A conquista da paz íntima: transitando entre níveis de consciência
Adilton Pugliese
santospugliese@hotmail.com
Por mais fraco que o homem seja, quando se harmoniza consigo mesmo, revigora-se e, embebido de paz, é capaz de se imolar na ação superior pela felicidade de muitos, esquecido de si[1]
Pierre Teilhard de Chardin, jesuíta, paleontólogo, antropólogo francês, que viveu entre 1881 e 1955, autor do conhecido livro O Fenômeno Humano, dividiu os homens em três categorias:
Os cansados — que têm um conceito pessimista e negativo da existência. Para eles existir é um erro, um engano. Tal atitude traz insatisfação, incapacidade para encontrar um sentido para a vida, infelicidade.
Os ociosos — levados à contínua busca do prazer. Para eles viver é gozar, provar sensações, fazer experiências agradáveis, procurar a felicidade no sentido mais exterior e materialista.
Os ardentes — para eles a vida é uma contínua ascensão para estados mais profundos de consciência. O homem é um ser capaz de aperfeiçoar-se, de progredir, de realizar-se em toda a sua plenitude. Viver é crescer, procurar a verdade. São chamados ardentes porque uma chama arde dentro deles: a chama da aspiração ao verdadeiro, ao real, a chama da procura do divino, da harmonia.[2]
A partir de uma perspectiva material ou espiritual da vida, ou em decorrência do nível de consciência, outros pensadores e líderes religiosos dividiram os homens em dois ou três estados, a exemplo de Peter Ouspensky (1878–1947), filósofo e pensador russo, matemático, dividiu os homens em dois grupos, para bem os situar na área de suas necessidades e aspirações:
Os fisiológicos — aqueles cujo comportamento se submete ao repouso, ao estômago e ao sexo. Transitam sob o comando de sua natureza animal primitiva. São os homens-instinto, dirigidos pelas sensações, que reagem com violência, detêm o que têm e não repartem. São egoístas.
Os psicológicos — são aqueles que vivem conforme o sentimento e a mente. Vivem sob a predominância da natureza espiritual. São os homens-razão, comandados pela emoção, nos quais a natureza espiritual se destaca. Agem preservando o equilíbrio, porque pensam com calma, nas circunstâncias mais graves, desenvolvendo o sentimento do altruísmo.[3]
Igualmente, o filósofo armênio George Gurdjieff (1866–1949), mestre de Ouspensky, divide os homens em:
Adormecidos — são os fisiológicos, neles dominam as distrações, esquecendo as qualidades superiores que propiciam a felicidade.
Despertos — encontram novos significados na vida. Buscam a plenitude.[4]
Em seus estudos psicológicos em conjunto com os Espíritos, Allan Kardec também se interessou pela questão da personalidade humana, envolvendo as atitudes e impulsos dos seres sencientes, e no livro básico do Espiritismo, O Livro dos Espíritos, na questão 941, divide os homens em duas categorias:
O homem carnal — sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições.
O homem moral — que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas paixões. A moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem.[5]
Aprofundando esses entendimentos, o Espírito Joanna de Ângelis, mestra em Psicologia Transpessoal, destaca em sua obra Momentos de Consciência, psicografada pelo médium Divaldo Franco, que estudos cuidadosos a respeito do comportamento humano demonstraram que há três biótipos representativos de criaturas na sociedade:
Pessoas codependentes — constituído por pessoas condicionadas, que estabelecem as suas metas através de fatores alheios à sua vontade, não adquirindo uma consciência pessoal de satisfação como esforço individual autorrealizador. A falta de confiança em si mesmas proporciona-lhes o desequilíbrio desagregador da saúde.
Pessoas insatisfeitas — são os indivíduos que têm raiva da vida, que estão contra; instáveis e irritadiços por natureza, são autodestrutivos, vivendo sob a constrição permanente da ira. Afirmam que se sentem incompletos, que nada lhes sai bem, portanto, agridem-se e agridem todos e tudo. Entre eles surgem os déspotas, os guerreiros, os criminosos...
Pessoas ajustadas — são autorrealizadas, tranquilas, confiantes. São candidatas ao triunfo nas atividades às quais se dedicam, tornando-se agradáveis, sociáveis, estimuladoras, com empenhos positivos, visando sempre ao bem-estar geral, ao progresso de todos.[6]
Como transitar por esses níveis de consciência e adquirir a arte de viver em paz, situando-nos nos níveis mais elevados, vencendo, assim, as pulsões para a violência, o orgulho, o egoísmo e a crueldade?
No livro de sua autoria, Diálogo com Cientistas e Sábios,[7] relata a jornalista, professora e filósofa americana Renée Weber (1961–2020), uma das intelectuais contemporâneas que procuram integrar o pensamento científico moderno aos mais complexos pontos de vista de místicos e religiosos, que em julho de 1985 ela se encontrava na Suíça, na cidade de Rougemont, onde faria uma entrevista com o famoso filósofo e sábio indiano Jiddu Krishnamurti, nascido em maio de 1895 e desencarnado em 1986, e que desempenhou importante papel como líder espiritual de uma vasta organização internacional, tendo criado diversas escolas desde elementares até superiores. O ensino fundamental de Krishnamurti pode ser resumido numa frase: “A verdade está dentro de nós, pode e deve ser descoberta por todos, mas sozinhos. Nenhum livro ou autoridade pode ajudar-nos a encontrá-la; mas, uma consciência desperta concentrada naquilo que somos e fazemos pode trazer a verdade à tona.”
Weber havia combinado esta entrevista meses antes, mas, estranhamente, o filósofo não queria permitir que ela gravasse o encontro. Ela pretendia conversar acerca da teoria do Big Bang, ou Grande Explosão, a mais aceita, por diversos cientistas, para explicar a origem do Universo.
Esta teoria foi desenvolvida em 1922, a partir de estudos por parte dos cientistas Alexander Friedmann (1888–1925) e Georges Lemaître (1894–1966), e a denominação Big Bang deve-se ao cientista George Gamow (1904–1968).
Segundo esta teoria, o Universo, em seus primórdios, estaria concentrado naquilo que Lemaître denominou de átomo primordial, que teria sofrido uma grande explosão.
Era intenção da jornalista dar continuidade a outra entrevista que ela fizera com o físico Stephen Hawking (1942–2018), e que também consta do seu livro. Contudo, Krishnamurti evita, delicadamente, tocar nesse assunto.
“Por que — pergunta ele — falar da Grande Explosão, quando o mundo está em guerra, as pessoas estão chorando, o homem se mostra incrivelmente cruel para com o seu semelhante?”
Antes da conversa, ele já havia tocado no assunto do sofrimento, dando numerosos exemplos de pessoas que ele conhecia e que estariam sofrendo. Seus olhos se entristeciam quando falava dessas histórias penosas. “Há milhões de anos — diz ele — a Humanidade vem sofrendo, as pessoas se matam, com breves intervalos de paz, e choram. Já as ouviu chorar? Já viu soldados voltando da guerra sem as duas pernas?”
Weber tenta voltar ao assunto, mas ele se esquiva, delicadamente. Krishnamurti prefere conversar sobre a condição humana. Amor e compaixão são os assuntos preferenciais para ele naquele momento. E conclui: “A menos que a Humanidade desarme a sua violência por dentro a partir de uma radical mudança pessoal, todos os nossos planos fracassarão. Há explosões inquietantes e ameaçadoras em todo o mundo.”
O que fazer para realizar essa mudança pessoal em nossa vida e conquistar um estado consciencial de paz?
O primeiro passo seria a conscientização de que a paz é uma arte; assim como viver é uma arte. Se quisermos aprender como viver em paz, devemos agir do mesmo modo que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura.
Quais são os passos necessários para aprender qualquer arte? Segundo o psiquiatra alemão, naturalizado americano, Erich Fromm (1900–1980), autor de várias obras, uma delas sobre a arte de amar, de cujo conteúdo fazemos conexão para enriquecer estes comentários, o processo de aprendizado de uma arte pode ser adequadamente dividido em duas partes: (1) O domínio da teoria; (2) O domínio da prática.
No caso da arte para viver em paz, como se trata de uma conquista íntima, a conquista da paz íntima, o processo de aprendizado irá envolver uma propedêutica (conjunto das noções preliminares necessárias para o estudo de uma Ciência) especial: o autodescobrimento (saber quem é, de onde veio, para onde vai, qual o seu destino).
O Espírito Joanna de Ângelis, em sua obra Vida: Desafios e Soluções, psicografada pelo médium Divaldo Franco, sugere quatro diretrizes ou passos para o autodescobrimento: (1) o despertar do si, ou seja, esforço para conscientizar-se do que é, do que necessita fazer, de como conseguir êxito. Despertar o Espírito que há em nós; (2) esforço para equilibrar-se; (3) disciplina da vontade, ter paciência, serenidade e, (4) promover ações libertadoras a exemplo de ações sociais junto à comunidade.
Há mais de vinte séculos o Príncipe Pacificador assegurou, do alto de um monte: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!” (Mateus, 5:9) e, antes de retornar às estrelas resplandecentes, afirmou: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não se perturbe o vosso coração” (João, 14:27).
- FRANCO, Divaldo. Poemas de Paz. Pelo Espírito Simbá. 3.ed. Salvador: LEAL, 1979. p.108.
- BATA, Ângela Maria la Sala. O Desenvolvimento da Consciência. 9.ed. Pensamento, 1976. p. 7.
- FRANCO, Divaldo. Loucura e Obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 7.ed. Brasília: FEB, 1997. p. 241.
- Idem. O Ser Consciente. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 7.ed. Salvador: LEAL,1993. p. 143.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 76.ed. Brasília: FEB, 1995. p. 438.
- FRANCO, Divaldo. Momentos de Consciência. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 1.ed. Salvador: LEAL, 1992. Cap. 3.
- WEBER, Renée. Diálogo com Cientistas e Sábios. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. 4.ed. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1990. Cap.12. Duas pessoas abrigando-se da chuva.
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