Março | 2021

Tanto as altas habilidades quanto as más tendências de caráter têm explicação lógica, racional e com base nos fatos quando levamos em conta a realidade espiritual do ser humano e a reencarnação

Educação e reencarnação

Marcus De Mario

marcusdemario@gmail.com

Alguns fenômenos de personalidade só podem ser analisados considerando a alma, sua preexistência e sobrevivência, assim como a pluralidade das existências

 

Lemos na Revista Espírita, de junho de 1866, artigo assinado por Allan Kardec sob o título “Monomania Incendiária Precoce — Estudo Moral”, em que ele destaca notícia publicada pelo jornal Salut Public, de Lyon, dando conta de um menino com quatro anos e meio de idade, filho de operários, domiciliados em Guillotière, que carrega acentuado instinto incendiário. Alegra-se com a visão das chamas e desde os dois anos de idade, sempre que tem oportunidade, põe fogo em móveis e outros objetos, dentro e fora da casa. Reage com violência e desafio às reprimendas dos pais, tendo quase incendiado o quarto dos genitores.

À época, e podemos acrescentar que também nos dias atuais, os cientistas e educadores não conseguiam explicar a causa dessa monomania, pois nada havia nos pais ou avós da criança que pudesse exercer influência para tal comportamento, revelado antes mesmo de ela completar dois anos. De onde provinha tal caráter, tal gosto, tal maldade? O redator da notícia termina seu texto dizendo: “Deixemos aos especialistas o cuidado de pesquisar as causas de tal monomania.”

Ora, como a ciência, de forma geral, não consegue uma explicação racional que remonte à causa, nem a pedagogia, especificamente, consegue uma explicação, temos de nos socorrer do Espiritismo que, ao levar em conta a alma imortal e a reencarnação, as ideias inatas e as tendências de caráter, nos dá uma explicação lógica, racional, esclarecendo a causa e seu tratamento.

Como os estudos científicos levam em conta somente a matéria, somente o organismo físico, em vão ficarão procurando a causa do fenômeno no cérebro, nos seus neurônios e funcionamento. Somente considerando a alma, sua preexistência e sobrevivência, assim como a pluralidade das existências, será possível encontrar a chave para explicação de tão impressionante fenômeno de personalidade.

Não é possível imaginar que essa criança simplesmente tenha nascido com essa tendência, ou, o que é ainda pior, tenha sido criada com essa disposição, condenada sabe-se lá por qual tempo, a essa condição, sem que nada tenha feito para merecer tal situação. De um lado temos o nada e do outro temos a injustiça divina. Ambas as teorias são inócuas para dar qualquer explicação. É uma disfunção neuronal desconhecida, dizem outros, mas se os exames nada mostram de anormal, esse pensamento se destrói. E como pode uma questão física, biológica, influenciar de forma tão grave, tão profunda, o caráter de uma criança? De onde vem esse ódio aos pais, com diversas tentativas de pôr fogo na casa e, mais especificamente, no quarto onde repousam?

Encontramos solução com o Espiritismo, como nos apresenta Kardec em seu texto: “Esta questão está longe de ser pueril e seria erro aí não ver senão um fato isolado, ou, se quiserem, uma anomalia, uma bizarrice da Natureza, sem consequência. Ela toca em todas as questões de educação e de moralização da Humanidade e, por isto mesmo, nos mais graves problemas de economia social. É pesquisando a causa primeira dos instintos e das inclinações inatas que se descobrirão os meios mais eficazes de combater os maus e desenvolver os bons. Quando esta causa for conhecida, a educação possuirá a mais poderosa alavanca moralizadora que jamais teve.”

Concordamos plenamente com Kardec. A educação só tem a ganhar pesquisando as causas espirituais dos instintos e inclinações inatas que as crianças apresentam desde o nascimento, e que se acentuam conforme a idade avança. Por que esse estudo não é realizado? Porque implica em explorar uma matéria considerada exclusiva da religião e forçaria a educação a entrar pelo campo da moralização, o que é visto não apenas com ranço religioso, mas também algo que seria tarefa exclusiva da família. Os dois pensamentos estão equivocados. A alma não é exclusividade da religião, assim como a formação moral não é apenas de alçada da família. Enquanto não tivermos uma visão integral do ser humano, continuaremos a falhar em sua educação.

Destaquemos o pensamento lógico de Kardec: “A diversidade das aptidões intelectuais e morais inatas, independentes da educação e de toda aquisição na vida presente é um fato notório: é o conhecido. Partindo desse fato para chegar ao desconhecido, diremos que se a alma for criada ao nascimento do corpo, torna-se evidente que Deus cria almas de todas as qualidades. Ora, sendo tal doutrina inconciliável com o princípio da soberana justiça, forçosamente deve ser afastada. Mas se a alma não for criada ao nascimento do indivíduo, é que existia antes. Com efeito, é na preexistência da alma que se encontra a única solução possível e racional da questão e de todas as anomalias aparentes das faculdades humanas. As crianças que instintivamente têm aptidões transcendentes para uma arte ou uma ciência, que possuem certos conhecimentos sem os haver aprendido, como os calculadores naturais, como aqueles aos quais a música, ao nascer, parece familiar; esses linguistas natos, como uma senhora da qual teremos, mais tarde, ocasião de falar e que, aos nove anos, dava lições de grego e de latim aos seus irmãos, e aos doze lia e traduzia o hebraico, devem ter aprendido estas coisas em algum lugar; já que não foi nesta existência, deve ter sido em outra.”

Com a preexistência da alma e a pluralidade de suas existências, temos explicação lógica para fatos que não podem ser explicados apenas levando em conta a atual existência. Tanto as altas habilidades quanto as más tendências de caráter têm explicação lógica, racional e com base nos fatos quando levamos em conta a realidade espiritual do ser humano e a reencarnação.

Conhecemos uma menina de seis anos de idade que é despótica, dá ordens, não admite ser contrariada, é extremamente vaidosa, desafia as ordens que lhe são dadas e desobedece aos pais e avós, dizendo que ela tem liberdade e que, portanto, decide o que quer fazer, quando fazer e como fazer. Qual a origem dessa personalidade tão acentuada e demonstrada desde cedo, como se fosse uma rainha que não respeita seus súditos, cheia de caprichos, se os pais são o contrário disso? Somente a pluralidade das existências pode explicar, ou seja, é um Espírito ou alma que em vida passada, ou vidas passadas, foi muito egoísta, vaidoso, orgulhoso e que se acostumou ao mando sem respeitar os direitos dos outros. Agora traz ainda essa tendência, que a educação deve corrigir.

No caso do menino com a monomania incendiária, duas comunicações espirituais foram dadas na Sociedade Espírita de Paris, em 13 de abril de 1866. A primeira, assinada por Um Espírito, através do médium Sr. Br..., informa:

“Perguntais qual foi a existência dessa criança que mostra uma inclinação tão precoce para a destruição e, particularmente, para o incêndio. Ai! seu passado é horrível e suas tendências atuais vos dizem bastante o que ele pôde fazer. Veio para expiar, e deve lutar contra seus instintos incendiários. É uma grande provação para os pais, que estão constantemente sob os golpes de suas más ações, e não sabem como reprimir essa funesta inclinação. O conhecimento do Espiritismo lhes seria um poderoso auxílio, e Deus, em sua misericórdia, lhes concederá esta graça, porque é só por este conhecimento que se pode esperar melhorar esse Espírito.”

A segunda mensagem, também assinada apenas Um Espírito, foi transmitida através da médium Srta. Lat..., trazendo a seguinte informação:

“É inadmissível para vós que essa inclinação para destruir pelo fogo date da presente existência; é preciso remontar mais alto e ver nas inclinações perversas dessa criança um reflexo de seus atos anteriores. Além disso, ele é impelido pelos mesmos que foram suas vítimas, porquanto, para satisfazer à sua ambição, não recuou diante do incêndio, nem diante do sacrifício dos que lhe podiam fazer obstáculo. Numa palavra, está sob a influência de Espíritos que ainda não lhe perdoaram os tormentos que os fez sofrer. Esperam a vingança. Tem como prova sair vitorioso da luta; mas Deus, em sua soberana justiça, colocou o remédio ao lado do mal. Com efeito, esse remédio está em sua tenra idade e na boa influência do meio onde se acha. Hoje a criança nada pode no momento; cabe aos pais velar. Mais tarde ele próprio deverá vencer, e enquanto não for senhor de sua posição a luta se perpetuará. Seria preciso que fosse educado nos princípios do Espiritismo; aí colheria a força e, compreendendo a sua prova, teria mais vontade para triunfar.”

Como vemos, as explicações são claras: a tendência do Espírito trazida de outras existências, somada à obsessão realizada por suas vítimas de outrora, põem as causas em evidência. O tratamento está na educação propiciada pelos pais e pela ação dos bons Espíritos acionados através da oração e das reuniões de desobsessão no centro espírita.

Com a visão da alma imortal, da preexistência e sobrevivência da alma, das ideias inatas, das tendências de caráter e da pluralidade das existências (reencarnação) tudo se explica, e a educação ganha ferramentas muito úteis, na família e na escola, para o desenvolvimento mais sadio, mais ético e de cidadania das novas gerações.

 

- KARDEC, Allan. Revista Espírita. Junho de 1866. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2006.

março | 2021

MATÉRIA DE CAPA

RIE – março/2021

Somente a reencarnação pode explicar tendências e aptidões

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 As casas e a causa

 O consolo pela casa espírita

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 O Espiritismo e a nova era

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 Infanticídio: cultura eugênica

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 Educação e reencarnação

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 Os cuidados com a manipulação de ideias e ideais

 Imortalidade da alma — A prova das correspondências cruzadas

 Uma reflexão sobre a morada celeste de Espíritos evoluídos

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