Bem-estar espiritual e paz são ideias semelhantes?
Anselmo Ferreira Vasconcelos
afv@uol.com.br
Estas sensações estão vinculadas ao nosso bom desempenho na vida por meio das tarefas que Deus nos confiou cuidar
O conceito de bem-estar é um construto multifacetado abrangendo componentes de natureza física, psicológica, emocional e espiritual. Posto isto, desde o final da primeira década deste século a ONU reconhece a importância do bem-estar espiritual como um dos componentes-chave à saúde geral ou qualidade de vida das pessoas.[1] Basicamente, saúde espiritual envolve o grau de satisfação da vida espiritual de um indivíduo.[2] Muitos avanços têm sido obtidos nessa área, tendo-se em vista que a questão espiritual, sob múltiplas formas e enfoques, também ganhou relevância como objeto de estudo nos meios acadêmicos.
Avançando mais além, outros pesquisadores sugerem que o bem-estar espiritual refere-se ao estado e sentimentos positivos que impactam o comportamento e a cognição, às relações consigo e com os outros, bem como a uma dimensão transcendente, propiciando, assim, ao indivíduo um senso de identidade, integridade, satisfação, beleza, amor, respeito, atitudes positivas, paz interior e harmonia, além de um objetivo e direção na vida.[3]
Do ponto de vista teológico, bem-estar espiritual indica o nível de alegria e contentamento que uma pessoa experimenta na sua relação com Deus.[4] De modo geral, a dimensão espiritual do bem-estar abarca ainda o sentimento de paz e serenidade que decorre do atingimento de metas consistentes com os valores espirituais e funcionamento na sociedade como um todo.[5]
Portanto, o conhecimento científico coligido nesse particular permite inferir que a aquisição e preservação de bem-estar espiritual parece ser vital para que as pessoas operem bem os seus deveres, assim como se conectem adequadamente com a divindade. Além disso, bem-estar espiritual tem influência direta na saúde do nosso corpo físico. Indivíduos ricos nessa dimensão geralmente esbanjam otimismo, serenidade e equilíbrio. Por outro lado, não encontramos essa expressão sendo usada na literatura espírita, pelo menos nos livros clássicos, tampouco no Dicionário Enciclopédico Ilustrado: Espiritismo, Metapsíquica e Parapsicologia, de João Teixeira de Paula, ou no site do Vade Mecum Espírita.
No entanto, tal constatação não significa que o assunto tenha sido negligenciado pelos Espíritos inspiradores ou pelos autores e articulistas do Espiritismo. Com efeito, na literatura da doutrina achamos com frequência a palavra paz, termo correlato que abrange sentimentos e sensações de alto teor espiritual. Pode-se concluir, portanto, que são expressões afins.
A propósito, vale recordar que num dos momentos mais marcantes do Cristianismo, logo após a crucificação de Jesus, ele reaparece perante os apóstolos desejando-lhes ternamente: “Paz seja convosco” (Lucas, 24:36). O Espírito Emmanuel, ao analisar esse episódio, afirma que: “Jesus demonstra-lhes a sobrevivência e deseja-lhes paz”. Diante disso, pergunta a referida entidade espiritual:
“Será isso insuficiente para a alma sincera que procura a integração com a vida mais alta? Não envolverá, em si, grande responsabilidade o fato de reconhecerdes a continuação da existência, além da morte, na certeza de que haverá exame dos compromissos individuais?”[6]
A julgar pelo comportamento humano vigente parece que ainda há, lamentavelmente, pouca reflexão em torno de tal imperativo. Seja como for, em muitas outras oportunidades vemos o Mestre igualmente desejando paz aos seus interlocutores. Portanto, o sentimento de paz permeia naturalmente as vibrações das almas bem-intencionadas. A paz é também encontrada no coração de todos aqueles que primam por viver uma existência digna e decente. Ou seja, em todos aqueles que não receiam enfrentar o julgamento divino, pois fazem de suas vidas um autêntico hino de louvor ao Criador através das suas ações e atitudes benéficas. Entretanto, o mesmo já não se pode dizer daqueles que buscam prejudicar os seus semelhantes. Nestes, aliás, o vírus do remorso dormita, apenas aguardando a hora mais propícia de se manifestar através de emoções pungentes e purificadoras.
Em outra importante obra, Emmanuel esclarece que “A paz decorre da quitação de nossa consciência para com a vida, e o trabalho reside na base de semelhante equilíbrio”.[7] Viver alienado das obrigações que nos compete administrar não nos traz paz ou bem-estar permanente. Estas sensações estão vinculadas ao nosso bom desempenho na vida por meio das tarefas que Deus nos confiou cuidar. Por isso, seja no âmbito da família, do trabalho ou da comunidade à qual estamos vinculados, podemos difundir a paz que nos envolve em gestos de fraternidade, compreensão e respeito.
Há pessoas caminhando na Terra carregadas de ódio e maldades em seus corações, e dispostas a tudo para atingir os seus objetivos soezes. Infelizmente, não possuem ainda consciência de que “é dando que se recebe”. Em suas mentes doentias só há espaço para interesses escusos — e causa de tormentosas dores que lhes aguardam no porvir.
Em vista disso, vale também mencionar o que o Espírito Joanna de Ângelis ressalta:
“Assim, em qualquer circunstância de tempo ou lugar, em claro céu ou sombrio firmamento, na saúde ou na doença, na realização ou na queda, no poder ou na dependência, entre amigos ou adversários, para a tua plenitude e perfeita paz, ama muito mais e distende sempre mais amor porque só o amor tem a substância essencial para traduzir a realidade do Pai em nossas vidas.”[8]
É evidente que há muitos obstáculos no caminho conspirando contra a nossa paz interior e/ou bem-estar espiritual, mas tenhamos serenidade para vencê-los. Eles estão em nossa vida para que desenvolvamos mais tolerância e entendimento alcançando, assim, outros patamares evolutivos. Os grandes vencedores da vida são geralmente aqueles que suportam os reveses com paciência, fé e trabalho. Têm a intuição que a sua hora vitoriosa chegará e se esforçam para alcançá-la. Por fim, Emmanuel observa que “Trabalhar e sofrer constituem processos lógicos do aperfeiçoamento e da ascensão. E que atendamos a esses imperativos da Lei, com bastante paz, é o desejo amoroso e puro de Jesus-Cristo”.[9]
- FERNANDO, M.; CHOWDHURY, R. M. The relationship between spiritual well-being and ethical orientations in decision making: An empirical study with business executives in Australia. Journal of Business Ethics, 95(2). 2010. p. 211-225.
- LEE, D. J.; SIRGY, M. J.; EFRATY, D.; SIEGEL, P. A study of quality of work life, spiritual well-being, and life satisfaction. In: GIACALONE, R. A.; JURKIEWICZ, C. L. (Eds.). Handbook of Workplace Spirituality and Organizational Performance (p. 209-230). New York: M. E. Sharpe, 2003.
- VELASCO-GONZALEZ, L.; RIOUX, L. The spiritual well-being of elderly people: A study of a French sample. Journal of Religion and Health, 53(4). 2014. p. 1.123-1.137.
- OBERHOLSTER, F. R.; TAYLOR V, J. W.; CRUISE, R. J. Spiritual well-being, faith maturity, and the organizational commitment of faculty in Christian colleges and universities. Journal of Research on Christian Education, 9(1). 2000. p. 31-60.
- EGEL, E.; FRY, L. W. Spiritual leadership as a model for Islamic leadership. Public Integrity, 19(1). 2017. p. 77-95.
- XAVIER, F. C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 7.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. p. 122.
- Idem. Fonte Viva. Pelo Espírito Emmanuel. 18.ed. Brasília: FEB, 1992. p. 305.
- FRANCO, D. P. Florações Evangélicas. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Belo Horizonte: Editora G. Holman, 1972. p. 140.
- XAVIER, F. C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 7.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. p. 122.
O autor é escritor, articulista e pesquisador independente.
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