Fevereiro | 2021

Os guias, os bons guias, andam junto com aqueles que necessitam do seu conhecimento ou da sua instrução

Conhecer Jesus

Rogéria Olimpio

rogeriaolimpio2020@gmail.com

Deus o oferece a todos nós como o mais perfeito modelo, uma vez que sua doutrina é a expressão mais pura da Lei do Senhor

 

Nunca sentimos tanta necessidade de Jesus... E mesmo em meio à ânsia de estar com ele, nos damos conta de que ainda não nos permitimos conhecê-lo.

Em O Livro dos Espíritos, na questão 625, encontramos Allan Kardec questionando os Espíritos sobre qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo. A resposta é taxativa: Jesus.

Kardec, na nota que acompanha a resposta a esta questão, explica que Jesus é o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. E que exatamente por isso, Deus o oferece a todos nós como o mais perfeito modelo, uma vez que sua doutrina é a expressão mais pura da Lei do Senhor. Daí a interpretação dos Evangelhos como sendo o registro daquilo que Jesus trouxe para nós, ou seja, sua tradução das leis divinas para a linguagem humana, segundo o entendimento da época, mas não deixando de colocar as sementes que germinariam no porvir.

Os evangelhos são o registro material das experiências vividas por Jesus, quando esteve fisicamente entre nós. Constituem o roteiro seguro deixado por ele para a humanidade. Não apresentam a totalidade da sua vivência, mas os elementos fundamentais para que a sua mensagem não se perdesse, para que tivéssemos o necessário para caminhar com segurança em qualquer época da história, em todos os períodos do nosso desenvolvimento espiritual. Deu-nos os aprendizados básicos durante a infância espiritual e à medida que vamos amadurecendo, descortina novos horizontes, novas lições, novas promessas... Pode-se dizer que o que foi escrito nos quatro evangelhos é o resumo das recordações mais amorosas, mais significativas, daqueles que conviveram com Jesus ou que foram tocados por sua presença.

Humberto de Campos, no primeiro capítulo do livro Boa Nova, psicografia de Francisco Cândido Xavier, recorda que o Evangelho, a Boa Nova do Cristo, ficaria como “(...) o livro mais vivaz e mais formoso do mundo, constituindo a mensagem permanente do céu, entre as criaturas em trânsito pela Terra, o mapa das abençoadas altitudes espirituais, o guia do caminho, o manual do amor, da coragem e da perene alegria”.

A essência da mensagem do Cristo se encontra nele. E isso permitiu que muitos conseguissem seguir os passos de Jesus, inspirar-se em seus exemplos, encontrar lenitivo para os momentos tormentosos que nossas próprias ações criaram para nossas vidas.

Por que para nós isso é tão difícil? O que falta ainda para reconhecermos no Cristo o Guia e Modelo da humanidade? Por que não confiamos nossas vidas a este Guia? Por que temos tanta dificuldade em seguir este modelo?

Alguns poderão dizer que a sua história é muito fora da nossa realidade. Que os seus ensinamentos ainda estão muito distantes de nós. Ou ainda que não temos condições de seguir seus ensinamentos, porque a sociedade atual não nos ajuda.

Vamos responder algumas dessas questões, iniciando pelo fim.

A nossa sociedade não nos ajuda a seguir seus ensinamentos. Não no sentido de tornar mais fácil o aprendizado. Ao contrário, a sociedade atual nos fornece todos os elementos necessários para exercitarmos todas as virtudes que o Cristo nos ensina. Se precisamos de paciência, somos colocados entre irmãos que nos estimulam o tempo inteiro a exercitar a paciência. Se precisamos ser tolerantes, somos colocados em meio a Espíritos que não pensam como nós, para treinarmos a tolerância. Os exercícios mais produtivos nos ambientes educativos não são aqueles que realizamos facilmente, são aqueles que nos fazem fortes e preparados para vencer novos limites.

Os ensinamentos do Cristo ainda estão distantes de nós. Mas ele disse que se quiséssemos poderíamos fazer tudo o que ele fez e muito mais. Quando um modelo nos é apresentado, não significa necessariamente que ele se adéqua às nossas necessidades e condições. Em muitas situações, para que a planta de uma casa seja concretizada em uma casa real, é necessário que o terreno seja aplainado, drenado, preparado e trabalhado para que a construção seja feita. Para seguir o modelo, precisamos trabalhar em nós o terreno dos nossos corações para que as bases sejam fortes, seguras, para o modelo que queremos tornar realidade.

A história de Jesus é muito distante da nossa realidade. Da mesma forma que a vivência de um professor universitário está muito distante da turma de educação infantil que ele adotou para orientar. É preciso não somente uma adequação de linguagem como também que o professor “desça” ao entendimento das crianças. Jesus fez isso conosco, mas em nenhum momento deixou de ser o Cristo. Em nenhuma situação se nivelou à nossa condição. Suas experiências e sua vivência enquanto Espírito são superiores a qualquer uma que possamos imaginar, afinal de contas é o modelo mais perfeito que Deus nos ofereceu.

Chegamos então à conclusão de que o problema não é o Cristo. O problema está em nós, em nossas dificuldades e limitações. Desde os anos em que ele esteve fisicamente entre nós, conseguimos de diversas formas nos afastar dele. Insistimos em mantê-lo na cruz em que ele se desprendeu de nós, das nossas limitações, da nossa ignorância. Nossas limitações são tamanhas que nos perdemos nas questões de interpretação da letra que mata ao invés de nos voltarmos para o Espírito, que segundo Paulo, na segunda epístola aos Coríntios, vivifica. Na incompreensão em que nos mantivemos nestes dois milênios, fizemos todo o possível para torná-lo alguém inatingível, num misto de negação dos seus ensinamentos e de uma dolorida constatação da distância que ainda nos separa dele.

Como adotar como modelo e guia alguém que está tão fora do nosso alcance? Tão distante da realidade de crimes e vícios em que nos encontramos? Ao exaltar a condição real de salvador, colocamos Jesus equivocadamente num altar, afastamo-lo de nós, com a justificativa de que não somos dignos de estar junto dele. O que pode parecer confirmação da condição ínfima da humanidade precisa ser revista segundo outros paradigmas. Ele realmente é o salvador, o guia, o modelo e nós estamos realmente muito longe de alcançá-lo, mas os guias, os bons guias, andam junto com aqueles que necessitam do seu conhecimento ou da sua instrução.

O problema talvez esteja no modo como nos relacionamos com o Cristo. Ao colocar Jesus como o Salvador, ficamos na condição passiva de alguém que precisa ser salvo, que não consegue caminhar sozinho. Acontece que Jesus preferia ser reconhecido pelo título de mestre. E de irmão. Precisamos então rever nossa relação com esse nosso irmão. Para isso, precisamos de verdade conhecê-lo. E para alcançar esse conhecimento contamos com o amparo dos Espíritos.

Amélia Rodrigues, no prólogo do livro Primícias do Reino, analisando a figura de Jesus em comparação com César, lembra que Jesus:

“(...) era o Príncipe de outro reino, aquele reino de paz e justiça onde a sabedoria sublima as aspirações. Imenso reino além-da-terra, cujos alicerces, entretanto, se consubstanciam na argamassa da terra.

“Augusto semeava o terror, o ódio, devastava...

“Jesus trazia o convite enérgico e desataviado à escolha, ao dever maior do amor.

“O primeiro combatia como as águias: inesperadamente, com violência, astúcia, impiedade.

“O segundo semelhava-se à pomba mansa, mensageira da paz.

“Os dois reinos tiram e têm bem definidas finalidades, perfeitamente delineados roteiros.

“Augusto reinava; Ele, porém, viera ter com os homens para oferecer as primícias do Reino que lentamente conquistaria os amargurados e desiludidos espíritos humanos, após os insucessos e frustrações no reino fantasista dos triunfos passageiros.”

No mesmo livro, no final do prólogo:

“À semelhança dos dias em que Jesus viveu entre nós, os tempos atuais ensejam a restauração viva e atuante da Mensagem cristã, pois que, convertida em laboratório de experiências aflitivas, a Terra continua sendo campo rico de oportunidades para a vivência evangélica.

“Há incontáveis portas de serviço esperando por nós.

“Nestes dias de cultura e abastança pululam também a miséria física e moral aguardando socorro.

“Faz-se necessário que repontem como primavera de bênçãos as sementes da esperança e surjam como antes novos ‘homens do caminho’.”

Como esses homens do caminho se relacionavam com o Cristo? Amélia Rodrigues e Humberto de Campos narram em seus livros os encontros e conversas de Jesus com eles. Mas essas conversas são os momentos fraternos em que o irmão mais velho tira as dúvidas dos mais novos. Ajudam-nos a entender as lições que eram de difícil compreensão. Eram as conversas ao entardecer no quintal de casa ou à beira da praia, onde pacientemente Jesus os envolvia com seu olhar, com seu afago, com seu carinho.

Precisamos tirar Jesus da cruz e convidá-lo para a cozinha de nossas casas. Precisamos permitir que ele seja não o convidado de honra, mas o convidado do coração, aquele irmão que chega e também se sente em casa, porque ali ele sabe que é aguardado e amado.

O véu da matéria e as nossas limitações não nos permitem ter Jesus ao nosso lado como Pedro, João e Tiago tinham há dois milênios. Mas a Doutrina dos Espíritos permitiu que víssemos através desses véus a realidade da vida imortal. Os Espíritos trouxeram para nós as histórias do nosso irmão mais velho com uma doçura e delicadeza que não imaginávamos ser possível. É um presente, uma aula de reforço para nós, endurecidos do coração, sentirmos e conhecermos Jesus de outra forma. Para, quem sabe assim, confiarmos na sua capacidade de ser o nosso modelo e guia.

fevereiro | 2021

MATÉRIA DE CAPA

RIE – fevereiro/2021

Precisamos permitir que Jesus se aproxime de nós

Lista completa de matérias

 96 anos

 Carta ao Leitor – fevereiro/2021

 O perigo da fascinação

 O caos de hoje prenuncia uma nova ordem moral – Entrevista com Alberto Almeida

 A importância da imortalidade da alma

 A epístola de Tiago

 Há 160 anos, as informações iniciais sobre “O Livro dos Médiuns”

 Humildade: argamassa da unificação

 Escândalos

 Ano novo, convite à renovação

 A angústia existencial de George Gray

 Praticando a caridade material

 Eurípedes Barsanulfo: os testemunhos de um missionário

 Velhos e moços

 Os falsos profetas do mundo espiritual

 Um dia para Jesus Cristo

 Conhecer Jesus

 A preparação das malas de viagem

 A personalidade de João Batista

 O Espiritismo e Allan Kardec

 Zonas de conflito — quando a caridade não vê fronteiras

 Ainda sobre o bom espírita e o espiritão

 Internet x infância