Setembro | 2022

Fatalidade e destino

Marcus Flavius M. Magliano

marcus.magliano@gmail.com

“Todos somos diariamente constrangidos à ação e pelo que fazemos, é que cada um de nós decide quanto ao próprio destino, criando para si mesmo a inquietante descida à treva ou a sublime ascensão à luz” (Emmanuel, Francisco C. Xavier)

 

De acordo com dicionários da Língua Portuguesa, a palavra fatalidade tem como significados: característica ou particularidade do que é fatal; aquilo que não se consegue evitar; fado ou fatalismo.

Outros significados de fatalidade: acontecimento imprevisível, inevitável, como que marcado pelo destino ou fado; sina, ventura; revés da sorte; acontecimento funesto; adversidade, calamidade, desgraça.

Por outro lado, a palavra destino tem como significados: sucessão de acontecimentos que não se consegue evitar; fado; fatalidade a que estariam sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo.

Outros significados de destino: personalização da fatalidade a que supostamente estão sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo; sorte, fado, fortuna; tudo que é determinado pela providência ou pelas leis naturais; sequência de fatos supostamente fatais; fatalidade.

Como é fácil perceber, os significados destas palavras se confundem em seus sentidos linguísticos, levando a certa confusão na sua interpretação. Considerando, porém, do ponto de vista espírita, quais os reais significados destas palavras?

 

Conceituação espírita

Na questão 851 de O Livro dos Espíritos,[1] o insigne Allan Kardec e os Espíritos superiores nos ensinam e esclarecem sobre o tema:

“Há uma fatalidade nos acontecimentos da vida, segundo o sentido ligado a essa palavra; quer dizer, todos os acontecimentos são predeterminados, e nesse caso em que se torna o livre-arbítrio? — A fatalidade não existe senão para a escolha feita pelo Espírito, ao encarnar-se, de sofrer esta ou aquela prova; ao escolhê-la, ele traça para si mesmo uma espécie de destino, que é a própria consequência da posição em que se encontra. Falo das provas de natureza física, porque, no tocante às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o seu livre-arbítrio sobre o bem e o mal, é sempre senhor de ceder ou resistir. Um bom Espírito, ao vê-lo fraquejar, pode correr em seu auxílio, mas não pode influir sobre ele a ponto de subjugar-lhe a vontade. Um Espírito mau, ou seja, inferior, ao lhe mostrar ou exagerar um perigo físico pode abalá-lo e assustá-lo, mas a vontade do Espírito encarnado não fica por isso menos livre de qualquer entrave.”

Nas questões subsequentes da citada obra, o nosso honorável Mestre Lionês nos traz mais esclarecimentos do plano espiritual superior:

“Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independentemente de sua maneira de agir; a desgraça está no seu destino? — São, talvez, provas que devem sofrer e que elas mesmas escolheram. Ainda uma vez levais à conta do destino o que é, quase sempre, a consequência de vossa própria falta. Em meio dos males que te afligem, cuida que a tua consciência esteja pura e te sentirás mais ou menos consolado.”

A estas questões, Allan Kardec faz o seguinte comentário: “As ideias justas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a vencer ou fracassar, segundo o nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e menos humilhante, para o nosso amor-próprio, atribuir os nossos fracassos à sorte ou ao destino, do que a nós mesmos. Se a influência dos Espíritos contribui algumas vezes para isso, podemos sempre nos subtrair a ela, repelindo as ideias más que nos forem sugeridas.”

Para concluir os apontamentos da Codificação Espírita, observemos o abordado na questão 859a de O Livro dos Espíritos:

“Há fatos que devem ocorrer forçosamente e que a vontade dos Espíritos não pode conjurar? — Sim, mas que tu, quando no estado de Espírito, viste e pressentiste, ao fazer a tua escolha. Não acredites, porém, que tudo o que acontece esteja escrito, como se diz. Um acontecimento é quase sempre a consequência de uma coisa que fizeste por um ato de tua livre vontade, de tal maneira que, se não tivesses praticado aquele ato, o acontecimento não se verificaria. Se queimas o dedo, isso é apenas a consequência de tua imprudência e da condição da matéria. Somente as grandes dores, os acontecimentos importantes e capazes de influir na tua evolução moral são previstos por Deus, porque são úteis à tua purificação e à tua instrução.”

Raciocinemos: se todas as coisas estivessem previamente determinadas e nada se pudesse fazer para impedi-las ou modificar-lhes o curso, a criatura humana se reduziria a simples máquina, destituída de liberdade e, pois, inteiramente irresponsável

Reflexões

Fatalidade e destino são dois termos que se empregam, amiúde, para expressar a força determinante e irrevogável dos acontecimentos da vida, bem assim o arrastamento irresistível do homem para tais sucessos, independentemente de sua vontade.

Raciocinemos: se todas as coisas estivessem previamente determinadas e nada se pudesse fazer para impedi-las ou modificar-lhes o curso, a criatura humana se reduziria a simples máquina, destituída de liberdade e, pois, inteiramente irresponsável. A consequência imediata disto seria que os conceitos de bem e mal ficariam sem base, tornando nulo todo e qualquer princípio ditado pela moral.

É evidente que, quase sempre, nossas decepções, fracassos e tristezas decorrem não de nossa “má estrela”, como acreditam os supersticiosos, mas pura e simplesmente de nossa maneira errônea de proceder, de nossa falta de aptidão para conseguir o que ambicionamos, ou por uma expectativa exageradamente otimista sobre o que este mundo nos possa oferecer.

As doutrinas que negam a pluralidade das existências, impossibilitadas de apresentar uma explicação satisfatória para essa importante questão, limitam-se a dizer que os desígnios de Deus são imperscrutáveis, ou a recomendar paciência e resignação aos desgraçados, como se isso fosse suficiente para saciar a sede das mentes perquiridoras e tranquilizar os corações dilacerados pela dor.

A Doutrina Espírita, ao contrário, com a chave da reencarnação, faz-nos compreender claramente o porquê de todos os problemas relacionados com a nossa suposta “má sorte”. Os acontecimentos que nos ferem e magoam, no corpo ou na alma, sem causa imediata nem remota nesta vida, longe de se constituírem azares da fatalidade ou caprichos de um destino cego, são efeitos da Lei de Retorno, pela qual cada um recebe de volta aquilo que tem dado.[2]

No item “Causas anteriores das aflições” de O Evangelho segundo o Espiritismo[3] há um importante ensinamento, conforme segue: “Mas, se há males dos quais o homem é a causa primeira nesta vida, há outros, pelo menos na aparência, que lhe são completamente estranhos, e que parecem atingi-lo como por fatalidade. Tal é, por exemplo, a perda entes queridos e de arrimos de família (...), os reveses da fortuna (...), os flagelos naturais e as enfermidades de nascimento, a idiotia etc.

“(...) em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter uma causa, e, desde que se admita um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa precedendo sempre o efeito, uma vez que não está na vida atual, deve ser anterior a ela, quer dizer, pertencer a uma vida precedente.

“(...) se não fizemos mal nesta vida, o fizemos numa outra. É uma alternativa da qual é impossível escapar, e na qual a lógica diz de que lado está a justiça de Deus.”

 

Conclusões

Em busca de mais elucidações, buscamos o nobre mentor espiritual Emmanuel, em Palavras de Vida Eterna,[4] que nos ensina:

“Nas lutas do dia a dia, todos somos impelidos a várias operações para avançar no caminho... Sentimos. Desejamos. Falamos. Estudamos. Aprendemos. Conhecemos. Ensinamos. Analisamos. Trabalhamos. Entretanto, é preciso sentir a necessidade do bem de todos para que saibamos desejar com acerto; desejar com acerto para pensar honestamente; pensar honestamente para falar aproveitando; falar aproveitando para estudar com clareza; estudar com clareza para aprender com entendimento; aprender com entendimento para conhecer discernindo; conhecer discernindo para ensinar com bondade; ensinar com bondade para analisar com justiça e analisar com justiça para trabalhar em louvor do bem, porque, em verdade, todos somos diariamente constrangidos à ação e pelo que fazemos é que cada um de nós decide quanto ao próprio destino, criando para si mesmo a inquietante descida à treva ou a sublime ascensão à luz.”

Em anterior(es) existência(s) tivemos a faculdade de escolher entre o amor e o ódio, entre a virtude e o vício, entre a justiça e a iniquidade; agora, porém, temos de sofrer, inexoravelmente, o resultado de nossas decisões, porque “a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”.

Portanto, amigo leitor, o presente nada mais é que o resultado do passado individual, assim como o futuro está sendo construído agora pelos pensamentos, palavras e ações de cada momento.

 

  1. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 62.ed. LAKE, 2001. 3ª Parte, Cap. X, item VI — Leis Morais.
  2. CALLIGARIS, R. As Leis Morais. 8.ed. FEB, 2008.
  3. KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. 59.ed. LAKE, 2003. Cap. V.
  4. XAVIER, F. C. Palavras de Vida Eterna. Pelo Espírito Emmanuel. 36.ed. Uberaba: CEC, 2012. Cap. 44.

setembro | 2022

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