Outubro | 2023

A insofismável existência do Mundo Espiritual

Allan Kardec

O Espiritismo prova a sua existência por fatos

 

Os fenômenos espíritas vêm hoje lançar uma luz toda nova sobre certos efeitos relegados, até então, ao domínio fantástico do maravilhoso e permitindo-nos saber o que é possível e o que não o é.

Primeiramente, o que é o maravilhoso?

O ceticismo responde: é tudo o que, estando fora das leis da Natureza, é impossível; depois acrescenta: se os relatos antigos são férteis em fatos desse gênero, isso se prende ao amor do homem pelo maravilhoso. Mas de onde vem esse amor? É o que ele não diz, e é o que vamos tentar explicar: o que o homem chama de maravilhoso, o transporta pelo pensamento além dos limites do conhecido, e é aspiração íntima para uma ordem de coisas melhores.

Essa aspiração vem da intuição que ele tem de que certa ordem de coisas deve existir. Não a encontrando sobre a Terra, procura-a na esfera do desconhecido. Mas essa própria aspiração não é indício providencial de que há alguma coisa, além da vida corpórea? O homem compreende intuitivamente que há, fora do mundo visível, um poder do qual se faz uma ideia mais ou menos justa segundo o desenvolvimento de sua inteligência, e muito naturalmente vê a ação direta desse poder em todos os fenômenos que ele não compreende. Uma multidão de fatos, hoje perfeitamente explicados e já situados no domínio das leis naturais, passavam outrora por maravilhosos. Disso resulta que todos os homens que possuem faculdades ou conhecimentos superiores ao vulgo passam por ter uma porção desse poder invisível, ou ter dele seu poder; foram chamados mágicos ou feiticeiros. A opinião da Igreja, tendo feito prevalecer que esse poder não podia provir senão do Espírito do mau, quando se exercia fora de seu seio, nos tempos de barbárie e de ignorância, queimavam-se os pretensos mágicos ou feiticeiros.

Alguns críticos argumentam: onde encontrais mais relatos maravilhosos? Não é na Antiguidade, nos povos selvagens, nas classes menos esclarecidas?! Não é uma prova de que são o produto da superstição, filha da ignorância?!

Da ignorância, é incontestável, e isto por uma razão muito simples: os antigos, que sabiam menos do que nós, não eram menos tocados pelos mesmos fenômenos; conhecendo menos causas verdadeiras, procuravam as causas sobrenaturais para as coisas mais naturais, e, com a ajuda da imaginação, secundada pelo medo de um lado, do outro pelo gênio poético, aumentavam acima dos contos fantásticos amplificados pelo gosto da alegoria particular aos povos do Oriente.

Prometeu, arrancando o fogo do Céu que o consumia, devia passar por um ser sobre-humano punido por sua temeridade, por ter impiedade sobre os direitos de Júpiter; Franklin, o Prometeu moderno, é para nós simplesmente um sábio.

Tendo a ciência feito reentrar uma multidão de fatos na ordem natural, reduziu muito os fatos maravilhosos. Mas explicou tudo? Conhece todas as leis que regem os mundos? Não tem nada mais a aprender? Cada dia surge um desmentido a essa orgulhosa pretensão!

Não tendo, pois, pesquisado todos os segredos de Deus, disso resulta que muitos fatos antigos estão ainda inexplicados. Ora, não admitindo como possível o que ela não compreende, acha mais simples chamá-los maravilhosos, fantásticos, quer dizer, inadmissíveis para a razão; aos seus olhos todos os homens que são considerados tê-los produzidos são impostores.

A lei de gravitação universal abriu um novo caminho para a ciência, e deu conta de uma multidão de fenômenos sobre os quais se construíram teorias absurdas; a lei das afinidades moleculares veio lhe dar um novo passo; a descoberta de um mundo microscópico abriu-lhe novos horizontes; a eletricidade, a seu turno, veio revelar-lhe uma nova força que ela não supunha; a cada uma dessas descobertas, viram-se resolver muitas dificuldades, muitos problemas, muitos mistérios incompreendidos ou falsamente interpretados; mas quantas coisas restam ainda a esclarecer? Não se pode admitir a descoberta de uma nova lei, de uma nova força vindo lançar luz sobre os pontos ainda obscuros? Pois bem! É uma nova força que o Espiritismo vem revelar, e essa força, é a ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Mostrando nessa ação uma lei natural, recua ainda os limites do maravilhoso e do sobrenatural, porque explica uma multidão de coisas que pareciam inexplicáveis, como outras pareciam inexplicáveis antes da descoberta da eletricidade.

O Espiritismo limita-se a admitir o mundo invisível como hipótese e como meio de explicação? Não, porque isso seria explicar o desconhecido pelo desconhecido. Ele prova a sua existência por fatos patentes, irrecusáveis, como o microscópio provou a existência do mundo dos infinitamente pequenos.

Estando, pois, demonstrado que o mundo invisível nos rodeia e que esse mundo é essencialmente inteligente, uma vez que se compõe das almas dos homens que viveram, concebe-se facilmente que ele possa desempenhar um papel ativo no mundo visível, e produzir fenômenos de uma ordem particular. São esses fenômenos que a ciência, não podendo explicar pelas leis conhecidas, chama de maravilhosos.

Esses fenômenos, sendo uma lei da Natureza, se produziram em todos os tempos. Ora, como repousa sobre a ação de uma força fora da humanidade, e que todas as religiões têm por princípio a homenagem prestada a essa força, eles serviram de base a todas as religiões; eis porque nos relatos antigos, do mesmo modo que todas as teogonias, formigam alusões e alegorias concernentes às relações do mundo invisível com o mundo visível, e que são, ininteligíveis se não se conhecem essas relações; querer explicá-las sem isso, é querer explicar os fenômenos elétricos sem a eletricidade. Esta lei é a chave que vai abrir a maioria dos santuários misteriosos da Antiguidade; uma vez reconhecida, os historiadores, os arqueólogos, os filósofos, verão desenrolar-se, diante deles, um horizonte inteiramente novo, e a luz se fará sobre os pontos mais obscuros.

Se esta lei ainda encontra oposição, ela tem isso de comum com tudo que é novo; isto se prende, ademais, ao Espírito materialista que domina nossa época, e em segundo lugar porque se faz do mundo invisível uma ideia de tal modo falsa que a incredulidade lhe é a consequência.

O Espiritismo não só demonstra a existência do mundo espiritual, mas apresenta-o sob um aspecto de tal modo lógico que a dúvida não tem mais razão de ser naquele que se dá ao trabalho de estudá-lo conscienciosamente.

 

- Nota da Redação: Texto de Allan Kardec parcialmente transcrito de artigo da Revista Espírita de outubro de 1862, intitulado “Apolônio de Tiana”, por sugestão de Rogério Coelho, que comumente assina esta coluna.

KARDEC, Allan. Revue Spirite. Outubro de 1862. Araras: IDE, 1993. p. 291–294.

outubro | 2023

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