Agosto | 2022

Arigó: um homem fascinante – Entrevista com Gustavo Fernandez

Cássio Leonardo Carrara

cassio@oclarim.com.br

Diretor de “Predestinado” fala sobre a produção, escolha de elenco e o que podemos esperar deste novo filme com temática espírita

 

Com estreia prevista nos cinemas de todo o Brasil em 1º de setembro, Predestinado: Arigó e o Espírito do Dr. Fritz, novo filme de temática espírita estrelado por Danton Mello e Juliana Paes (respectivamente nos papéis de Arigó e Arlete, esposa do médium) trará, sem dúvida, fortes emoções aos espectadores. É o que nos garante nesta entrevista o diretor Gustavo Fernandez, que já trabalhou em grandes sucessos da televisão brasileira, como as novelas A Favorita, Avenida Brasil, Velho Chico e presentemente Pantanal. Com lançamento previsto inicialmente para junho de 2020, atrasado em razão da pandemia de covid-19, Gustavo acredita que Predestinado chega no momento certo ao público, quando as pessoas mais necessitam de uma mensagem positiva, de carinho, de amor, a fim de desenvolver o olhar para o outro. Com grande elenco e alta qualidade cinematográfica, mostra as lutas, e até certa relutância, no despertar de José Pedro de Freitas (1921–1971), o Arigó, um homem simples do interior mineiro, para uma grande missão que lhe foi destinada pela espiritualidade.

 

RIE. Por que trazer a vida de José Arigó aos cinemas? Como surgiu a motivação para este filme?

Gustavo Fernandez. Há algum tempo Roberto d’Ávila, dono da Moonshot, a produtora do filme, vinha tentando viabilizar o projeto de Predestinado, que conta a vida de Arigó. Sou diretor da TV Globo há 20 anos e Roberto assistiu a um trabalho que eu tinha liderado como diretor geral. Gostou e me convidou para dirigir este filme. A partir daí surgiu o meu envolvimento com o projeto, e logo de cara percebi a motivação que o movia: o próprio personagem, algo que fica muito evidente. Arigó é um homem fascinante, com uma história de vida incrível, pelas características, pelo tempo que exerceu a mediunidade com tanta relevância. Em sua época, chegou a ser uma das pessoas mais famosas do Brasil, ao lado de Roberto Carlos, Pelé e Silvio Santos. As pessoas vinham visitá-lo em caravanas, excursões do país inteiro e do mundo. Chegou a existir uma linha de ônibus que ligava Buenos Aires a Congonhas do Campo, MG, a cidade onde ele morava e exercia seu trabalho. Na verdade, até me pergunto como sua história não tenha sido lembrada antes, porque é realmente fascinante, sob medida para virar um filme.

 

RIE. Como são tratados o desenvolvimento de sua mediunidade e, depois, as cirurgias espirituais por meio do Dr. Fritz?

Gustavo. Em todos os aspectos do filme, partindo de mim, do produtor Roberto d’Ávila e da roteirista Jaqueline Vargas, procuramos trazer uma abordagem com o máximo de respeito e de verdade, sem cair simplesmente na apologia. A mediunidade de Arigó suscita aspectos muito interessantes. Atormentou-o desde o surgimento, durante a infância. Depois, na vida adulta, ele foi examinado, pois ouvia vozes, tinha visões, e foi algo contra o que tentou muito lutar. Arigó demorou para aceitar a mediunidade, que lhe representava uma mudança de vida, um compromisso que pode assustar. Quanto às famosas cirurgias espirituais que realizava, operando com instrumentos rústicos, caseiros, como faca de cozinha, buscamos referências a respeito em muitos materiais gravados na época. Por exemplo, uma comissão da NASA que estudava parapsicologia veio acompanhar o fenômeno que envolvia Arigó e realizou várias filmagens das cirurgias. Isso nos serviu muito de referência sobre como fazer a abordagem. E sempre enfrentamos um certo dilema íntimo: o limite até onde poderíamos ir, pois algumas cenas à primeira vista podem parecer muito chocantes. Há casos em que ele coloca uma faca no olho da pessoa em cirurgia. Tentamos não abrir mão de tais casos, mas, sim, mostrá-los de modo controlado a fim de não chocar demais. Resumindo, é uma abordagem que se equilibra no aspecto do respeito à verdade.

 

RIE. E a relação de José Arigó com Chico Xavier?

Gustavo. O filme tem uma cena belíssima, em um lugar muito bonito, do encontro de Arigó e Chico Xavier; eu particularmente gosto muito dela. Acho incrível poder mostrar o encontro dessas duas grandes figuras, esses dois gigantes do universo espírita brasileiro. E no momento em que Arigó ainda era visto com reserva por alguns círculos, Chico Xavier meio que lhe concede um aval. Sinto que, se aconteceu exatamente como mostramos, deve ter trazido um grande conforto a Arigó.

 

RIE. Qual ou quais características da personalidade de Arigó lhe chamam mais atenção?

Gustavo. Quando fui convidado a dirigir o filme, logo tive uma intenção que veio ao encontro de ideia já constando do projeto de Roberto: olhar para o homem Arigó, esse homem simples que recebe um dom gigantesco. Mas também a carga de responsabilidade, de dedicação, de ter de abrir mão do seu próprio tempo e do tempo com a família, para cumprir a missão que vem junto com tal dom. E o quanto ele resistiu para assumir essa mediunidade. A partir daí, ele se transforma em uma personalidade conhecida no mundo inteiro e que gera admiradores improváveis. Por exemplo, o ator que interpreta o Dr. Fritz no filme é um inglês chamado James Faulkner (que atuou em grandes produções como, por exemplo, Game of Thrones, e protagonizou um filme recente chamado Paulo, Apóstolo de Cristo, ou seja, um ator internacional). Ele chegou até nós interessado em participar porque já havia lido sobre a história de Arigó. Uma coisa tão improvável! Olha o poder que esse homem simples do interior de Minas Gerais foi capaz de mobilizar.

Atores de Predestinado; ao centro, Danton Mello, que interpreta o médium Arigó

 

RIE. Danton Mello e Juliana Paes estão nos papéis principais. Comente sobre a integração deles com a história e de que forma foi feita a seleção do elenco.

Gustavo. Danton e Juliana são duas grandes conquistas para a história. Foram de uma dedicação total ao filme, aos personagens. Fizeram realmente um trabalho belíssimo. Danton tem uma atuação incrível e Juliana mostra uma faceta de atriz muito diferente daquela que normalmente é chamada a fazer. Em relação ao restante do elenco, duas coisas nos pautaram: existiam algumas pequenas participações, mas de personagens que são quase ícones e muito representativas das várias fases da vida de Arigó. Tinham de ter uma presença marcante. Para essas personagens quisemos chamar atores muito conhecidos. Alexandre Borges faz o deputado que é o primeiro paciente de uma cirurgia espiritual. Marcos Caruso faz o padre de Congonhas que representa a perseguição, sofrida por Arigó, da alta cúpula da Igreja. Marco Ricca faz o juiz que o condenou — Arigó sofreu uma perseguição judicial. Cássio Gabus Mendes faz o delegado da prisão onde ele ficou detido após a condenação. Nas outras inúmeras participações — como os companheiros de trabalho de Arigó, pessoas da família, pacientes, pessoas que transitam pela história — tentamos usar principalmente atores mineiros para ter o máximo dessa cor local.

 

RIE. Inicialmente previsto para estrear em 2020, o filme teve seu lançamento adiado em razão da pandemia. Como avalia esta situação? Houve algum benefício ou prejuízo com o adiamento?

Gustavo. A pandemia nos pegou de surpresa e atrapalhou o lançamento do filme, mas nem chego a pensar se isso foi prejudicial ou benéfico. Houve tantas consequências graves, mas seria leviano da minha parte dizer que a pandemia prejudicou o filme. Se pensarmos bem, ele chega num bom momento, em que as pessoas precisam de uma mensagem positiva, de carinho, de amor. E o filme tem isso. Seria um absurdo dizer que a pandemia foi benéfica, mas o filme encontrou seu momento para ser lançado.

 

RIE. Sobretudo na última década assistimos a um grande avanço nas produções de filmes com temática espírita. Como você avalia esse segmento e o interesse do público?

Gustavo. É um segmento importantíssimo, que já gerou grandes filmes, algumas das maiores bilheterias do cinema brasileiro nos anos em que foram lançados. Além disso, acho que ainda existem muitas histórias para serem contadas. Penso também que a mensagem, sim, é importante, mas quanto maior a qualidade do projeto, no seu valor cinematográfico, melhor será para o segmento como um todo. Foi o que tentamos fazer em Predestinado. É um filme que certamente vai interessar ao público espírita, mas desperta muito interesse em quem não necessariamente pratica essa religião. É um bom caminho para o segmento de filmes ligados à causa espírita.

 

RIE. Sem dúvida, o exercício da caridade tem papel central nesta história. Em tempos conflituosos, qual a importância de trazer uma mensagem tão consoladora?

Gustavo. Considero, sim, que esta é a principal mensagem do filme, algo fundamental a ser não só transmitido às pessoas, mas também recebido e absorvido por elas. A caridade, no fundo, é o olhar para o outro. É o não olhar só para si. Chegamos a pensar por um momento que a pandemia resgataria um pouco essa tendência, mas vemos que não foi bem assim. Predestinado traz essa mensagem. Há uma cena, particularmente me emociona bastante, que mostra o momento em que Arigó decide aceitar a sua mediunidade. Ele está em casa e ouve o clamor do público por sua presença; ele então abre a porta e vê as primeiras pessoas, que estão realmente necessitadas de um tratamento, de uma cura, mas não têm recursos nem encontram ajuda no poder público. Ele olha, vê o rosto dessas pessoas sofridas e isso o ajuda a decidir. O olhar para o outro. “Eu tenho essa missão!”

 

RIE. Que surpresas ou emoções as pessoas podem esperar em Predestinado?

Gustavo. Emoção é uma palavra que as pessoas podem associar à experiência de assistir ao filme, principalmente para quem, como eu, se lembra dele ainda vivo. Eu não passava de uma criança e me lembro de ver uma reportagem de TV sobre ele, uma lembrança muito difusa. Mas o nome não me soava estranho quando fui chamado a fazer o filme; surpreendi-me ainda mais ao tomar conhecimento da vida dele! E para quem é de uma geração mais nova, acho que vai ser muito interessante — eu até diria: surpreendente — ter contato com essa figura incrível. Surpresa e emoção definem bem o filme.

 

RIE. Deixe uma mensagem final aos leitores.

Gustavo. Como mensagem final, só gostaria de dizer que, antes de fazer esse filme, eu era uma pessoa sem preocupação com a espiritualidade. Questionei-me muito se deveria realmente fazê-lo. Eu, que sou tão fora desse universo... E ao longo do processo, preparação e filmagem, tive experiências tão impactantes para a minha vida que me deram a certeza de que esse filme não chegou até mim por acaso. Eu realmente deveria fazê-lo. Posso dizer que ele mudou minha vida, me mudou, me transformou.

 

Errata: Na RIE de junho de 2022, à página 255, penúltimo parágrafo, onde se lê: “A roteirista Jaqueline Vargas usou como base o livro Arigó e o Espírito do Dr. Fritz, escrito pelo jornalista e escritor inglês John G. Fuller, para ajudar a construir o roteiro do filme. A obra literária foi reeditada pela Editora Pensamento e seu novo lançamento acompanha a estreia do filme nos cinemas.”, leia-se: “A roteirista Jaqueline Vargas pesquisou extensamente com fontes diretas e muitos livros, entre eles Arigó e o Espírito do Dr. Fritz, escrito pelo jornalista e escritor inglês John G. Fuller, para ajudá-la a construir o roteiro original do filme. A obra literária, lançamento da Editora Pensamento, acompanha a estreia do filme nos cinemas.”

agosto | 2022

MATÉRIA DE CAPA

RIE – agosto/2022

Entrevistamos o diretor de “Predestinado”, filme sobre Arigó e Dr. Fritz

Lista completa de matérias

 Construção sadia de conhecimento

 Carta ao Leitor – agosto/2022

 A parte que nos cabe

 Arigó: um homem fascinante – Entrevista com Gustavo Fernandez

 Quando a alma adoece

 Kardec e os sofrimentos do homem

 O uso da inteligência e a moldura moral

 A ninguém desprezeis!

 Prece intercessória

 Ação mental sobre a água — Parte I

 Ajuda-te que o céu te ajudará

 Violência na família

 A necessidade do autoconhecimento

 Choro e ranger de dentes

 Crise na adolescência

 Cairbar Schutel e a divulgação do Espiritismo

 Influência de Chico Xavier em nossa existência

 A fascinação pelas armas

 Contatos de luz — o amor sem fronteira

 “Om”: início, fim e meio

 Ciência bastarda

 Filmes espíritas vão dominar as telonas

 De novo juntos

 A criança e as redes sociais