,[3] tradução por Evandro Noleto Bezerra, um subsídio para estudiosos e pesquisadores; O Evangelho segundo o Espiritismo: orientações para o estudo,[4] sendo coautores os integrantes da equipe do NEPE da FEB.

Sempre valorizamos os textos de Emmanuel, com interpretações de versículos do Novo Testamento traduzidos por João Ferreira de Almeida. Nove obras psicografadas por Chico Xavier, publicadas por quatro editoras, reúnem cerca de 1.300 comentários sob a óptica do Espiritismo, com a diretriz do autor espiritual: “Assim procedemos, ponderando que, num colar de pérolas, cada qual tem valor específico e que, no imenso conjunto de ensinamentos da Boa Nova, cada conceito do Cristo ou de seus colaboradores diretos adapta-se a determinada situação do Espírito, nas estradas da vida”.[5]

Após o advento da pandemia de covid-19, passamos a desenvolver de forma virtual estudos sobre o Evangelho pelas instituições que colaboramos em São Paulo: Centro de Cultura e Documentação do Espiritismo e Grupo Espírita Casa do Caminho.

O conteúdo de O Evangelho segundo o Espiritismo deve ser roteiro para reuniões públicas e de estudo nas instituições. Entendemos que se deve evitar a adoção de programas padronizados, pois cada centro tem características e público-alvo específicos. O desenvolvimento dos roteiros deve ser adequado às condições dos centros.

Há espaços não ocupados pelo movimento espírita em bairros periféricos e socialmente carentes. Trata-se de forte razão para verificar como levar a mensagem de acolhimento, consolo e estímulo a essa parcela da população brasileira.

Coerente com esse pensamento, a Casa Editora O Clarim, fundada por Cairbar Schutel — autor de Parábolas e Ensinos de Jesus, um best-seller —, está disponibilizando a obra Evangelho com simplicidade,[6] contendo comentários com redação simples e direta de capítulos da obra básica de Kardec. Em nossos dias são necessárias opções de esclarecimentos sobre os ensinos de Jesus à luz do Espiritismo com abordagem simples, objetiva e coerente com as obras do Codificador.

Paulo de Tarso, sempre próximo dos mais carentes, registrou: “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos para por todos os meios chegar a salvar alguns” (I Coríntios 9, 22).

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, O Espírito da Verdade é incisivo no Prefácio: “Nós vos convidamos, a vós homens, para o divino concerto. Tomai da lira, fazei uníssonas vossas vozes, e que, num hino sagrado, elas se estendam e repercutam de um extremo a outro do Universo”; no Capítulo XX, Erasto conclama: “Ide, pois, e levai a palavra divina: aos grandes que a desprezarão, aos eruditos que exigirão provas, aos pequenos e simples que a aceitarão; [...] Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! o arado está pronto; a terra espera; arai!”.[1]

Esse é o papel a ser instrumentalizado por divulgadores pela palavra e pelas ações fundamentados em O Evangelho segundo o Espiritismo!

 

  1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2013.
  2. Informações sobre o NEPE: http://www.nepebrasil.org/; https://search.nepebrasil.org/.
  3. KARDEC, Allan. Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Ed. Hist. Bilíngue. Brasília: FEB, 2014.
  4. CARVALHO, Antonio Cesar Perri; CARVALHO, Célia Maria Rey (Org.). O Evangelho segundo o Espiritismo: orientações para o estudo. Brasília: FEB, 2014.
  5. XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. Interpretação dos textos sagrados. Rio de Janeiro: FEB. 2005.
  6. CARVALHO, Antonio Cesar Perri. Espiritismo com simplicidade. Matão: Casa Editora O Clarim, 2024 [no prelo].

 

O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

abril | 2024

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