Novembro | 2019

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Apelo à caridade

Maroísa F. Pellegrini Baio

maroisafpb@gmail.com

Que nosso coração se abra ao amor!

 

Em 1862, surgiu uma campanha para arrecadação de fundos em favor dos operários de Lyon, da qual Allan Kardec participou e ajudou a divulgar entre os espíritas. Nessa ocasião, dedicada benfeitora espiritual escreveu uma mensagem de agradecimento aos colaboradores, publicada na Revista Espírita de fevereiro do mesmo ano. Kardec incluiu algumas informações a respeito deste Espírito:

“Um Espírito que dá a conhecer sob o nome característico e gracioso de Cárita, e cuja missão parece ser a de provocar a beneficência em auxílio da desgraça, ditou, a respeito [da campanha pelos operários], a epístola que se segue e que nos foi enviada de Lyon. Como nós, os leitores certamente a colocarão no número das mais belas produções de além-túmulo. Possa ele despertar a simpatia de todos os espíritas por seus irmãos sofredores! Todas as comunicações de Cárita são marcadas pelo mesmo cunho de bondade e de simplicidade. Evocada na Sociedade de Paris, disse ter sido Santa Irene, Imperatriz.”

Cáritas, como é conhecida no meio espírita, é o pseudônimo de uma jovem cristã, Santa Irene, martirizada em Roma no ano 300 d.C. por ordem do Imperador Diocleciano. Suas comunicações se caracterizam por apelos em favor dos mais necessitados e sua missão é estimular a beneficência em socorro do infortúnio. De sua comovente mensagem, endereçada aos colaboradores da campanha, destacamos o trecho final:

“A caridade é suave e merece que se a pratique. É que — vede — pouca coisa é necessária para transformar lágrimas em alegria (...). Socorrei tanto quanto puderdes, para que, quando Deus vos reunir, seguindo a extensa avenida que leva ao grande portal, em cujo frontispício estão gravadas as palavras Amor e Caridade, Deus, reunindo os benfeitores e os beneficiados, vos diga a todos: Soubestes dar; fostes feliz em receber. Vamos, entrai! Que a caridade que vos guiou vos introduza no mundo radioso que reservo aos que têm como divisa: Amai-vos uns aos outros.”

Três anos depois, no final de 1865, uma epidemia de cólera em Paris agravou os rigores do inverno. Em benefício dos pobres da cidade de Lyon e das vítimas dessa doença bacteriana que causa diarreia grave e desidratação, normalmente transmitida pela água, Kardec promoveu mais uma campanha para arrecadar fundos e distribuir aos necessitados, acompanhada de um breve relato, publicado na Revista Espírita de dezembro de 1865, sobre as medidas tomadas pelas autoridades locais:

“Sem dúvida, jamais a solicitude da autoridade se mostrou mais inteligente e mais previdente do que nesta última invasão do flagelo, em relação aos atingidos; prontidão e sábia distribuição dos socorros médicos e outros, nada faltou no caso. É uma justiça que cada um se apraz em lhe render. Assim, graças às medidas tomadas, sua devastação foi rapidamente circunscrita; mas deixa após si traços cruéis de sua passagem nas famílias pobres, e os mais lastimáveis não são os que sucumbem. É aí sobretudo que se faz necessária a caridade particular.”

Na mesma ocasião, Kardec recebeu uma correspondência de Lyon, reproduzida na citada edição da Revista Espírita, na qual seu remetente dizia:

“O Espiritismo, o grande traço de união entre todos os filhos de Deus, nos abriu um horizonte tão largo, que podemos olhar de um a outro ponto todos os corações esparsos, que as circunstâncias colocaram no oriente e no ocidente, e os ver vibrar a um só apelo de Cárita.”

Esta carta trazia uma nova comunicação ditada pelo Espírito Cárita, intitulada “Abri-me”, na qual ela convida todos a abrir o coração ao sofrimento alheio:

“Faz frio, chove, o vento sopra muito forte; abri-me! Fiz uma longa caminhada através da região da miséria e volto, com o coração semimorto, as espáduas vergadas ao fardo de todas as dores. Abri-me bem depressa, meus amados, vós que sabeis que quando a caridade bate à vossa porta é que encontrou muitos infelizes em seu caminho. Abri o vosso coração para receber minhas confidências; abri a vossa bolsa para enxugar as lágrimas dos meus protegidos e escutai-me com essa emoção que a dor faz subir de vossa alma aos lábios. Oh! Vós que sabeis o que Deus reserva e que, muitas vezes chorais essas lágrimas de amor que o Cristo chamava de orvalho da vida celeste, abri-me!... Obrigado! Eu entrei.”

Ela relata os sofredores que foi encontrando em sua caminhada espiritual: velhos abandonados, mães aflitas e filhos famintos, pais desempregados, corações revoltados e o pior de todos os males: o materialismo. A beleza desse apelo merece nossa atenção.

“Parti esta manhã. Chamavam-me de todos os lados; e o sofrimento tem a voz tão vibrante, que basta um só apelo. Minha primeira visita foi para dois pobres velhos: marido e mulher. Viveram ambos esses longos dias em que o pão rareia, em que o sol se esconde, em que o trabalho falta aos braços fortes que o chamam, enterraram sua miséria no lar da dignidade e ninguém pôde adivinhar que muitas vezes o dia transcorria sem trazer seu pão cotidiano. Depois chegou a idade, os membros enfraqueceram, os olhos ficaram velados e o patrão que fornecera trabalho disse: Nada mais tenho a fazer. Entretanto a morte não veio e a fome e o frio diariamente são os visitantes habituais da pobre morada. Como responder a essa miséria? Proclamando-a? Oh! Não. Há feridas que não se curam arrancando o aparelho que as cobre. O que acalma o coração é uma palavra de consolo, dita por uma voz amiga que adivinhou, com sua alma, o que lhe foi oculto ao altar. Para esses pobres, abri-me!

“E depois vi uma mãe repartir seu único pedaço de pão com os três filhinhos; e como o pedaço era minúsculo, nada guardou para si. Vi a lareira apagada, a cama viúva de seu mobiliário; vi os membros tiritando sob um invólucro de trapos; vi o marido entrar em casa sem ter encontrado trabalho; vi enfim o filho menor morrer sem socorro, porque o pai e a mãe são espíritas e tiveram que sofrer humilhações das obras de beneficência.

“Vi a miséria em toda a sua chaga horrível; vi os corações se atrofiarem e a dignidade extinguir-se sob o verme roedor da necessidade de viver. Vi as criaturas de Deus renegarem sua origem imortal, porque não compreendiam a provação. Vi, enfim, o materialismo crescer com a miséria e em vão exclamei: Abri-me! Eu sou a caridade; venho a vós com o coração cheio de ternura; não choreis mais, eu venho vos consolar. Mas o coração dos infelizes não me escutou, pois suas entranhas tinham muita fome!

“Então aproximei-me de vós, meus bons amigos, de vós que me escutastes, de vós que sabeis que Cárita é a mendiga para os pobres e vos disse: Abri-me!

“Acabo de vos contar o que vi em minha longa jornada e, eu vos peço, tende para os meus pobres um pensamento, uma palavra, uma suave lembrança, a fim de que à noite, à hora da prece, eles não adormeçam sem agradecer a Deus, porque vós lhe sorristes de longe. Sabeis que os pobres são a pedra de toque que Deus envia à Terra para experimentar vossos corações. Não os repilais, a fim de que um dia, quando tiverdes transposto o sólio que conduz ao espaço, Deus vos reconheça por corações de sua aliança e vos admita na morada dos eleitos!”

O correspondente finaliza sua carta a Kardec com uma nota de esperança: “Esperamos que ela não tenha dito em vão: abri-me! Se ela bate à porta com tanta insistência, é que o inverno aí bate por seu lado.”

Essa doce benfeitora espiritual é a autora da conhecida Prece de Cáritas (vide box), ditada na véspera do Natal de dezembro de 1873, em Bordeaux, França, pela médium francesa Madame Watteville Krell, contemporânea a Kardec.

Recordando mais uma vez o suave encanto que envolve o nascimento de Jesus, ouçamos o apelo dessa meiga amiga espiritual, abrindo nossos corações, estendendo nosso afeto e nossa atenção aos necessitados que Ele sempre nos envia! “Senhor, ponde no coração dos homens a compaixão e caridade!”

 

Prece de Cáritas

Deus, nosso Pai, que tendes Poder e Bondade, dai a força àquele que passa pela provação,

dai a luz àquele que procura a verdade, ponde no coração do homem a compaixão e a caridade.

Deus! Dai ao viajor a estrela guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso.

Pai! Dai ao culpado o arrependimento, ao Espírito a verdade, à criança o guia, ao órfão o pai.

Senhor! Que Vossa bondade se estenda sobre tudo que criastes.

Piedade, Senhor, para aqueles que Vos não conhecem, esperança para aqueles que sofrem.

Que a Vossa bondade permita aos Espíritos consoladores derramarem por toda parte a paz, a esperança e a fé.

Deus! Um raio, uma faísca do Vosso amor, pode abrasar a Terra; deixai-nos beber na fonte dessa bondade fecunda e infinita, e todas as lágrimas secarão, todas as dores acalmarão.

Um só coração, um só pensamento subirá até Vós, como um grito de reconhecimento e de amor.

Como Moisés sobre a montanha, nós Vos esperamos com os braços abertos, oh! Bondade, oh! Beleza, oh! Perfeição, e queremos de algum modo alcançar a Vossa misericórdia.

Deus! Dai-nos a força de ajudar o progresso, a fim de subirmos até Vós, dai-nos a caridade pura, dai-nos a fé e a razão; dai-nos a simplicidade que fará de nossas almas o espelho onde se refletirá a Vossa Santíssima Imagem.

Assim é, e assim será!

dezembro | 2019

MATÉRIA DE CAPA

RIE – dezembro/2019

O Natal desperta nossos sentimentos mais puros de fraternidade; nesse contexto, o Espírito Cáritas nos convida a abrirmos o coração…

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 Apelo à caridade

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 III Conferência Espírita Catarinense

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