Dezembro | 2023

Exilados do afeto: causas anteriores da solidão

Ailton Barcelos da Costa

ailton.barcellos@gmail.com

Muitas vezes, a causa da solidão e da aridez do sentimento em uma vida está na irresponsabilidade afetiva vivenciada por nós em existências passadas

 

Nossa sociedade carrega um fardo oneroso sobre seus ombros, com grande quantidade de indivíduos passando pela sensação de solidão e isolamento social. São pessoas que passam dias ou semanas sem ninguém para conversar, que não recebem nenhuma ou escassas mensagens pelas redes sociais ou aplicativos de mensagens, muitas vezes morando sozinhas, que se tornaram viúvas, separaram-se ou mesmo nunca se casaram. O sentimento se agrava nos feriados e festas de fim de ano, levando incontável números de pessoas à patologia da depressão, que pode levar muitos ao suicídio.

De acordo com pesquisa recente, um terço da humanidade se sente sozinha, sem companhia, sem afetos por perto para diálogos fraternos, sentimento que parece ter-se agravado nos últimos tempos, principalmente em decorrência da pandemia de covid-19. Porém, para cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, este sentimento é mais grave e está ligado à depressão.

Podemos estão nos perguntar: — Qual a causa espiritual dos tormentos da solidão? Como conviver com este sentimento, de modo a ser útil à nossa sociedade?

Emmanuel, na obra O Evangelho por Emmanuel: Comentários ao Evangelho Segundo João, nos diz que quando estamos no mundo espiritual, antes de uma nova reencarnação, sempre realizamos o inventário de nossas aquisições no mundo, uma análise minuciosa das nossas vidas anteriores. Para o autor:

“Em semelhantes ocasiões, invariavelmente nos escandalizamos à frente de nós mesmos e rogamos, então, à divina Providência a graça do retorno à matéria mais densa, sem as vantagens terrestres que nos serviram de perda. É por isso que renascemos no mundo com singulares inibições congeniais.”

Emmanuel vai ao encontro de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que nos diz: se um tormento não encontra causa nesta vida, certamente tem sua origem em vidas anteriores, de atos praticados por nós mesmos contra nossos irmãos de caminhada, afetando-nos profundamente.

Muitas vezes, a causa da solidão e da aridez do sentimento em uma vida está na irresponsabilidade afetiva vivenciada por nós em existências passadas. Para Hilário, na obra Ação e Reação, homens ou mulheres que no passado negligenciaram os deveres da família, abandonando filhos à própria sorte ou muitas vezes responsáveis pelo próprio assassínio deles. O nobre mentor continua:

“— Imaginemos que um homem tenha conduzido uma jovem à comunhão sexual com ele, à caça de mero prazer dos sentidos, prometendo-lhe matrimônio digno, para abandoná-la vilmente ao próprio desencanto, depois de saciado em seus desejos... A pobre criatura, desenganada, sem recursos para refugiar-se no trabalho respeitável, entrega-se ao meretrício. O homem é responsável pelos desatinos que a infelicitada companheira venha a praticar, compreendendo-se que ele não terá marchado sozinho para semelhante aventura?”

São situações como essas que têm em seu cerne a busca desvairada pelos prazeres sexuais que, não raro, lhes situam os passos nas sendas tenebrosas do crime, causando homicídio, infanticídio, loucura, suicídio, falência e esmagamento dos outros, destruindo famílias e a felicidade de incontáveis pessoas.

A consequência imediata para muitos desses irmãos, que passam por situações como as relatadas, é o mergulho nas regiões umbralinas, quando eles amargam o remorso de terem cometidos tais atos. Quando forem em busca de novas encarnações, é natural o pedido de reparação, levando uma parte a receber, em um novo lar, os artigos desafetos, sejam como cônjuges, filhos ou demais familiares, para a busca da reeducação dos sentimentos.

Vale lembrar que a necessidade de reparação e o que estamos dispostos a passar, ou mesmo o que será autorizado por nossos mentores, vinculam-se à evolução de cada um, ou seja, alguns reencarnam dispostos a passar pelas dores da solidão, trazendo inibições congênitas ou deficiências orgânicas, sofrendo agora a alienação mental, a paralisia, a obsessão persistente, o câncer infantil e enfermidades nervosas de variados tipos, decorrentes do trauma que carregam dentro de si, exigindo longos e complicados serviços de reparação a se exteriorizarem com o nome de inquietação, angústia, doença, provação, sofrimento e miséria.

O mecanismo para a reeducação do Espírito passa pela necessidade de mantê-lo longe de novas aventuras, ou melhor, todas as inibições e transtornos mentais ou mesmo as deficiências orgânicas possuem o sentido de manter o Espírito longe das mesmas situações que o levaram a falir no passado, como o período de reflexão sobre os seus atos.

No entanto, o Espírito Lucius, em Despedindo-se da Terra, vem dizer que, em vez de modificarem seu mundo íntimo, boa parte dos assim considerados exilados do afeto se perdem novamente, revivendo antigos vícios e procurando companhias depravadas em busca do prazer momentâneo. Isso acontece porque estes Espíritos encarnados ainda não se libertaram das sensações falsas dos sentidos do corpo e, para isso, procuram aprender técnicas de sedução ou mesmo se entregam aos vícios das drogas e do álcool, levando também à busca pela prostituição para a satisfação do corpo, ou não muito raro acabam prostituindo-se também.

(...) os resgates do indivíduo pela solidão podem representar uma forma de experiência regeneradora; a sexualidade e as forças que a representam podem ser transferidas da ação procriadora de corpos para a ação modeladora de ideais, fecundada nas inspirações superiores da alma (...)

Hilário, em Ação e Reação, também diz que alguns desses Espíritos que estão passando pela renúncia do sentimento e pelas dores da solidão possuem, como já dissemos, corpos propícios a tais renúncias, solicitando retorno à vida no intuito de operarem com mais segurança e valor, não só a vontade de purificação moral de si mesmos, como também pedem execução de tarefas especializadas.

Alguns desses Espíritos que já possuem aquisições evolutivas, depois de longo período de congelamentos de débitos terríveis contraídos anteriormente, têm condições de enfrentar seu passado de débitos na área do sentimento e do afeto. Isso só ocorre por meio de incomensurável concessão divina, quando o Espírito ganha tempo para fortalecer-se moralmente no caminho do bem e adquirir méritos para um dia enfrentar os erros do passado e agora os redimir mais facilmente, com menos possibilidades de novas quedas.

Por meio de estágios perigosos de solidão, tais Espíritos estão dispostos à realização de tarefas especializadas na Terra, valendo-se da renúncia construtiva em favor da humanidade para impulsionar o progresso das artes ou das ciências, para o avanço do próximo e o progresso espiritual de todos. A execução de tais tarefas deixam fecundados, não com o sêmen biológico, mas com a semente espiritual, os caminhos por onde passam.

Estamos falando ainda de processos reparadores, que para a obra A ponte — Diálogos com Chico Xavier, acontecem agora não mais pela dor, mas pelo amor, uma vez que os resgates do indivíduo pela solidão podem representar uma forma de experiência regeneradora; a sexualidade e as forças que a representam podem ser transferidas da ação procriadora de corpos para a ação modeladora de ideais, fecundada nas inspirações superiores da alma, a serviço da transformação do mundo e do reequilíbrio de si mesmo. Como exemplo, encontramos os grandes artistas e gênios da ciência de todos os tempos, muitos deles passando por incontáveis dores provocadas pela solidão.

Também existem Espíritos missionários na nobre tarefa da mediunidade que acabam por não se casar ou ter relacionamentos afetivos, com o fim de concentrarem esforços na produção de obras espíritas. Foi o caso de Chico Xavier, como nos diz a obra A ponte — Diálogos com Chico Xavier.

Nem sempre são Espíritos de grande evolução espiritual, mas aqueles dispostos, do fundo da alma, à reeducação do Espírito e à reparação do passado. É o que nos elucida a obra Ação e Reação, com as sábias palavras do mentor Félix:

“Mestre, sustenta os que rogaram antes da reencarnação as lágrimas da solidão afetiva e as receberam na Terra, por medida expiatória aos desmandos sexuais, a que se afeiçoaram, em outras vidas, e que, muitas vezes, sucumbem de inanição e desalento, em cativeiro familiar, sob o desprezo de parentes insensíveis, a cuja felicidade consagraram a juventude!...”

Como podemos ver, o caminho para a redenção dos sentimentos é árduo, mas há uma trajetória a seguir, dedicando-se à nobre tarefa de auxiliar a humanidade em tarefas especializadas, que são invariavelmente aquisições de nosso Espírito ao longo do tempo.

 

- CALLIARI, Marcos. Brasil fica em 1º lugar entre 28 países, em ranking dos que mais sentem solidão. Publicado em 8/3/2021. Disponível em: https://www.ipsos.com/pt-br/brasil-fica-em-1o-lugar-entre-28-paises-em-ranking-dos-que-mais-sentem-solidao.

- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131.ed. 8.imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2017. Capítulo V — Bem-aventurados os Aflitos.

- RUIZ, André Luiz A. Despedindo-se da Terra. Pelo Espírito Lucius. 4.ed. Araras: IDE, 2007. Capítulo 11 — Letícia e a Solidão.

- SILVA, Saulo Cesar Ribeiro da (Org). O Evangelho por Emmanuel: comentários ao Evangelho Segundo João. Coleção O Evangelho por Emmanuel. Vol. 4. 1.ed. 1.imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. Domicílios Espirituais.

- WORM, Fernando. A ponte — Diálogos com Chico Xavier. 1.ed. Porto Alegre: Editora FERGS, 2016.

- XAVIER, Francisco Cândido. Ação e Reação. Pelo Espírito André Luiz. 30.ed. 13.imp. Brasília: FEB, 2020. Cap. 15 — Anotações Oportunas.

 

O autor é Doutor em Educação Especial pela UFSCar, médium e palestrante espírita em São Carlos, SP. Autor do livro "Obsessão em tempos de transição" (Ed. O Clarim).

dezembro | 2023

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