Agosto | 2025

A alma genética do Brasil e sua vocação espiritual

Mário Frigéri

frigerimario@gmail.com

Indígenas, africanos e europeus, ao se encontrarem em solo brasileiro, deram início a uma complexa tessitura de heranças genéticas, espirituais e afetivas, que continua a pulsar nas veias e na alma do povo

 

A miscigenação é o fenômeno pelo qual diferentes povos, etnias e culturas se entrelaçam, tanto biológica quanto culturalmente, gerando novas identidades. No Brasil, essa mistura não foi apenas um processo inevitável da história, mas tornou-se a própria essência da nacionalidade. Indígenas, africanos e europeus, ao se encontrarem em solo brasileiro, deram início a uma complexa tessitura de heranças genéticas, espirituais e afetivas, que continua a pulsar nas veias e na alma do povo. Com todos os seus dramas e dores, esse entrelaçamento tornou-se, paradoxalmente, a fonte da nossa força: um mosaico humano em permanente construção, cuja riqueza reside justamente na diversidade.

Um estudo publicado recentemente na revista Science, conduzido pela Universidade de São Paulo no âmbito do projeto “DNA do Brasil”, revelou algo impressionante: o povo brasileiro apresenta o mais alto grau de miscigenação genética já registrado no mundo. Foram analisados os genomas completos de 2.723 pessoas de todas as regiões do país, abrangendo comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas. O resultado não apenas confirma a rica diversidade que salta aos olhos em qualquer rua brasileira — ele a revela também em nível molecular, com mais de 8 milhões de variantes genéticas nunca antes catalogadas pela ciência.

Esse verdadeiro mapa da nossa alma biológica mostra que a população brasileira tem, em média, cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena. Mas os números contam apenas parte da história. O que emerge dessa análise profunda do genoma nacional é um retrato da nossa própria formação como povo: um entrelaçamento de mundos, culturas e tragédias. Revela-se, assim, a herança viva de povos originários, muitos dos quais foram dizimados, mas que continuam presentes nos genes dos brasileiros; e de africanos arrancados à força de suas terras, que aqui se misturaram em uma nova urdidura humana.

A genética vem lançar luz sobre as “cicatrizes biológicas” da colonização, como diz, no estudo, a geneticista Lygia da Veiga Pereira. A presença predominante do cromossomo Y europeu (cerca de 71%) e das linhagens mitocondriais africanas e indígenas (que somam aproximadamente 77%) revela um passado de encontros assimétricos e, muitas vezes, dolorosos. No entanto, do entrechoque dessas histórias emerge algo grandioso: um povo único, forjado não pela pureza, mas pela miscigenação. Um povo que, apesar de tudo, sobreviveu, acolheu, transformou-se e hoje carrega em si uma genética plural, resiliente e cheia de potencialidades.

Curiosamente, o DNA confirma o que muitos já intuíamos pela vivência cotidiana: somos um só povo de muitas origens. O estudo identificou ainda variantes genéticas únicas — inclusive africanas — que não são encontradas nem mesmo na África, pois são resultado de combinações inéditas que só ocorreram aqui. Nossos corpos guardam, assim, um testemunho vivo da diversidade que nos molda. Uma diversidade que também nos imuniza, que fortalece nosso sistema metabólico e imunológico, e que foi moldada por séculos de adaptação a doenças tropicais e pressões ambientais.

É impossível não relacionar esses achados com a missão espiritual do Brasil, anunciada por Humberto de Campos na obra Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Ali, sob a inspiração de Emmanuel no “Prefácio”, somos apresentados a um país escolhido para ser campo de renascimento da fraternidade humana, por reunir em si os povos da Terra e ser capaz de acolher a Boa Nova em sua expressão universal. A miscigenação genética que a ciência agora comprova é, nesse contexto, reflexo físico de uma vocação moral mais profunda. A pluralidade do sangue ecoa a universalidade do Espírito.

A miscigenação genética que a ciência agora comprova é, nesse contexto, reflexo físico de uma vocação moral mais profunda. A pluralidade do sangue ecoa a universalidade do Espírito

O Brasil genético confirma o Brasil evangélico. Se nossas células trazem a marca da integração de raças e culturas é porque nossa alma coletiva já foi destinada a ser espaço de concórdia, reconciliação e renovação. Em lugar do orgulho de ser puros, temos o dom de ser miscigenados — e é nesse dom que reside nossa força singular. Como disse muito bem a doutora Lygia: “essa diversidade é a nossa maior força”.

Em um planeta dilacerado por intolerâncias étnicas, conflitos religiosos e disputas territoriais, o Brasil surge como uma espécie de crisol ou caldeirão cultural, um laboratório da convivência possível. Não por termos superado os desafios da desigualdade e do preconceito — que ainda clamam por soluções —, mas porque trazemos em nossa própria carne o chamado à superação dessas divisões. O Evangelho, em solo brasileiro, encontra o húmus ideal para florescer em sua expressão mais pura: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”.

A miscigenação do nosso genoma não é apenas um dado estatístico: é um símbolo. Ela nos lembra que, enquanto muitos se dividem, nós nos somamos. Enquanto alguns constroem muros, nós construímos pontes — de sangue, de cultura e de espírito. Que saibamos honrar essa herança viva e complexa, não com soberba, mas com responsabilidade. Pois o destino docemente manifesto de ser “Coração do Mundo e Pátria do Evangelho” não se cumpre no passado nem no discurso: ele se realiza no presente, em cada gesto de união, de respeito, de acolhimento e de amor.

 

A conexão espírita

A obra de Humberto de Campos supracitada projeta luz sobre a missão espiritual do Brasil no concerto das nações. Ali se afirma que esta terra foi escolhida por Desígnios Superiores para ser o cadinho renovador da Humanidade, onde se reúnem povos de todas as latitudes, línguas e culturas. À sombra de um solo generoso e sob a inspiração de Planos mais Altos, o Brasil se prepara, não para impor-se pelo poder, mas para servir como campo fértil ao florescimento do Evangelho redivivo de Jesus, vivido na prática da fraternidade, da tolerância e da paz.

Nesse contexto, a miscigenação que marca a formação do povo brasileiro não é um acaso histórico, mas uma etapa necessária de um projeto espiritual mais amplo. O entrelaçamento de etnias, culturas e experiências — embora nascido muitas vezes do sofrimento e da injustiça — foi transmutado em força moral e capacidade de acolhimento. A pluralidade genética que a ciência hoje comprova é expressão visível de uma pluralidade de almas reunidas com o propósito de aprender a convivência, a solidariedade e o perdão, valores centrais da mensagem cristã.

Assim, o Brasil emerge como símbolo de esperança: um laboratório espiritual onde os erros do passado podem ser corrigidos pela consciência desperta e pela ação no bem. Seu povo, resultado de tantos cruzamentos e confluências, não é um povo menor entre os povos da Terra, mas um povo em gestação predestinado a um porvir de excelência no campo da grandeza moral. O Evangelho que pulsa em seu destino e em suas veias não nega a ciência — ao contrário, convida-a a dialogar com a fé, revelando que, por trás do genoma revelado nesse estudo, há um coração unificado que anseia por amar, servir e redimir com a unção de Deus.

Em suma, a diversidade genética é, agora, uma certeza científica. Cabe a nós transformá-la também em certeza moral: a certeza de que a fraternidade não é utopia, mas vocação; não é sonho, mas destino. E se a história nos fez diferentes, que o Evangelho nos faça irmãos. E para selar esse ideal com um sopro poético, oferecemos aos amigos leitores este soneto como síntese lírica da nossa origem, vocação e esperança.

 

A glória de ser brasileiro

 

Há um segredo em cada cidadão,

No rosto simples, uma eternidade;

Na carne e alma, a mesma vibração,

O mesmo sonho à luz da liberdade.

 

O índio canta em silêncio no olhar

E o negro reza em sua resistência;

O branco aprende, ao se miscigenar,

Ser esse amor maior que a descendência.

 

Nas veias pulsa a história do porvir,

Num povo que resiste e se refaz,

Herdeiro de um destino a se esculpir.

 

E assim se ergue a Pátria tão tenaz:

Do coração do mundo a redimir,

Com o Evangelho aceso em prol da Paz.

agosto | 2025

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