Setembro | 2019

Medicina, mediunidade e doentes

Maria Margarida Moreira

3m@uol.com.br

Os desequilíbrios ou enfermidades do Espírito têm origem nos abusos e afastamento da Lei Divina

 

Ocorre, atualmente, um movimento de reaproximação da ciência com a espiritualidade, resultado de uma mudança de percepção, que considera a importância da reintegração dos diversos setores do conhecimento. Considerando-se que somos seres biológicos, psíquicos e sociais, esta reintegração auxilia a capacitação interior pessoal, construindo um pensamento em que a linguagem do mundo visível (ciência) pode alcançar a linguagem do mundo invisível (espiritualidade).

Toda ciência é desejável, desde que esteja acompanhada da arte e da espiritualidade, sem as quais se transforma em deficiência, ou seja, ciência sem consciência. Isto é verdade, especialmente, quando se fala de saúde, área que lida com a vertente humana dos seres.

A medicina terrena iniciou esta compreensão com a definição de moléstia psicossomática, ou seja, a doença do corpo oriunda de um estado de desajuste da mente, afetando a emoção e o sentimento, causadores de tensão e conflito. A Doutrina Espírita, que é portadora de uma visão profunda e integral do ser, nos esclarece que toda moléstia é de origem espiritual, razão pela qual há doentes e não doença propriamente dita. Compreendemos, assim, que os desequilíbrios ou enfermidades do Espírito têm origem nos abusos e afastamento da Lei Divina. Daí, no nível de evolução da Terra, sofrimento ser consequência da violação da Lei de Deus. Jesus afirmou, com sabedoria, que no mundo somente se experimenta aflição tendo em vista a condição moral do planeta.

A saúde da criatura humana resulta de fatores essenciais que lhe compõem o quadro de bem-estar: equilíbrio mental, harmonia orgânica e ajustamento socioeconômico. Quando um desses elementos deixa de existir, pode-se considerar que a saúde cede lugar à perturbação, que afeta qualquer área do conjunto psicofísico.

Certa vez, Chico Xavier foi questionado sobre tratamento médico, quando os livros psicografados por ele demonstram a existência de tantos amigos espirituais. Os amigos espirituais sempre esclareceram, segundo ele, que mediunidade não faculta privilégio algum a nenhum medianeiro, e que na condição de doente, ele, Chico, deveria ser tratado como um doente qualquer, não como um doente especial. Sabemos que diariamente inúmeras pessoas são hospitalizadas. É mais do que natural que Chico também, de tempos em tempos, passasse pela prova de sofrer em seu corpo a ação do bisturi ou de outros instrumentos que corrigissem desajustes com os quais ele não poderia continuar vivendo.

Portanto, com frequência, Chico aconselhava muitas pessoas que iam procurá-lo a buscar conselhos de médicos da Terra, pois ele próprio se tratava com eles, já que toda ciência que objetiva o progresso humano vem do socorro celestial. Daí a importância de exaltar a contribuição da medicina terrestre em sua marcha progressiva para a suprema redenção da saúde humana. E, acima de tudo, o médico, consciente ou inconscientemente, está ligado ao Divino médico. Sobretudo porque um médico também é um bom veículo dos médicos espirituais para a cura das doenças físicas, pois possui o cabedal científico necessário para interpretar as instituições que advenham do Alto, estando apto para agir por si mesmo no desempenho clínico.

Jesus sempre usou em suas curas apenas dois elementos: energia e fé, visto não ter notícia de que houvesse, alguma vez, ficado doente. Sob esse aspecto, precisamos entender que as condições de vida e a alimentação das pessoas eram muito diferentes naquele tempo. O mundo hoje está muito povoado e os hábitos de vida são outros — as necessidades também. Portanto, não se constitui falta de fé por parte de Chico Xavier, e de muitos outros médiuns de cura ou não, recorrer ao auxílio dos médicos da Terra.

Os Espíritos ensinam que a medicina é uma ciência que foi concedida pela Providência Divina para que os males orgânicos sejam aliviados ou curados, compreendendo a importância da mente sobre a vida orgânica.

Ainda de acordo com a Doutrina Espírita, os Espíritos nos orientam a valorizar cada vez mais a influência da oração em nossos processos de cura, principalmente quando estivermos sob impactos emocionais muito fortes, que podem determinar a eclosão de várias moléstias obscuras.

Nenhuma criatura humana se encontra na Terra sem atravessar, vez ou outra, a noite escura da alma. Contudo, os bons amigos espirituais sempre nos dispensaram atenciosa bondade, aliviando os efeitos de qualquer enfermidade através do passe magnético e da água fluidificada, na fase da oração. Assim, para a criatura enferma, ao consultar o médico, bastará fervorosa prece suplicando assistência do Alto para o seu caso que a assistência virá, e tanto o enfermo quanto o médico serão beneficiados, sem necessidade de indagações aos guias espirituais através do mediunismo.

Não será justo esquecer a influência decisiva da medicina compreensiva e humanitária em favor da humanidade, não só porque o progresso do mundo justifica isso, mas, também, para coibir certos abusos que, em nome da oração, muitas vezes são perpetrados por pessoas menos responsáveis, quando se trata de saúde humana.

Muitos espiritualistas talvez pensem que já possamos, de modo geral, sentir a presença de Deus em nós, dispensando qualquer recurso humano para a supressão de nossas enfermidades e fraquezas, entregando à oração todo o trabalho socorrista ao enfermo. Agem assim os religiosos extremistas. Os Espíritos amigos nos ensinam que, realmente, todos temos a presença de Deus em nós, entretanto, conquanto o próprio Cristo haja dito que o reino de Deus está dentro de nós, estamos ainda na condição do diamante bruto — sem contrariar, de modo algum, a afirmação do Divino Mestre —, requisitando, por muito tempo, a passagem de nossa personalidade humana através das oficinas de burilamento, que são os sofrimentos e vicissitudes da existência terrena. Este processo se fará necessário até que o esmeril da experiência nos aperfeiçoe, de tal modo que venhamos a refletir a presença de Deus em nós mesmos, tal qual o diamante finalmente aprimorado consegue refletir a luz do sol.

As inteligências sensatas não podem, compreensivelmente, até agora, comparar qualquer pessoa terrestre que se disponha a colaborar nos serviços curativos, através das preces, à pessoa de Jesus Cristo, cujo poder magnético, sem dúvida, poderia atuar decisivamente sobre qualquer processo enfermiço, desfazendo os ingredientes ou agentes em que esses processos doentios se estruturavam. Mas o médico Celestial não se esquecia de requisitar ao Reino Divino e a todos que se restaurassem nas deficiências humanas. É o que a Doutrina Espírita esclarece: o que interessa não é apenas a regeneração do veículo físico no qual o homem se expressa, mas, acima de tudo, o corretivo espiritual; que o homem comum se liberte da enfermidade, porém, é imprescindível que o necessitado entenda o valor da saúde e aprenda a ajudar a si mesmo.

Portanto, na mediunidade curativa, não é raro perceber que as enfermidades morais são muito mais graves do que as físicas, sendo, aliás, uma das causas por manifestar-se na organização fisiológica, afetando a emoção, a mente e o sentimento. Sendo assim, não nos mantenhamos indiferentes aos irmãos em desalinho moral, pois eles aguardam pelo nosso contributo de compreensão, de amizade, de paciência, sem nada exigir.

Iniciemos, portanto, o nosso treinamento de socorro discreto, mantendo o sentimento de compaixão, em silêncio que seja, sem censurar ou maldizer, sem agredir ou recriminar, pois de alguma forma já transitamos por caminho semelhante. Agora é a vez deles serem amparados e compreendidos pela misericórdia da caridade.

A carência de afetividade é real entre os indivíduos. Ninguém deve se eximir ao dever de contribuir em favor do mundo melhor, mesmo correndo alguns riscos inevitáveis da aproximação de futuras aflições que não foram ainda interditadas. Deixemos, então, a comodidade, as preocupações exageradas para que nada de mal nos aconteça e enfrentemos a dor, na condição de enfermeiro da misericórdia, socorrendo os nossos irmãos enfermos no corpo e na alma. Assumamos a parte que nos compete: amar e servir sem desfalecimento, porquanto nossos irmãos doentes estão mais próximos de nós do que nos parece.

Não podemos, ainda, nos considerar realmente saudáveis, pois fazemos parte da imensa legião de sofredores que buscam amparo nos braços amorosos de Jesus, médico sublime que nunca se recusou a atender os aflitos e incompreendidos.

Encerremos com o esclarecimento da benfeitora Joanna de Ângelis, através da psicografia do médium Divaldo P. Franco, no livro Atitudes Renovadas: “os incêndios nas almas aguardam pela gota de água dos corações afetuosos e pacíficos.”

 

XAVIER, F. C. Seara dos Médiuns. Pelo Espírito Emmanuel. 7.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. Lição 67.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 59.ed. Questão 176, parágrafos 1º, 2º e 3º. Rio de Janeiro: FEB, 1992.

RIZZINI, Carlos Toledo. Evolução para o Terceiro Milênio. 18.ed. Sobradinho: Edicel, 2009. Capítulo V.

XAVIER, F. C. Encontros no Tempo. Espíritos diversos. 9.ed. Araras: IDE, 2006.

outubro | 2019

MATÉRIA DE CAPA

RIE – outubro/2019

Próximas, ciência e espiritualidade permitem que busquemos o estado de equilíbrio e saúde global com auxílio médico

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