Dezembro | 2021

O homem é, por natureza, dono de si mesmo, isto é, tem o direito de fazer tudo quanto achar conveniente ou necessário à conservação e ao desenvolvimento de sua vida

Lei de liberdade

Marcus Flavius Medeiros Magliano

marcus.magliano@gmail.com

“Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão.” (Léon Denis)[1]

 

De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, liberdade é o direito de expressar qualquer opinião, agir como quiser; independência. Ter licença ou permissão. É também a condição de não ser prisioneiro ou escravo; atrevimento, intimidade.

A liberdade é também um conceito central na filosofia. Todos os grandes pensadores trataram dela.

 

Conceitos filosóficos de liberdade

Sócrates (470–399 a.C.): “Conhece-te a ti mesmo.” Um dos primeiros filósofos a aclarar o conceito de liberdade. É dele esta célebre frase. Para este filósofo o homem livre é aquele que consegue dominar seus sentimentos, seus pensamentos, a si próprio. E isso só é possível a partir do autoconhecimento. Ao contrário, ser escravo é ser controlado pelas paixões. A palavra-chave para a concretização da liberdade segundo este pensador é autodomínio.[2]

Platão (428–347 a.C.): “Em vida, caberia ao homem dominar ‘o homem dentro de si’ para ser livre.” É um resumo do seu pensamento. Este pensador entende por liberdade a opção de cada indivíduo de viver na virtude, em consonância com a moral ou não. É importante explicar que, para Platão, a alma do homem é a parte pura do ser humano, e seu corpo de carne a parte vulnerável às vicissitudes terrenas. Portanto, a morte teria como consequência a libertação da alma.[2]

Aristóteles (384–322 a.C.): “O homem, para ser livre, precisa ser hábil a escolher entre as opções que lhe são oferecidas.” Aristóteles compreende a liberdade como a capacidade do homem em optar entre as diversas alternativas que a vida lhe oferece. Esta eleição deve ser feita de maneira voluntária e racional. Portanto, a possibilidade de liberdade só ocorre para seres humanos.[2]

Santo Agostinho (354–430): livre-arbítrio — “Opção do ser humano de determinar seu caminho.” Na perspectiva inaugurada por Santo Agostinho, a liberdade passou a ser uma opção do ser humano de determinar seu caminho, cujos parâmetro de escolha estão delimitados por uma ordem exterior, a qual estabelece o “valor” e o “desvalor” de cada opção. Fortemente influenciado pela tradição cristã, Agostinho pretende esclarecer a origem do pecado e refutar a origem divina do mal. Ele define o mal como sendo a ausência de Deus, e essa ausência é decorrência da opção do ser humano por um caminho que o afaste do bem, uma vez que o mal não pode vir de Deus. Assim surge a ideia do livre-arbítrio, como aquilo que confere ao ser humano a vontade livre de decidir seguir um ou outro caminho. Para Santo Agostinho, só que tem o livre-arbítrio pode pecar.[2]

Jean-Jacques Rousseau (1712–1778): “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem.” Para este pensador, sem liberdade o ser humano não está apenas impedido de agir, mas privado do instrumento essencial para a realização do Espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do indivíduo rumo ao autoconhecimento.[2]

Léon Denis (1846–1927): “Livre-arbítrio é (...) a expansão da personalidade e da consciência. Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão.”[1]

 

Lei de liberdade — conceituação espírita

Em O Livro dos Espíritos[3], Allan Kardec recebe importantes orientações nas questões 825 a 828 sobre este tema que comentamos em síntese a seguir:

“Não há liberdade absoluta porque todos nós necessitamos uns dos outros, tanto os pequenos como os grandes. Desde que haja dois homens juntos, há direitos a respeitar e não terão eles, portanto, liberdade absoluta.”

“Certos homens que se dizem liberais, mas têm atitude despótica no lar e em sociedade possuem a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo. Sabem o que devem fazer, quando não transformam os seus princípios numa comédia bem calculada, mas não o fazem. Quanto mais inteligência tenha o homem para compreender um princípio, menos escusável será de não o aplicar a si mesmo. Na verdade, vos digo que o homem simples, mas sincero, está mais adiantado no caminho de Deus do que aquele que aparenta o que não é.”

O homem é, por natureza, dono de si mesmo, isto é, tem o direito de fazer tudo quanto achar conveniente ou necessário à conservação e ao desenvolvimento de sua vida. Essa liberdade, porém, não é absoluta, e nem poderia sê-lo, pela simples razão de que, convivendo em sociedade, o homem tem o dever de respeitar esse mesmo direito em cada um de seus semelhantes. Isto posto, todo e qualquer costume que torne uma pessoa completamente sujeita a outra constitui uma iniquidade contrária à Lei de Deus. O ser humano muitas vezes prega uma coisa, e põe em prática o oposto. Exige do outro um determinado comportamento, mas não o pratica.[4]

O guia espiritual Hammed[5] nos ensina: “(...) Quando delegamos o controle de nós mesmos a uma outra criatura, seja ela quem for, talvez estejamos renunciando ao nosso mais importante direito inato: a Liberdade. Ela pressupõe senso e dignidade, escolha e autorrespeito. Sem senso de valorização próprio, nos julgaremos uma nulidade e sentiremos um grande vazio na alma, isto é uma sensação de ‘não ser’.”

Sobre a restrição de liberdade pela escravidão, nosso insigne Mestre Lionês[3] questionou os Espíritos Superiores, trazendo-nos preciosos ensinamentos que se seguem: “Toda sujeição absoluta de um homem a outro é contrária à lei de Deus. A escravidão é um abuso da força e desaparecerá com o progresso, como pouco a pouco desaparecerão todos os abusos. A lei humana que estabelece a escravidão é uma lei contra a Natureza, pois assemelha o homem ao bruto e o degrada moral e fisicamente.”

Coube ao Cristianismo mostrar que, perante Deus, só existe uma espécie de homens e que, mais ou menos puros e elevados eles o são, não pela cor da epiderme ou pelo sangue, mas pelo Espírito, isto é, pela melhor compreensão que tenham das coisas e principalmente pela bondade que imprimam em seus atos. Felizmente, de há muito que a escravidão foi abolida na grande maioria das nações, e com ela o privilégio que tinha o senhor de poder maltratar impunemente o escravo.[4]

Sobre a liberdade de pensamento, Kardec[3] nos informa que pelo pensamento, que não conhece entraves, o homem goza de uma liberdade sem limites. Pode-se impedir a sua manifestação, mas não aniquilá-la. Em relação à liberdade de consciência, ensina-nos o codificador[3] que a consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem como todos os outros pensamentos.

As liberdades de pensamento e de consciência, por se inscreverem, também, entre os direitos naturais do homem, conquanto padeçam, ainda, aqui, ali e acolá certas restrições e repressões, vêm alcançando, igualmente, notáveis progressos a cada geração que surge, ampliando-se as garantias individuais no que tange à inviolabilidade do foro íntimo.[4]

O médium Divaldo Franco[6] nos afirma: “Asseverou Jesus com propriedade: ‘O meu Reino não é deste mundo’, que podemos conceituar como a felicidade ainda não é deste mundo, sendo a liberdade de consciência e de ação o caminho que facultará a vivência do amor e da iluminação, para tornar este um reino de paz, no rumo daquele outro, o reino da imortalidade.”

Com relação ao livre-arbítrio, elucida-nos o Mestre Allan Kardec[3] em sua obra inaugural: “O homem tem livre-arbítrio nos seus atos, pois se tem a liberdade de pensar e de agir. Sem o livre-arbítrio o homem seria uma máquina; esta liberdade está na dependência de sua vontade de agir.”

Para o estudioso espírita Rodolfo Calligaris[4], o livre-arbítrio é definido como “a faculdade que tem o indivíduo de determinar a sua própria conduta” ou, em outras palavras, a possibilidade que ele tem de “entre duas ou mais razões suficientes de querer ou de agir, escolher uma delas e fazer que prevaleça sobre as outras”. Acham alguns que o livre-arbítrio é absoluto, que os pensamentos, palavras e ações do homem são espontâneos e, pois, de sua inteira responsabilidade.

Os que consideram o livre-arbítrio um direito absoluto, evidentemente, incorrem em erro, porquanto não há como deixar de reconhecer as inúmeras influências e constrangimentos a que, em maior ou menor escala, estamos sujeitos, capazes de condicionar e cercear a nossa liberdade.

 

Conclusões

Para concluir este complexo tema, buscamos o auxílio do grande mentor espiritual Emmanuel quando nos esclarece: “Age para o bem, sabendo que apenas o bem guarda força bastante para o sustento da paz. A criatura humana dispõe de livre-arbítrio para criar o destino, porém, cada individualidade, nesse ou naquele plano de existência, atua num campo determinado de tempo. Forma, pois, os teus planos de ação, usa a inteligência, maneja a autoridade, cunha as palavras, mobiliza as relações, aproveita os laços afetivos, aplica o dinheiro, desenvolve o trabalho e assinala a tua presença, onde estiveres, atendendo ao bem para o bem de todos, porquanto, creiamos ou não, aceitemos a verdade ou recusemo-la, seja errando para aprender ou acertando para elevar, a nossa tarefa chegará simplesmente até o ponto que o Senhor permitir.”[7]

Enfim, caro leitor, esperamos que estas reflexões e ensinamentos aqui trazidos nos auxiliem a fazer bom uso, com temperança e prudência, de nossa liberdade, este dom tão precioso que nos foi concedido pela Suprema Sabedoria.

 

  1. DENIS, L. O problema do ser, do destino e da dor. 13.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1985. Cap. 22.
  2. CUNHA, M. O conceito de liberdade e suas interfaces. Rio de Janeiro: Ensaios Filosóficos. Vol. III — abril/2011.
  3. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 62.ed. 3ª Parte, Cap. X — Leis Morais. LAKE, 2001.
  4. CALLIGARIS, R. As leis morais. 8.ed. FEB, 2008.
  5. ESPÍRITO SANTO NETO, F. A imensidão dos sentidos. Pelo Espírito Hammed. 4.ed. Boa Nova Editora, 2001.
  6. FRANCO, D. Impermanência e imortalidade. Pelo Espírito C. T. Pastorino. 5.ed. 2.imp. FEB, 2017.
  7. XAVIER, F.C. Palavras de Vida Eterna. Pelo Espírito Emmanuel. 36.ed. Ed. Comunhão Espírita Cristã de Uberaba, 2012.

dezembro | 2021

MATÉRIA DE CAPA

RIE – dezembro/2021

Temos livre-arbítrio, mas este é não é um direito absoluto

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