Setembro | 2025

Breves faces da intuição

Antonio Cezar Lima da Fonseca

aclfonseca55@gmail.com

O Espírito que reencarna traz consigo, como discernimento instantâneo, lembranças ou “flashes”, aquilo que fez ou deixou de fazer em vidas passadas

 

No meio popular entende-se — e confunde-se — intuição como pressentimento, predição, adivinhação e profecia. Intuição é a capacidade de perceber coisas;[1] ou um ato de percepção clara e imediata.[2] Percepção é a capacidade de apreender por meio dos sentidos ou da mente.[3]

Das faculdades mediúnicas, a intuição é a mais elevada e a mais perfeita,[4] uma vez que o Espírito que reencarna traz consigo, como intuição, aquilo que fez ou deixou de fazer em vidas passadas. Surge como discernimento instantâneo, como lembranças ou flashes, como se fosse um reflexo instintivo para que o Espírito não reincida em faltas anteriores. E, mesmo assim, pode reincidir muitas vezes.

Na Doutrina Espírita, da mesma forma, intuição pode ser um pressentimento. Mas também pode não ser, porque pressentimento surge como “aviso de Espírito amigo ou protetor”,[5] e intuição surge como registro de vidas ou memórias anteriores do próprio Espírito, como lembranças.

Allan Kardec, p.ex., utiliza a palavra intuição com o significado de pressentimento,[6] como lembranças e até como em sendo voz do instinto,[7] tudo dependendo do contexto de que trata. Utiliza-a considerando que um de seus significados é a capacidade de pressentir coisas.[8]

Quando Kardec se refere aos Espíritos imperfeitos, p.ex., diz que têm a intuição de Deus.[9] Neste caso, a intuição parece vir com o sentido de suspeitar, perceber, pressentir, ter ciência de.

Com relação aos Espíritos elevados, puros ou perfeitos, têm eles pré-conhecimento do futuro, a intuição que seus habitantes têm do futuro, a segurança que uma consciência isenta de remorsos lhes dá fazem que a morte nenhuma apreensão lhes cause.[10] Neste caso, intuição parece ter o significado de segurança, um saber prévio.

Quando se trata de ideias inatas, sustenta-se que os conhecimentos adquiridos não se perdem.[11] Kardec consigna que a intuição que deles se conserva (dos conhecimentos) auxilia o progresso do Espírito. Refere a palavra ligada ao que se aprendeu em vidas passadas, com o sentido de percepção da consciência vivida (memórias), portanto.

Essa intuição dos conhecimentos passados e adquiridos (consciência vivida) ressurge várias vezes como lembrança. Como na q. 219, de O Livro dos Espíritos (LE):

“Qual a origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, o das línguas, do cálculo etc.? — Lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas que dela não tem consciência. (...)”

Como lembrança do que se aprendeu em vidas passadas está a intuição, também, na q. 222:

“(...) Ao nascerem, trazem os homens a intuição do que aprenderam antes. São mais ou menos adiantados, conforme o número de existências que contêm, conforme já estejam mais ou menos afastados do ponto de partida.”

Na questão 393, novamente Kardec menciona a intuição como lembranças de anterior existência, como reminiscência do passado:

“Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado. (...)”

Como sensação ou percepção da inteligência suprema (Deus), a intuição aparece na q. 244-a:

“Ele (o Espírito) não vê a Deus, mas ‘sente’ a sua soberania e, quando não deva ser feita alguma coisa ou dita uma palavra, percebe, como por intuição, a proibição de fazê-la...”

Há intuição não apenas ao tempo presente (pela voz do instinto) ou ao passado (pelas lembranças), mas para o futuro, quando alude-se à intuição da vida futura, mostrando-se esta como um sonho, e até como resposta ou consequência nos sentidos ou emoções de instintos. Não por acaso, Kardec anotou a existência de uma intuição das penas e gozos futuros.[12] Veja-se a questão 329:

“329. O instintivo respeito que, em todos os tempos e entre todos os povos, o homem consagrou e consagra aos mortos é efeito da intuição que tem da vida futura? — É a consequência natural dessa intuição. Se assim não fosse, nenhuma razão de ser teria esse respeito.”

“Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado. (...)” (LE, 393)

Também, na questão 425, aqueles sonhos que se conserva na memória, no mais das vezes, podem ser uma espécie de intuição do futuro.

A intuição, ainda, liga-se ao amadurecimento da inteligência do homem, porque, na infância os órgãos da inteligência não dão à criança toda a intuição própria de um adulto ao Espírito que a anima.[13]

No tocante às faltas praticadas pelo homem (Espírito), a intuição reaparece como guia da resistência ao mal. Tem-se, portanto, uma intuição que guia o Espírito como se fosse a voz da consciência. Na questão 399, LE:

“O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do Espírito, porquanto, se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia por intuição e lhe dá a ideia de resistir ao mal, ideia que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os Espíritos superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão. O homem não conhece os atos que praticou em suas existências pretéritas (...).”

Como lembrança de ideias do que aprendemos em vidas anteriores, por relacionamento que mantivemos, a intuição está na q. 417:

“Ao despertar, guardamos intuição das ideias que haurimos nesses colóquios, mas ficamos na ignorância da fonte de onde promanam.”

Pode a intuição chegar como aviso ou conselho de Espírito protetor, surgindo, novamente, como voz do instinto ou pressentimento. Na questão 522, LE:

“O pressentimento é sempre um aviso do Espírito Protetor? — É o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja feito. É a voz do instinto.”

Quando a alma se une ao corpo, p. ex., para que compreenda as leis divinas, a intuição atuará de acordo com o grau de perfeição que aquela (alma) adquiriu, nos termos da q. 620, LE: a alma compreende a Lei de Deus de acordo com o grau de perfeição que tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao corpo.

Não se confunda, porém, intuição com a possível influenciação oriunda de Espíritos, benévolos ou malévolos. Tanto a intuição quanto a influenciação espiritual surgem pelo pensamento, mas aquela já foi registrada (gravada) por consciência anterior, e o pensamento influenciador decorre de outro Espírito na erraticidade. Kardec questiona na q. 464:

“Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau? — Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos discernir.

Edgar Armond anota que devemos seguir a intuição, porque a intuição é uma voz interior que fala, que deve ser obedecida sem vacilações, tratando-se de sentimento íntimo que temos a respeito de certa coisa ou assunto.[14] Distingue-a da razão e ensina:

“Por isso, às vezes, a razão diz ‘sim’, quando a intuição diz ‘não’ ; quando uma fala ‘prudência’, a outra ordena ‘confiança’; uma diz ‘raciocínio primeiro’, mas a outra determina: ‘crê e segue’. Uma é sombra sempre vacilante, a outra é luz sempre clara; uma duvida e se nega, outra confia e se entrega. Uma se exerce no campo da mente limitada, outra, na esfera do Espírito livre, que não obedece a convenções, preconceitos ou leis humanas.”[15]

A intuição exsurge na voz interior que nos fala, voz do instinto, voz íntima, voz de lembrança, sendo aquela que nos leva ao acerto, à correção e segurança às decisões e condutas no mundo encarnado. A intuição é de nosso próprio Espírito.

Portanto, como se fosse um camaleão que aparece sob diversas cores e formas, seja como pressentimento, vaga lembrança, predição, aviso ou premonição, a intuição está presente em todos nós e sempre aparece, competindo-nos desnudá-la, descobri-la, sob a luz do livre-arbítrio, do autoconhecimento, da prece e pela reforma íntima.

 

  1. Pequeno Dicionário Houaiss. Ed. Moderna.
  2. Dicionário Aurélio.
  3. Pequeno Dicionário Houaiss. Ed. Moderna.
  4. ARMOND, Edgar. Mediunidade. Ed. Aliança.
  5. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. q. 522.
  6. Ernesto Bozzano também a utiliza em Fenômenos Premonitórios (Ed. CELD).
  7. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. q. 522.
  8. Pequeno Dicionário Houaiss. Ed. Moderna.
  9. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. q. 101.
  10. Ibidem. q. 182.
  11. Ibidem. q. 218a.
  12. Ibidem. q. 960 a 962.
  13. Ibidem. q. 380.
  14. ARMOND, Edgar. Mediunidade. Ed. Aliança.
  15. Ibidem. p. 61. Op. cit. p. 61.

 

O autor é advogado, autor do livro "Encontrando Allan Kardec"; reside em Capão da Canoa, RS.

setembro | 2025

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