Estudando o orgulho
Márcia Paris Ewald
mmmparis@uol.com.br
É o orgulho que induz o homem a dissimular, para si mesmo, os seus defeitos, tanto morais, quanto físicos
Quanto mais procuramos informação junto à literatura espírita, mais nosso interesse se aguça, e penso que o objetivo é exatamente este: incitar-nos a procurar respostas para tudo, especialmente nossos comportamentos.
No capítulo 3 do livro Mereça ser Feliz (Ermance Dufaux, Wanderley de Oliveira), encontramos um estudo interessantíssimo sobre o orgulho.
Começa o estudo citando o capítulo X de O Evangelho segundo o Espiritismo, especialmente no seu item 10, que trata do argueiro e da trave no olho. Esse item nos diz que uma das insensatezes da humanidade consiste em vermos o mal de outrem, antes de vermos o mal que está em nós.
Para julgar a si mesmo, seria preciso que o homem pudesse ver seu interior num espelho e, de certo modo, transportar-se para fora de si próprio, considerar-se como outra pessoa e perguntar: “O que eu pensaria se visse alguém fazer o que faço?”.
Incontestavelmente, é o orgulho que induz o homem a dissimular, para si mesmo, os seus defeitos, tanto morais, quanto físicos.
Semelhante insensatez é essencialmente contrária à caridade, porque a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente. Caridade orgulhosa é um contrassenso, visto que esses dois sentimentos neutralizam um ao outro. Com efeito, como poderá um homem, bastante presunçoso para acreditar na importância da sua personalidade e na supremacia das suas qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação bastante para fazer ressaltar em outrem o bem que o eclipsaria, em vez do mal que o exaltaria?
Por isso mesmo, porque é o pai de muitos vícios, o orgulho é também a negação de muitas virtudes. Ele se encontra na base e como móvel de quase todas as ações humanas. Esta é a razão por que Jesus se empenhou tanto em combatê-lo, como principal obstáculo ao progresso.
Assim, observando atentamente alguns de nossos comportamentos, veremos que eles têm o orgulho como pano de fundo. E, estudando o orgulho e suas manifestações, se abrirá para nós um caminho de infinitas descobertas.
Poderíamos definir o orgulho como sendo o sentimento de superioridade pessoal, resultante do processo natural de crescimento do Espírito; é um resquício do instinto de conservação, um princípio que foi colocado no homem para o bem, porque sem o sentimento de valor pessoal e a necessidade de estima, não encontraríamos motivação para existir e não formaríamos um autoconceito de dignidade pessoal.
A esse respeito, afirma Allan Kardec que todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural.
O problema está no excesso e não na causa, e este excesso se torna um mal quando tem como consequência um mal qualquer. A vaidade, a indiferença, o preconceito, a presunção, o desprezo, o melindre, a pretensão e a inveja são alguns reflexos inevitáveis desse estado orgulhoso de ser nas ações de cada dia.
Especialmente para nós, espíritas, que buscamos a renovação íntima, torna-se essencial a compreensão desse tema na melhor aferição do que se passa na esfera dos pensamentos e dos impulsos, tomando por base a influência que o orgulho exerce sobre as engrenagens da vida mental.
Com bastante razão, os bons Espíritos afirmam que somente o orgulho pode impedir que nos vejamos como realmente somos. Mas, se nós mesmos não vemos, outros veem por nós.
O orgulhoso, dessa forma, vive intensamente de máscaras que correspondem a essas idealizações do seu imaginário, para fazer com que o mundo à sua volta acredite que ele seja quem ele próprio acredita ser. Naturalmente, como sempre, a sua autoimagem é exacerbada em qualidades que nem sempre possui, procedendo de modo a sempre esconder as imperfeições, gerando a dissimulação. E a dissimulação é o preço elevado que paga o orgulhoso para manter as aparências.
Isso causa muita dor, pois não há como maquiar para si mesmo a verdade de seu mundo interior. A todo instante está diante daquilo que não gostaria de ver em si. Somente ele, e mais ninguém, sabe como é doloroso ter que encontrar consigo, com sua verdade pessoal em contraposição à identidade fictícia que criou para os outros, e sob a regência da qual passa a viver.
Allan Kardec, no estudo das obsessões, explica que todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas ao acesso dos maus Espíritos, e a que eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma.
O orgulho produz uma ilusão da avaliação individual, transferindo o mal para os outros, onde é menos penoso verificá-lo.
As manifestações do orgulho são tantas, e de difícil catalogação em algumas personalidades, que Ermance Dufaux, no livro acima citado, analisa apenas algumas delas, e destaca os seus respectivos roteiros reeducativos. Ela aponta o problema, mas também oferece a solução:
Melindre é o orgulho na mágoa. Cultivemos a coragem de ser criticados.
Pretensão é o orgulho nas aspirações. Aprendamos a contentar com a alegria de trabalhar, sem expectativas pessoais.
Presunção é o orgulho do saber. Tomemos por divisa que toda opinião deve ser escutada com o desejo de aprender.
Preconceito é o orgulho nas concepções. Habituemo-nos a manter análises imparciais e flexíveis.
Indiferença é o orgulho na sensibilidade. Adotemos a aceitação e o respeito em todas as ocasiões de êxitos e insucessos alheios.
Desprezo é o orgulho do entendimento. Acostumemo-nos a pensar que para Deus tudo tem valor, mesmo que por agora não o compreendamos.
Personalismo é o orgulho centrado no eu. Eduquemos a abnegação nas atitudes.
Vaidade é o orgulho do que se imagina ser. Procuremos conhecer a nós mesmos e ter coragem para aceitarmo-nos tais quais somos, fazendo o melhor que pudermos na melhoria pessoal.
Inveja é o orgulho perante as vitórias alheias. Admitamos que temos esse sentimento e o enfrentemos com dignidade e humildade.
Falsa modéstia é o orgulho da humildade artificial. Esforcemo-nos pela simplicidade que vem da alma sem querer impressionar.
Prepotência é o orgulho de poder. Aprendamos o poder interior conosco, transformando a prepotência em autoridade moral, sadia, que edifica.
Dissimulação é o orgulho nas aparências. Esforcemo-nos por ser quem somos, sem receios, amando-nos como somos.
Podemos concluir que na base de melindre, pretensão, presunção, preconceito, indiferença, desprezo, personalismo, vaidade, inveja, falsa modéstia, prepotência e dissimulação está o orgulho.
A boa notícia é que, através das nossas reencarnações, podemos reeducar-nos moralmente, renovando essas atitudes, buscando a superação de nossas imperfeições milenares, pois sabemos que não será num salto que venceremos a grande e demorada luta. Apliquemo-nos nas preciosas e universais lições de Jesus, iluminadas pelos raios da lógica espírita, e esforcemo-nos sem desistir da longa caminhada na conquista da humildade.
Precisamos de muita coragem para ser humildes, tirar as capas que colocamos com o orgulho ao longo dessa caminhada. Vamos então caminhar mais leves, sem essa capa denominada orgulho.
A autora é colaboradora do Centro Espírita Amor e Caridade (CEAC), palestrante espírita em Bauru e região.
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