Setembro | 2021

Hoje, o panorama da música espírita abrange diversos estilos, atendendo todos os gostos

Música espírita

Mauricio Menezes Vilela

vilelamm@uol.com.br

O que é música espírita? Cabe ao espírita conhecer mais profundamente o panorama dos trabalhos existentes!

 

“As grandes vozes do Céu ressoam como sons de trombetas, e os cânticos dos anjos se lhes associam. Nós vos convidamos, a vós homens, para o divino concerto. Tomai da lira, fazei uníssonas vossas vozes, e que, num hino sagrado, elas se estendam e repercutam de um extremo a outro do Universo.” (O Espírito de Verdade — Prefácio de O Evangelho Segundo o Espiritismo)

O termo “música espírita” gera uma série de questionamentos. Inicialmente, porém, precisamos definir o que é uma “música espírita”. Seria composta por Espíritos? Uma música cuja letra traga conceitos que se encaixem na Doutrina Espírita? Ou ambas as definições?

Creio que, para se definir o termo, precisamos fazer uma analogia. O que é “literatura espírita”? Seriam livros escritos por Espíritos ou por espíritas? Quando alteramos a modalidade artística, fica claro: ambas as respostas estão corretas. Livros escritos por Kardec, que traziam respostas dos Espíritos e comentários do autor; livros escritos por Gabriel Delanne e Léon Denis, que só continham material escrito pelos próprios autores; e livros escritos por Emmanuel, André Luiz ou qualquer Espírito desencarnado constituem, do mesmo modo, literatura espírita. Porém, não basta a autoria, é indispensável a concordância com os princípios doutrinários.

Portanto, em resumo, definimos música espírita como aquela composta mediunicamente ou por espíritas, cujos conceitos expressos estejam de acordo com a Codificação kardequiana.

Mas há canções, embora não sejam aceitas por todos, que citam o Evangelho, tais como o sermão da montanha, as parábolas etc. Alguns espíritas acusam influência católica e que a verdadeira música espírita deveria falar do Espiritismo ou de temas como reencarnação. Tal dificuldade em aceitar temas evangélicos como sendo também espíritas nos parece incompreensível. O Espiritismo como doutrina cristã, desde seu nascimento, já foi incontestavelmente demonstrado.[1]

Adicionalmente, quando se trate de música exclusivamente instrumental, seria necessária uma autoria espiritual ou, no caso de autor encarnado, um objetivo específico relacionado ao Espiritismo, como música ambiente para passes e vibrações.

A primeira menção à música espírita vem do próprio Kardec, em Obras Póstumas[2], porém podemos considerar como primeira música que se encaixe nos conceitos definidos acima aquela obtida pelo escritor francês Eugène Nus, descrita por ele em Choses de l'Autre Monde. Em 1853, após ler um artigo de um jornal norte-americano, ele, o Dr. Artur Bonnard e uns amigos resolveram tentar fazer uma mesa girar, como já era moda nos EUA. Após utilizar o sistema de pancadas para reproduzir o alfabeto e obter mensagens, tiveram a ideia de convencionar o número de pancadas para reproduzir notas musicais. As melodias recebiam nomes tais como Canto do Mar, Canto da Terra no espaço etc. Um amigo de Nus, Allyre Bureau, que era músico, executava as peças. Eugène Nus conta que O Canto do Mar foi apresentado num sarau e fez tanto sucesso que foi repetido mais de vinte vezes.[3]

Também a Sra. Girardin, uma das grandes entusiastas das “mesas girantes”, tinha o costume de reunir pessoas em seus salões para demonstrações. Numa dessas ocasiões, após evocar Espíritos de diversas personalidades, resolveram trocar a tábua onde estavam escritas as letras do alfabeto por outra com notas musicais e evocaram o compositor Gluck, solicitando uma ária.

“Pediram-lhe que compusesse uma ária, e ele não tardou em satisfazer ao pedido. Rodou o ponteiro; em papel pautado se foi transcrevendo quanto ele designava, e pouco depois a ária era executada ao piano. Logo aos primeiros compassos começou-se a conhecer o estilo do mestre: era o de Gluck, indubitavelmente...”[3] Infelizmente, nenhuma dessas composições sobreviveu até os dias de hoje.

Na Revista Espírita de maio de 1859 existe a descrição de uma comunicação, pelo médium Bryon-Dorgeval, atribuída ao Espírito Mozart, que teria ditado um fragmento de sonata.

Em Obras Póstumas, vemos que Kardec dedicou parte do seu precioso tempo para discutir a música espírita, chegando a questionar o Espírito Rossini sobre o assunto. Rossini, humilde, confessou seu desconhecimento a respeito da música espiritual e pediu um tempo para estudar e, em nova comunicação, esclareceu como seria a música no plano espiritual.

Apesar desse interesse claro do Codificador, alguns espíritas brasileiros tiveram uma resistência inicial ao uso da música nas reuniões, talvez fruto da semelhança que isso poderia causar com outros cultos religiosos. A polêmica chegou a tal ponto que Leopoldo Machado convocou, em 1944, o que foi chamado de “Inquérito Original”, uma discussão que incluiu nomes de peso, tais como Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy, Araripe de Faria, Pena Ribas e outros. O resultado foi francamente favorável ao uso da música.

No início, a chamada música espírita era muito semelhante aos hinos católicos e evangélicos, muitos em ritmo de marcha. Esse estilo ainda se mantém, embora misturado a toda uma gama de ritmos e estilos diferentes, alguns um pouco estranhos para o uso numa casa espírita, como o rock e o reggae. A música exclusivamente instrumental erudita deu lugar ao estilo que ficou conhecido como new age, embora este também misture ritmos e frequentemente se desvie para assuntos mais místicos e sem relação com a Doutrina.

Essa diversificação levou a mais discussões e polêmicas. O surgimento de músicas em estilos mais populares, com ritmos rápidos, dançantes, levou muitos espíritas a questionar a validade de uma música espírita desse gênero. Pode um ritmo como o rock ser utilizado para a música espírita?

Os críticos desse uso argumentam que a música é composta por sons cuja vibração pode elevar ou reduzir o padrão vibratório do ser que a ouve. Nesse sentido, músicas suaves ajudariam a harmonizar ambientes e elevar pensamentos, ao contrário de músicas agitadas, que atrairiam Espíritos em padrões inferiores de vibração.

Outra discussão se dá em relação ao conteúdo. Alguns defendem que a função da música espírita é a divulgação do Espiritismo, não devendo deixar dúvidas de sua origem espírita. Nesse caso, canções sobre passagens bíblicas só seriam aceitas se trouxessem alguma interpretação espírita para elas. Canções com uma temática “geral” (caridade, fraternidade), mesmo com conteúdo elevado, também não seriam consideradas realmente espíritas. A essa opinião se contrapõe um número crescente de artistas que optam por uma abordagem mais sutil, em que princípios espíritas podem ser somente insinuados ou ficar subentendidos.

Nesse sentido, uma divisão foi criada. Aqueles que só admitem uma arte dita espírita como forma de divulgação da Doutrina e aqueles que defendem uma forma mais sutil de divulgação.

Maurício Keller, do Grupo Arte Nascente (GO), defende essa segunda corrente: “Tenho ouvido muitas músicas em que o autor já não se preocupa mais em escancarar a Doutrina nas mensagens, mas que deixa a marca inegável do Espiritismo. Quem deve escancarar que é espírita é o autor e não a música.”

Dentre exemplos mais recentes de música composta por Espíritos, lembramos que no Centro Espírita André Luiz de Macaé, RJ, através da mediunidade de Peixotinho, o Espírito Scheilla teria composto diversos hinos para serem cantados durante as sessões de materialização e cura. Isso teria ocorrido por volta da década de 1950.

Não há como falar de música espírita sem citar o caso de Rosemary Brown (1916–2001), a médium inglesa que, sob assistência do Espírito do compositor Franz Liszt, recebeu mais de 400 composições eruditas de diversos autores, como Chopin, Schubert, Schumann, Beethoven, Bach, Brahms, o próprio Liszt, dentre outros. A médium não possuía nenhum conhecimento musical, trabalhando como cozinheira escolar. Esses compositores participariam de um projeto para despertar a consciência espiritual dos homens.

O segundo tipo de música espírita, a música composta por espíritas, teve um grande expoente, o paulista João Cabete (1919–1987), que desenvolveu seu trabalho num estilo musical que lembra as serestas, acompanhado por violão e com um canto suave, quase um acalanto. As letras são singelas sem serem simplórias. A melodia tem tal qualidade que, há alguns anos, o Grupo Sinfonia do Amor lançou gravação em que suas músicas ganharam arranjo de Eloi Braga e são apresentadas sem acompanhamento vocal. Essas músicas instrumentais se tornaram um acompanhamento ideal para ambientações e passes.

Cabete compôs mais de 200 canções, interpretadas por ele mesmo (embora nunca tenha gravado um disco) ou por diversos corais espíritas por todo o Brasil, particularmente pelo Coral Scheilla, de Belo Horizonte, MG, e também pelo Coral de Juiz de Fora, MG. Entre suas canções mais conhecidas, estão Fim dos Tempos, Além das Grandes Estrelas, e Alma das Andorinhas.

O jornalista e médium Jorge Rizzini psicografou também músicas de compositores eruditos e populares, nacionais e estrangeiros. Parte dessa produção pode ser conhecida num DVD, disponível no mercado.[4]

Hoje, o panorama da música espírita abrange diversos estilos, atendendo todos os gostos. Desde ritmos que agradam os mais jovens, até composições de maior complexidade, para o público mais exigente. Dentre os vários artistas citamos Denis Soares, Cancioneiro Espírita, César Tucci, Toque na Alma, Marielza Tiscate, Clésio Tapety, Amis, Arte Nascente, Acorde etc.

Dentre a nova geração, ressaltamos os belíssimos trabalhos feitos pela dupla Tim e Vanessa, com letras de ótima qualidade (com destaque para aquelas escritas por Gladston Lage), aliadas a melodias de extremo bom gosto, disponíveis em CDs, DVD e nas plataformas digitais; Verbos de Versos, um grupo musical que lançou um CD com o nome Bom Combate; e O Grupo Espírita Meu Cantar, que também produz música vocal de alta qualidade.

Antes de julgar, cabe ao espírita conhecer mais profundamente o panorama da música existente, na busca por um estilo e mensagem que mais o agrade.

 

  1. DA SILVA, Fausto F. “Vínculos com o Cristianismo”. Revista Internacional de Espiritismo, edição de maio de 2011. Pág. 191–193.
  2. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. “Música Celeste” e “Música Espírita”.
  3. WANTUIL, Zeus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. FEB, 1958.
  4. Compositores do Além. DVD do selo Versátil Vídeo Spirite.

setembro | 2021

MATÉRIA DE CAPA

RIE – setembro/2021

Que parâmetros podem definir exatamente uma música espírita?

Lista completa de matérias

 Minhas palavras não passarão

 Carta ao Leitor – setembro/2021

 A alma e a vivência social

 O problema da obsessão e o tratamento na casa espírita (Parte 1) – Entrevista com Suely Caldas Schubert

 Os adversários do grande projeto de Jesus

 Combatendo o egoísmo e a indiferença

 A força criadora do pensamento

 Dos sacrifícios, do jejum, da abstinência…

 Novos rumos para a educação

 José da Galileia, um homem integral

 Ao companheiro espírita

 Você conhece seu filho?

 Cristina voltou a sorrir

 Mediunidade antes do Espiritismo

 Retorno à Pátria Espiritual

 O poder da esperança

 Música espírita

 Em torno da imortalidade

 Mensagem de Jesus: do monte e às antenas

 Paulo de Tarso, a luz aurifulgente do amor

 Autismo e Espiritismo

 Preparando o retorno ao trabalho