Identidade cristã
Sandro Drumond Brandão
gruposantoagostinho.bh@gmail.com
O coração pronto para o plantio não é atraído pelo nome ou por traços fenotípicos do seu educador, mas pela luz que irradia de suas palavras sólidas e substanciosas
Todo discípulo será (re)conhecido por seu amor ao próximo.[1] Amar o outro é, também, identidade. Mas, ao contrário das formas identitárias que conhecemos, associadas às características físicas e ao nome do sujeito, esta não é dada, mas, alcançada e mantida por ele através de um se fazer ser diário, que é legitimado (reconhecido) pelo outro.
A legitimação da identidade cristã pelo outro não significa a sua aprovação,[2] mas, o seu testemunho, que se perfaz na semeadura do aprendizado evangélico.
O coração pronto para o plantio não é atraído pelo nome ou por traços fenotípicos do seu educador, mas pela luz que irradia de suas palavras sólidas e substanciosas e, em especial, de suas ações benevolentes e desinteressadas.
Neste ponto a prudência nos recomenda modesto registro para o leitor sobre o discurso do genuíno cristão. Falamos em palavras, mas, as que inspiram a observância da lei de amor; que integram elóquio repleto de entendimento e carinho; e que compreendem as criaturas na posição em que cada uma se coloca.
Assim nos ensinou Tiago:[3] “Mas a sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia”.
Da mesma forma Paulo:[4] “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns”.
Amar aponta um fazimento altruísta endereçado ao outro, o mais próximo. Cristo indica um verbo, para informar que o seu verdadeiro discípulo não é quem se diz ser, mas, quem se faz ser diariamente em laurel aos encargos do cargo que a Providência Divina o investiu.
O Mestre nos chamou a atenção para isto: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”.[5]
Em seus ensinos, Jesus revela a qualidade metamórfica da identidade cristã, que se transforma à medida que o discípulo evolui na observância e compreensão da moral divina.
O discípulo é o autor, sujeito total,[6] que dá vida a diversos personagens de sua identidade cristã metamórfica, que se amalgamam ao longo de sua senda evolutiva, naquilo que o aproxima de seu norte inexorável (Deus).
E a relação da identidade com os ensinos evangélicos não encerra por aqui. O encarnado estacionário experimenta a mesmice em sua marcha, ou seja, a não-metamorfose de sua identidade. E isto em algumas situações pode se dar, pois, escolhe sufocar a sua natureza gregária para viver em isolamento, prevenindo-se das pelejas providenciais da convivência humana.
A vivência apostólica, atividade no mundo, em relação com o outro, instaura processo de metamorfose da identidade de seu autor (discípulo), que revela novo personagem aperfeiçoado em relação ao anterior, pela superação daquilo que lhe trazia inquietude e sofrimento.
A obra diz muito sobre seu autor, como nos ensinou o Nazareno:
“Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons.”
A lição acima nos diz sobre identidade. O falso diz que é, mas, na vida não consegue se fazer ser o que diz que é. Em meio a lobos se dizendo cordeiros, cai na armadilha de lobo, porque é lobo, e não cordeiro. E se não é possível ser sem se fazer ser, também não é factível que uma árvore seja boa apenas por um fruto bom, pois, precisa permanecer se fazendo boa.
O cristão ao se fazer ser articula a diferença e a igualdade, ou seja, diz quem é (discípulo do Cristo) e quem não é (quem ouve as palavras divinas e não as pratica)[7] ao mesmo tempo. É a casa construída sobre a rocha e não sobre a areia. É a terra fértil e não o solo raso cheio de pedras.[8]
Sobre o tema, oportuno destacar lição importante extraída da obra Ação e Reação:[9]
“No plano físico, muitos de nós supúnhamos que a morte seria ponto final aos nossos problemas, enquanto outros muitos se acreditavam privilegiados da Infinita Bondade, por haverem abraçado atitudes de superfície, nos templos religiosos. A viagem do sepulcro, no entanto, ensinou-nos uma lição grande e nova — a de que nos achamos indissoluvelmente ligados às nossas próprias obras. Nossos atos tecem asas de libertação ou algemas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A ninguém devemos o destino senão a nós próprios.”
Atitudes de superfície nos templos religiosos diz que são do Cristianismo, mas, não faz um cristão. Refletem, portanto, ideia oposta à identidade cristã, que reivindica movimentos imprescindíveis às nossas reposições e superação de nossas contradições e claudicâncias, nos deparando com a metamorfose.
O mundo[10] é palco indispensável à formação da identidade cristã, pois, tenta o discípulo com suas ofertas onerosas e o desafia na sua fé e obediência à moral cristã na vida coletiva.
A identidade cristã é história; é movimento; é metamorfose; é vida!
Antônio da Costa Ciampa, autor responsável pela inspiração central deste modesto ensaio, lembra que:
“O humano é sempre uma porta abrindo-se em mais saídas. O humano é vir-a-ser humano.
“Identidade humana é vida!
“Tudo o que impede vida impede que tenhamos uma identidade humana.”[11]
- O Novo Testamento. Trad. Haroldo Dutra Dias. 1.ed. 11.imp. Brasília: FEB, 2020.
- XAVIER, Francisco Cândido. Segue-me!... Pelo Espírito Emmanuel. Matão: Casa Editora O Clarim, 2012.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Salvador Gentile; rev. Elias Barbosa. 182.ed. Araras: IDE, 2009.
- Idem. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. p. 316.
- Um novo mandamento vos dou: “que vos amei uns aos outros”; assim como vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.
- Acaso busco eu agora a aprovação dos homens ou a de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se eu ainda procurasse agradar a homens, não seria servo de Cristo. Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem. Não o recebi de homem algum nem me foi ele ensinado, mas o recebi por revelação de Jesus Cristo. (Gálatas, 1:10–12.)
- Tiago, 3:17.
- 1 Coríntios, 9:22–27.
- Mateus, 7:21.
- CIAMPA, Antonio da Costa. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 2001.
- Mateus, 7:24–27; Lucas, 6:46–49.
- Marcos, 4:1–9; Lucas, 8:4–8.
- XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 2003. p. 16.
- No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo. (João, 16:33.)
- CIAMPA, Antonio da Costa. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 2001. p. 36.
O autor é Procurador do Estado de Minas Gerais e Mestre em Direito pela UFMG. Na seara espírita é palestrante, articulista e dirigente da Casa Espírita Cristã Santo Agostinho.
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