Julho | 2024

Calamidades

Rogério Miguez

artigosespiritas55@gmail.com

A Doutrina Espírita nos permite a justa compreensão dos desígnios divinos, bem como apresenta as condições capazes de consolar-nos, pelo esclarecimento, sobre o acontecido

 

Sempre houve calamidades causadas por: terremotos, incêndios de grandes proporções, tsunâmis, pragas, pestes, guerras... são apenas alguns exemplos dos chamados desastres naturais ou provocados. Causam devastações e mortes, isto ajuizando sobre os efeitos materiais, pois existem também perdas morais.

Forças da Natureza incontroláveis pelo homem estão por trás dos fenômenos naturais, gerando medo e pavor em muitos, crentes ou descrentes em Deus, o Criador e controlador de todas as leis que regem como o comportamento da Natureza.

Na antiguidade, esses cataclismos provocavam imenso temor e pânico para os frágeis humanos, ainda ignorantes dos mecanismos controladores das forças naturais, totalmente imprevisíveis e descontroladas. Com o passar do tempo, ainda geram apreensão e ansiedade, contudo, hoje em dia as causas destas chamadas catástrofes estão sendo mais bem conhecidas e compreendidas e, por meio de estudos e pesquisas cada vez mais avançados, o homem, usando a sua inteligência, descobre pouco a pouco como defender-se, mesmo parcialmente, destas agora não tão inesperadas calamidades.

Hoje, graças ao advento da Terceira Revelação, sabemos por quais razões o Criador permite que esses mecanismos saneadores, atingindo a Humanidade em grande escala, aconteçam com tanta regularidade e por meio de variadas formas:

Com que fim Deus castiga a Humanidade por meio de flagelos destruidores? — Para fazê-la progredir mais depressa. (...)”[1]

Acelerar o progresso, este é o sábio objetivo de Deus quando permite que, por meio de suas imutáveis leis físicas controladoras da Natureza, sejamos atingidos pelas assim denominadas calamidades.

Mas, efetivamente, como esse progresso acontece:

Para o homem, os flagelos não seriam também provações morais, ao fazerem que ele se defronte com as mais aflitivas necessidades? — Os flagelos são provas que dão ao homem oportunidade de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus, permitindo-lhe manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, caso o egoísmo não o domine.”[2]

Pelo texto, observam-se três mecanismos, pelos quais se pode compreender o modo como esse progresso se realiza:

  1. Dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência — Como exemplo significativo deste exercício, pode-se tomar o Japão como um caso direto do atendimento desse objetivo. Avançadas tecnologias de engenharia civil desenvolvidas há anos pelos japoneses visam a minimizar os prejuízos e mortes causados pelos desastres naturais, frequentes, naquele arquipélago do Pacífico. Hoje, muitos prédios no Japão continuam de pé após significativos abalos sísmicos, graças a dispositivos engenhosamente elaborados e instalados nas edificações; é considerado o país mais bem preparado para suportar terremotos. Não temos controle sobre as condições interiores da Terra — magma e placas tectônicas —, mas quando elas nos surpreendem, por meio de vulcões e terremotos, e isso faz parte do processo evolutivo, nos dão a oportunidade de trabalhar mais a nossa inteligência, com o fim de aprender a lidar e atenuar os seus efeitos devastadores.
  2. Demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus — Pode-se tomar o Brasil como exemplo concreto do atingimento desse objetivo. Os cidadãos brasileiros, após a ocorrência de catástrofes naturais, dão depoimentos em que expressam, caso sejam crentes, a confiança em Deus, sem condená-Lo por conta das perdas materiais e mesmo humanas, comuns após episódios deste tipo. Afirmam, geralmente, que vão se recuperar e começar de novo.
  3. Manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, caso o egoísmo não o domine — Mais uma vez, o Brasil pode ser usado como modelo. O povo, diante de catástrofes, se movimenta de variadas formas para auxiliar e apoiar os atingidos pelas calamidades. Só não se manifestam, como bem destacado na resposta dos Espíritos, os egoístas. Os últimos se contentam em destacar a responsabilidade dos administradores municipais, estaduais e federais como únicos culpados pelas consequências desastrosas desses fenômenos.

Entretanto, questiona-se: por qual razão seria preciso ocorrer tantas mortes para se promover o progresso do orbe?

É uma questão recorrente, típica de pessoas que não aceitam ou não compreendem a continuidade da vida, a imortalidade da alma, a reencarnação, enxergando na morte um fato definitivo gerador apenas de tristeza e pesar.

Caso refletissem um pouco concluiriam: Deus não pode desejar o sofrimento de Suas criaturas, principalmente daquelas que permaneceram vivas após a passagem dos cataclismos e desastres, ou do surgimento de pragas e pestes, pontuando a nossa História, ao levaram nossos entes queridos para o lado escuro da morte.

Neste sentido, a Doutrina Espírita apresenta um conjunto inigualável de explicações, não só possibilitando a justa compreensão dos desígnios divinos, bem como apresentando as condições capazes de consolar-nos, pelo esclarecimento, sobre o acontecido.

Há outra linha de questionamentos trazendo desconforto quando se busca explicar as muitas mortes ocorridas nestes cataclismos: haveria mortes ocasionais? Quem estava, talvez desavisado no local, foi surpreendido pelo acaso? Alguém morreu na hora errada? Como essas pessoas foram reunidas, na mesma hora, dia e lugar, onde aconteceram os chamados desastres?

De início, destacamos que o espírita está muito bem-informado sobre a inexistência do acaso; sendo assim, não é possível ocorrer uma morte acidental. Contudo, a grande maioria desconhece os postulados espíritas, desta forma, para fornecer uma rápida explicação, não podemos admitir, pela razão, que Deus não tenha controle sobre Sua criação, afinal, Ele não é onipresente, onipotente e onisciente? Se Ele é detentor desses três atributos, entre outros, não se pode jamais imaginar que alguém tenha morrido inesperadamente, em resultado de estar na hora, dia e local errados, como se diz no dia a dia: foi azar, ou pior, foi uma fatalidade! E mais, a morte nos alcançará mais cedo ou mais tarde, seja por um flagelo ou por outra causa qualquer. Ninguém se esquiva dela.

(...) como lidar com a Natureza se muitos até agora, em pleno século XXI, não creem que, em função da forma como estamos vivendo, o seu equilíbrio está sendo desestabilizado?

O outro aparente enigma é saber como as pessoas que tiveram suas existências interrompidas foram reunidas para, juntas, passarem pela mesma situação aparentemente fortuita.

O Espiritismo e o Magnetismo são ciências irmãs, como afirmou Allan Kardec nesta passagem:

“O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma porção de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu uma infinidade de fábulas, em que os fatos são exagerados pela imaginação. O conhecimento esclarecido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam uma só é o melhor preservativo contra as ideias supersticiosas, porque, ao mostrar a realidade das coisas e suas verdadeiras causas, revela o que é possível e o que é impossível, o que está nas Leis da Natureza e o que não passa de uma crença ridícula.”[3]

É o magnetismo que explica como pessoas totalmente estranhas entre si, morando em diversos pontos do Globo decidem, por exemplo, viajar para a Tailândia e se hospedar em Phuket — resort de luxo —, exatamente nos dias em que ocorreu o devastador tsunâmi que ceifou mais de 200.000 vidas em várias regiões da Ásia. Algumas reencarnaram sabendo que, possivelmente, morreriam afogadas, outras não, e, não fazendo nada para alterar essa expiação, foram capturadas pelas leis do magnetismo e levadas a decidir viajar justamente naquela época e para aquela determinada região.

A obra Transição Planetária traz informação pertinente ao abordar exatamente a visão espírita sobre o tsunâmi de 2004:

“Curiosamente ampliou os esclarecimentos, informando que os ocidentais em férias que se fizeram vítimas, mantinham profunda ligação emocional com aquele povo e foram atraídos por forças magnéticas para resgatar, na ocasião, velhos compromissos que lhes pesavam na economia moral.

“— Nada acontece, sem os alicerces da causalidade! — concluiu.”[4]

Outro aspecto muito pertinente a destacar nessa breve análise se prende à forma como as pessoas enxergam esses cataclismos, referenciando-os por meio de expressões como: onda assassina; fúria dos oceanos; tsunâmi da morte e destruição; a ira da Terra expeliu línguas de fogo; ventos traiçoeiros; chuvas inclementes... quando a Natureza não tem virtudes nem vícios, não possui nenhuma predileção, é totalmente neutra, age ou reage conforme o homem vive na Terra, pois as leis físicas são imutáveis e funcionam de acordo com as condições que criamos na superfície do planeta.

E, nesta hora, oportunamente, indagamos: como lidar com a Natureza se muitos até agora, em pleno século XXI, não creem que, em função da forma como estamos vivendo, o seu equilíbrio está sendo desestabilizado? E, como resposta, temos tempestades anormais com ventos jamais vistos!?

Os polos estão derretendo, e o que fazemos? Aquecemos mais ainda o planeta queimando com volúpia matas e florestas, sem a mínima consciência e remorso de que toda a vegetação existente no orbe é obra de Deus, não nos pertence em última instância; ela existe para nos ajudar a bem viver nessa morada do Pai e o homem, em total desconsideração e descaso, destrói sistematicamente os recursos que a Terra oferece para que vivamos em equilíbrio, muitas vezes visando a aumentar lucros pela insaciável exploração de seus valiosos recursos.

Perguntamos, afinal, quem de fato é o flagelo destruidor da Terra: a Natureza ou o homem? No passado, Átila ganhou a alcunha — O flagelo de Deus! Certamente, não de Deus, mas o Rei dos Hunos fez-se flagelo da humanidade por si mesmo.

Como reflexão final, não temamos a morte, exceto se estivermos agindo de forma criminosa ou delituosa, e, desse comportamento, advier a desencarnação; neste caso, então, morremos antes do tempo previsto, mas jamais ao acaso. Todos os mortos, ao longo de nossa História, nas diversas calamidades, sejam elas quais forem, daqui não partiram fora da hora.

 

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3.ed. (Edição comemorativa do Sesquicentenário). Brasília: FEB, 2006. q. 737.
  2. Ibidem. q. 740.
  3. Ibidem. q. 555.
  4. FRANCO, D. Pereira. Transição Planetária. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 2.ed. Salvador: LEAL, 2010. Cap. 4, Roteiros terrestres.

 

O autor é engenheiro, articulista e expositor, atuando no movimento espírita em São José dos Campos, SP. Autor do livro "Obsessão em 100 respostas" (Ed. O Clarim).

julho | 2024

MATÉRIA DE CAPA

RIE – julho/2024

Catástrofes coletivas são eventos fortuitos?

Lista completa de matérias

 Expiações solidárias

 Carta ao Leitor – julho/2024

 Na esquina outra vez

 A irresistível força do amor – Entrevista com Sidney Fernandes

 Meditação e egoísmo

 A preguiça

 E o progresso material?

 Descomplicando a metafísica abstrata e ininteligível

 Jesus, o pagamento do tributo a César e o motivo do fracasso de Judas

 Pessoas sem cérebro? É possível? (Parte II)

 Calamidades

 Cuidados psicológicos e espirituais em catástrofes

 Um sentido para a vida

 Curiosa instrução de catecismo

 Estudo do perispírito (parte VII)

 Caridade para com os criminosos

 Reerguimento moral

 Estêvão no Sinédrio

 Os leitores entrevistam o autor de “Cidadão Rivail” (parte 4)

 Simplicidade nos 160 anos de “O Evangelho segundo o Espiritismo”

 A grandeza literária e espiritual de Wallace Leal V. Rodrigues

 Abuso de crianças e adolescentes