Filho do coração
Waldehir Bezerra de Almeida
waldehir.almeida@gmail.com
O lar vai muito além do parentesco corporal
O Espírito Jules, quando da codificação do Espiritismo, ditou pela médium Schmidt Morin a mensagem intitulada Os órfãos que, em nosso entendimento, merece a primazia de iniciar este capítulo.
“Meus irmãos, amai os órfãos: se soubésseis o quanto é triste estar só e abandonado, sobretudo na infância! Deus permite que haja órfãos para exortar-nos a servir-lhes de pais. Que divina caridade amparar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e frio, dirigir-lhe a alma, a fim de que não se desgarre para o vício! Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei. Ponderai também que, frequentemente, a criança que socorreis talvez vos foi cara noutra vida, caso em que se pudésseis lembrar-vos, já não estaríeis praticando a caridade, mas cumprindo um dever. (...)”[1]
Muitas mulheres não geram filhos, no entanto fazem-se mães da dedicação, adotando crianças que não se estiolaram porque elas tomaram a si o ministério de socorrê-las e ampará-las em nome do amor. Tais mulheres assumem a condição de mães adotivas, que amam verdadeiramente a criança que recebem em seus braços, que não mourejaram em seus ventres durante nove meses. Não se ligaram a elas pela carne, mas sim pelo coração. E tão sublimado se mostra o sentimento materno nessas mulheres, que elas se escusam a propalar que o seu filho é adotivo, preferindo assegurar que é filho do coração.
De acordo com a Doutrina Espírita, o acaso não existe. A família é resultante de um planejamento no mundo das causas, onde entidades tutelam o retorno de um grupo de Espíritos à carne, marcando aqui o reencontro deles, na condição de pais e filhos, por isso o lar vai muito além do parentesco corporal.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo quatorze, item 8, os Espíritos esclarecem que os laços de sangue não estabelecem necessariamente os laços espirituais; o que realmente importa são as afinidades e a comunhão de pensamentos que unem os Espíritos. A possibilidade de nos reunirmos aqui na Terra, exercendo os papéis de pai, mãe ou filho, seja este biológico ou adotivo, é uma oportunidade divina, pois pela reencarnação recebemos a bênção do esquecimento, tornando possível reencontrar-nos com afetos e desafetos para aprender a amar e perdoar aqueles que nos ofenderam em vidas passadas.
Surge, naturalmente, a seguinte indagação:
Se a família mereceu um planejamento prévio no plano espiritual, quando seus futuros membros serão velhos conhecidos e deverão reencontrar-se no mesmo teto, para aprenderem a se amar e perdoar, quando for o caso, como explicar a inclusão nela de um filho adotivo, um filho do coração?
Iniciemos a resposta lembrando que somos regidos pela lei de causa e efeito, e que por ela somos levados, automaticamente, ao reencontro com o nosso passado, que se pode resumir em circunstâncias e pessoas. Por isso o filho do coração não nos chega ao lar sem uma razão que a justifique. E elas são inúmeras!
Ao reencarnar, há Espíritos que trazem em sua programação o estigma da orfandade, por não terem valorizado seus pais nem a grandeza espiritual de um lar em vidas passadas, ficando à mercê da misericórdia de pais adotivos que, muitas vezes, fizeram parte do mesmo drama. Um exemplo bastante ilustrativo encontramos no capítulo 16 do livro Ação e reação[2], cuja leitura e estudo nós recomendamos.
Outras vezes, o programa de adoção é levado a efeito conforme a necessidade de reajuste do casal com determinado Espírito. Como exemplo, temos um caso narrado por André Luiz: um casal de idosos que, como resultado da influência espiritual, passou a desejar a adoção de um filho. Surge em sua porta uma senhora pobre e muito doente, informando que está grávida e que seu marido sofre de tuberculose, por isso ela necessita trabalhar. Tempo depois, trabalhando na casa da fazendeira, ela dá à luz um menino e retorna ao mundo espiritual. Nessa condição a patroa adota o filhinho... Tratava-se de reencarnante necessitado de reajuste com os pais.[3]
Portanto, a programação de uma família poderá prever a adoção de uma criança ou não, surgindo o evento depois. O casal, alimentado pelo sentimento de fraternidade, decidirá ampliar a prole com mais filhos sem os laços da consanguinidade. É o amor que se expande.
E os pais, como deverão comportar-se diante do filho do coração? Qual o grau de responsabilidade diante do Criador? Esperarão do filho do coração algum gesto de reconhecimento? Esconderão do adotado a verdade?
Cremos que se faz necessária uma dedicação mais intensa por parte dos pais, enquanto na condição de educadores e evangelizadores desses Espíritos que lhes foram confiados por meio da adoção, a fim de diminuir os efeitos de eventual trauma que o adotado possa desencadear quando do conhecimento de sua situação.
O feto que se desenvolve no ventre da mãe faz com ela uma ligação psíquica e, no caso da criança adotada, essa ligação não se fez com a mãe de coração, mas poderá ser perfeitamente substituída pela aceitação demonstrada em afeto, atenção, buscando compreender o drama íntimo daquele Espírito. Ele traz no coração desequilíbrios de outros tempos ou arrependimento doloroso para a solução dos quais pede, ao reencarnar, a ajuda daqueles que o acolhem, não como filho do corpo, mas sim filho do coração. São fundamentais o conhecimento e a vivência do Evangelho de Jesus, iluminado pela luz da terceira revelação, pois compreende-se que não são os laços da consanguinidade os verdadeiros laços de família e sim os da simpatia e da comunhão de ideias.
É comum ter-se notícias de filhos consanguíneos que usam de ingratidão com seus pais — isto porque já aprendemos que a família nem sempre é reencontro de Espíritos afins, mas o cadinho divino em que as almas são temperadas para alcançarem as virtudes do homem de bem, conforme se aprende em O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII, item 3. Mas, sabemos que a grande maioria dos filhos são companheiros, amigos e a sustentação dos pais. Da mesma forma acontece com os filhos do coração. São almas em busca de reajuste, de liquidação com a contabilidade divina. Buscam dádivas de amor, de carinho, de orientação espiritual e moral; desejam ser reeducados, para se libertarem dos vícios do passado. Atentemos para o que nos ensina o venerável Emmanuel:
“No devotamento dos pais, todos os filhos são joias de luz, entretanto, para que compreendas certos antagonismos que te afligem no lar, é preciso saibas que, entre os filhos companheiros, que te apoiam a alma, surgem os filhos credores, alcançando-te a vida, por instrutores de feição diferente.”[4]
Algumas crianças sabem que estão sendo adotadas, pois na ocasião já têm maturidade para compreender o que se passa. Mas, quando elas são acolhidas ainda inocentes, em que momento os pais deverão revelar-lhes a verdade?
Esconder a verdade aos filhos do coração é um grande erro que alguns pais adotivos cometem. É necessário que, desde cedo, à medida que eles vão amadurecendo intelectualmente e percebendo as diferenças físicas com relação aos pais e irmãos, quando houverem, revelar-lhes antes que saibam por outros a verdade sobre sua origem.
Às vezes, os pais escondem a verdade por amor, já que consideram os filhos adotivos como filhos consanguíneos; outros o fazem por medo de perder a afeição e o carinho deles. Quando os filhos adotivos crescem, aprendendo no lar valores morais elevados, sentem-se mais amados por sentirem que o são, não por terem nascido de seus pais, mas sim frutos de afeição sincera e real, e passam a entender que são filhos queridos do coração. Encontramos na obra de André Luiz o esclarecimento de uma mãe do coração à sua filha adotiva: “Filhos adotivos, quando crescem ignorando a verdade, costumam trazer enormes complicações, principalmente quando ouvem esclarecimentos de outras pessoas.”[5]
Outra razão muito mais forte é o filho ou filha do coração que, não sabendo sua origem, quando esta é possível de identificar, encontrar-se com uma irmã ou irmão e se enamorarem! O romance ditado pelo Espírito Antônio Carlos e psicografado pela médium Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, Filho Adotivo, relata um desses casos. Muitas notícias desse jaez podem ser lidas na internet.
Recebendo em nossa jornada terrena a oportunidade de ter em nosso lar um filho adotivo — filho do coração —, guardemos a certeza de que Jesus nos confia a responsabilidade sagrada de superar o próprio orgulho e vaidade, amando verdadeira e desinteressadamente a criatura de Deus confiada em trabalho de educação e amparo.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano 3, v. 3, nov. 1860. Dissertações espíritas. Os órfãos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3.ed. Brasília: FEB, 2009. p. 505.
- XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 25.ed. Brasília: FEB. Cap. 16 — Débito aliviado.
- XAVIER, Francisco Cândido. E a vida continua... Pelo Espírito André Luiz. 1.ed. Especial. Brasília: FEB, 2002. Cap. E a vida continua... p. 249 e ss.
- XAVIER, Francisco Cândido. Livro da esperança. Pelo Espírito Emmanuel. 12.ed. São Paulo: Comunhão Espírita Cristã. Cap. No devotamento aos pais.
- XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Sexo e destino. Pelo Espírito André Luiz. 1.ed. Brasília: FEB, 2003. 1P, cap. 7. p. 71.
julho | 2019
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RIE – julho/2019
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