Maio | 2020

O diálogo na desobsessão

Waldehir Bezerra de Almeida

waldehir.almeida@gmail.com

Antes de doutrinar a entidade que se manifesta em perturbação, é preciso transmitir-lhe consolação e esperança em sua nova vida

 

Durante muitos anos, aquele colaborador na reunião de desobsessão que conversava com o Espírito comunicante recebeu o epíteto de doutrinador, pois o entendimento dos que se colocavam naquela condição era de que se fazia necessária a doutrinação da entidade manifestante, presumindo que o seu sofrimento tinha origem unicamente no desconhecimento dos fundamentos dos Evangelhos e da Doutrina Espírita. Diante desse entendimento, irmãos e irmãs sem o imprescindível preparo para aquela atividade, embora com muito amor, buscavam doutrinar as entidades perturbadas, sem a preocupação de oferecer-lhes consolação e esperança em sua nova vida.

Na segunda metade do século XX, com dezoito anos de idade, assisti a uma reunião de desobsessão que se dava logo após a palestra, com a presença de quem desejasse ali permanecer! Dando-se a incorporação, o doutrinador perguntou ao Espírito comunicante, após rápida recepção, se ele já havia lido O Evangelho segundo o Espiritismo. E diante da resistência do irmão sofredor em ouvi-lo, o doutrinador encaminhou a entidade para uma escola de evangelização no plano espiritual, não atinando de que o irmão sofredor necessitava de amparo, de consolação, de uma palavra de esperança, que lhe favorecesse a construção de um futuro melhor. Necessitava de ser esclarecido à luz dos evangelhos e não doutrinado. Neste particular nos alerta o Espírito Emmanuel da grande diferença entre doutrinar e evangelizar:

“— Há grande diversidade entre ambas as tarefas. Para doutrinar, basta o conhecimento intelectual dos postulados do Espiritismo; para evangelizar é necessário a luz do amor no íntimo. Na primeira bastarão a leitura e o conhecimento; na segunda, é preciso vibrar e sentir com o Cristo. Por estes motivos, o doutrinador muitas vezes não é senão o canal dos ensinamentos, mas o sincero evangelizador será sempre o reservatório da verdade, habilitado a servir às necessidades de outrem, sem privar-se da fortuna espiritual de si mesmo.”[1]

Diante daquela realidade, o Espírito André Luiz, após longos anos de estudo, assistindo a reuniões mediúnicas tanto no plano espiritual quanto no plano material, decidiu repassar pela psicografia do inestimável e confiável médium Chico Xavier “um livro diferente”, como denominou Emmanuel, acrescentando que “(...) a desobsessão não é caça ao fenômeno e sim trabalho paciente do amor conjugado ao conhecimento e do raciocínio associado à fé”. Surge, então, o livro Desobsessão, propondo a mudança do substantivo doutrinador para esclarecedor, dando oportunidade que a conversação entre o cooperador encarnado e o Espírito sofredor ou obsessor seja esclarecedora a respeito da sua situação para, em seguida, ampará-lo e transmitir-lhe informações sobre os ensinamentos do Mestre Jesus e do Espiritismo, quando for possível, já que o esclarecedor tem apenas dez minutos para o desempenho da sua tarefa.

A partir de então, o diálogo entre o encarnado e o desencarnado toma outra dimensão. O esclarecedor busca aprimorar-se em três valiosas técnicas: saber ouvir, saber perguntar e saber responder.

 

Saber ouvir

É uma ação delicada, porque exige do ouvinte observação atenta, concentrada, sem as tensões emocionais inquietantes do medo e da ansiedade. Para dialogar é crucial que estejamos atentos às nossas reações ao que ouvimos, sem nenhum preconceito e interpretações precipitadas. Ouvir primeiro para depois responder ou orientar com segurança é virtude a ser conquistada, pois nesse processo é urgente que desenvolvamos a tolerância, a alteridade e a empatia para assim aprender com o nosso locutor e sentir junto com ele, independentemente da sua maneira de ser e pensar a respeito da vida.

No curso da conversação com o desencarnado, busquemos ouvi-lo com fraternidade e sabedoria para adquirirmos condições de fazer perguntas sábias no momento certo. O diálogo deve ser uma caminhada para a paz; um esforço para a construção do bem e da felicidade de quem está envolvido nele, e essa construção começa ouvindo quem nos fala com paciência e desprovido de qualquer ideia preconcebida.

 

Saber perguntar

Foi o filósofo grego Sócrates (469–399 a.C.) o criador do método de dialogar conhecido como maiêutica, que é o ato de provocar qualquer pessoa, por mais ignorante que seja, a expor seus pensamentos, de trazer à consciência o que provavelmente já sabe. Para que isso aconteça é necessário, no caso do atendimento aos Espíritos, fazer perguntas graduadas, formular questões de modo a conduzi-lo, pouco a pouco, ao encontro da sua realidade íntima. Essa metodologia pode ser adotada em todos os casos em que detectamos a fuga, consciente ou não, do Espírito da sua realidade íntima. Às vezes é um irmão endurecido que se coloca na condição de justiceiro, sentindo-se no direito de cobrar, de quem quer que seja, os erros que cometeu ou comete, fugindo, propositadamente, de si mesmo. Outras vezes, são Espíritos ignorantes sobre a realidade da vida e que jamais realizaram uma introspecção para saber o que ocorre no seu íntimo e sobre suas experiências na existência corporal. A aplicação da maiêutica exige habilidade e conhecimento, não só evangélico e doutrinário mas, também, geral, para fazer frente à formação cultural de que ela exige.

A pergunta deverá ser elaborada e lançada no momento oportuno e feita sempre de forma amigável e não provocativa, para conduzir o diálogo ao equacionamento das tensões e desfazer a desconfiança da entidade socorrida. Penetrar o âmago sagrado dos sentimentos e emoções daquele que tudo faz para não sofrer é missão delicada de quem pretende ajudar a quem se esconde de si mesmo.

 

Saber responder

Muitas vezes são os Espíritos em atendimento que nos fazem perguntas e temos de respondê-las. Algumas delas exigem do esclarecedor respostas seguras e convincentes.

Eis alguns exemplos:

Você é mesmo feliz fazendo o que faz?

— Por que você foi agraciado pelo seu mestre e eu não?

— Por que você acredita que sua vida será sempre um mar de rosas?

— Você tem tudo o que deseja?

— Por que o seu mestre não os livra dos seus sofrimentos?

Cuidado! As perguntas têm, muitas vezes, a finalidade de ganhar tempo ou de confundir-nos.

Espíritos confusos com sua situação e que se mantêm na condição de justiceiros se apresentam interrogativos. Querem saber a razão de ali serem chamados, pois se sentem no direito de fazer o que estão fazendo. Conhecem a dinâmica da vida e sabem como funciona a lei de causa e efeito, mas estão enceguecidos pelo ódio e acreditam que somente encontrarão a paz com o sofrimento dos seus algozes. Outros se apresentam com a sincera intenção de se esclarecerem: são Espíritos que já foram informados de suas situações e estão à espera de mais uma oportunidade no corpo carnal. Buscarão sanar algumas dúvidas, aprimorando sua performance para o retorno à matéria. Diante da variedade de questionamentos, ensina-nos Emmanuel: “O ato de responder proveitosamente a inteligências heterogêneas exige qualidades superiores que o homem deve esforçar-se por adquirir.”[2]

Paulo de Tarso, o Apóstolo dos gentios, na sua peregrinação divulgando os ensinamentos do Nazareno, recomendou na epístola aos Colossenses, 4.6: “A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como responder a cada um” (grifamos).

Espíritos simples que desconhecem a dinâmica da vida, que não perceberam ainda que a morte não existe, fazem-nos perguntas cruciais para eles e as respostas devem ser dosadas ao seu entendimento preliminar. Independentemente da natureza e da complexidade da questão, reflita antes para não desagradar uns e ameaçar outros que lhe ouvem. Muitas vezes somos chamados sutilmente ao debate pela entidade que pretendemos ajudar.

“Ainda que sejas interpelado pelo maior malfeitor do mundo, deves guardar uma atitude agradável e digna para informar ou esclarecer. Saber responder é virtude do quadro da sabedoria celestial. Em favor de ti mesmo, não olvides o melhor modo de atender a cada um.”[2]

***

Prezado leitor, concluímos as nossas considerações sobre a dimensão do diálogo com os nossos irmãos desencarnados que se apresentam nas reuniões de desobsessão pelo portal de luz da mediunidade, na busca de esperanças e consolações. Entendemos que o principal recurso do esclarecedor nessa tarefa é a palavra que, indubitavelmente, deverá ser consubstanciada com fé, com amor e com pensamento positivo para, assim, alcançarmos a baliza estabelecida pelos Espíritos superiores que administram a reunião de desobsessão: aliviar o sofrimento e oferecer esperanças de um futuro feliz aos Espíritos atendidos. Insistimos que dialogar com estes companheiros é uma arte que deverá ser aprimorada a cada dia. E a fonte desse aprimoramento é o livro Desobsessão.

Encerremos nossos comentários invocando a sabedoria de Emmanuel, mais uma vez:

“Linguagem, a nosso entender, se constitui de três elementos essenciais: expressão, maneira e voz. Se não aclaramos a frase, se não apuramos o modo e se não educamos a voz, de acordo com as situações, somos suscetíveis de perder as nossas melhores oportunidades de melhoria, entendimento e elevação.”[3] (Grifo nosso.)

 

  1. XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29.ed. 2.imp. Brasília: FEB, 2015. q. 237.
  2. XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1.ed. especial. Brasília: FEB, 2010. Cap. 77.
  3. XAVIER, Francisco Cândido. Fonte Viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. 43.

junho | 2020

MATÉRIA DE CAPA

RIE – junho/2020

Na desobsessão, é preferível doutrinar ou esclarecer?

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