Agosto | 2019

O espírita e a disseminação do ódio nas redes sociais

Juvan Neto |

juvandesouza@gmail.com

Em tempos de intenso debate político, não é compreensível espíritas se valerem do compartilhamento de discursos de ódio ou informações sem fontes confiáveis na internet.

 

Em recente entrevista concedida ao jornal Diário do Litoral, de Itajaí, SC, o jornalista, ambientalista e orador Altamir Andrade, de Joinville, cidade do mesmo estado – eleito pela ONU como um dos quatro “Parceiros da Paz e Sustentabilidade” no Brasil para o período 2012-2016 –, fez uma reflexão importante: “Por conta do tumultuado processo político vivido no Brasil na última década, e que se acentuou devido às recentes denúncias de corrupção no País e à possibilidade de impeachment de várias lideranças políticas, vive-se uma onda de ódio nunca antes vista, seja nas redes sociais da internet, seja nas próprias atitudes de protesto contra o atual panorama de desgaste das instituições públicas brasileiras”[1].

Altamir fez essa citação ao lamentar o fato de que houve uma partidarização política de iniciativa da prefeitura de São Paulo em implantar as ciclovias por toda a cidade paulistana – iniciativa esta que, segundo o próprio Altamir, vem até de maneira tardia, já que as principais cidades do mundo já há décadas vêm priorizando o homem e a bicicleta no lugar dos veículos. O jornalista e ambientalista lamentou o fato de que muitos descontentes com a situação política atual estão optando pela radicalização dos seus discursos e protestos, e marchando em direção à intolerância e agressividade.

A fala de Altamir – que não é espírita – serve para a proposição de uma profunda reflexão entre os próprios espíritas. Sabe-se que estamos num momento limite, ou uma “data-limite” de profundas transformações planetárias, uma transição, enfim. O agravamento de problemas planetários como a violência, a corrupção, a inversão de valores, a desesperança, deve ser entendido pelos espíritas que somos como um padrão natural do período de transição, e não o “fim do mundo”, mas sim “o fim deste mundo”, ou seja, deste padrão vivido no planeta.

Fala-se isso porque, recentemente, viu-se até mesmo espíritas valendo-se seja do discurso de ódio na internet contra os atuais governantes do país, seja pelo compartilhamento de notícias falsas e perturbadoras na rede de computadores, ou até mesmo, num caso muito emblemático, condenando o envio de toneladas de feijão brasileiro a Cuba. Ora, pode-se (e deve-se) criticar os problemas nacionais; há liberdades democráticas para isso; o espírita pode (e deve) marchar contra a corrupção e sentir-se convocado a exercer de maneira plena seus direitos e cidadania. Mas só o deve fazer se tiver certeza de que esses protestos não serão um fator que mais vai desequilibrar do que colaborar à construção de uma nova consciência nacional e cidadã.

Independentemente de que matiz ideológico tenham nossos atuais líderes, não se entende como um espírita pode ser contrário ao envio de alimentos a qualquer nação que seja, independente de cor ideológica; não se entende como um espírita compartilha em redes sociais postagens com termos pejorativos e pesados contra as lideranças nacionais; não se compreende como um estudioso da Terceira Revelação repassa informações de ódio ou posiciona-se contrário à colaboração entre os povos.

O espírita deve exercer sua cidadania, mas, sobretudo com consciência de que aqueles líderes nacionais brasileiros – seja à esquerda ou à direita do espectro político, que porventura estão mergulhados no lamaçal da corrupção, locupletando-se com o erário público e assim infringindo as leis da vida –, terão a justa, porém dolorosa oportunidade de resgate e quitação de débitos, como, aliás, acontecerá com todos nós outros.

Ao adepto da Terceira Revelação também é necessário entender que as concepções clássicas de direita e de esquerda, conceitos que ainda hoje definem o espectro do posicionamento político, são ainda permeadas pela visão materialista. Não há ainda uma transcendência na visão e na prática política; não há uma real concepção das leis naturais, da imortalidade e dos mecanismos da justiça divina. Estamos distantes das posturas dignas de eminentes espíritas como o próprio Cairbar Schutel, primeiro prefeito de Matão, SP; de Bezerra de Menezes e de Freitas Nobre, que foram parlamentares. Raros são esses exemplos.

Há no espectro político brasileiro, por exemplo, partidos que até usam a terminologia “social-cristã”, mas que pouco ou nada têm de efetivamente cristãos, sendo legendas conservadoras dominadas por feudos pouco comprometidos com a real mensagem do Galileu. São distorções que existem, infelizmente, no processo democrático, e que só com a moralização das criaturas poderão ser aperfeiçoadas.

Essa não-prevalência de uma visão espiritualizante ou transcendente, essa não certeza da realidade do processo da lei de ação e reação, faz com o homem-político seja falho e falível, e não raro sucumba às tentações do poder.

“A tendência natural é que as leis humanas evoluam no sentido das leis divinas”, leciona o mentor Irmão José em Segundo “O Livro dos Espíritos”, importante livro da lavra mediúnica de Carlos Baccelli[2]. “Sem que os valores morais da criatura se fixem, adquirindo estabilidade, os seus valores externos estarão sujeitos a variações”, completa Irmão José, na mesma obra. A assertiva nos dá a entender, como citamos acima, que os nossos líderes políticos porventura corrompidos terão a sua necessária corrigenda. Mas isso não é um processo imediato.

Não é ser de direita ou de esquerda que garante ao político o êxito de suas posturas ou projetos – embora o socialismo esteja filosoficamente mais próximo da mensagem de igualdade proposta pelo Cristo. O que faria com que tivéssemos políticos proeminentes e éticos então seria seu arcabouço de conquistas morais, de virtudes reais.

O Espírito Vianna de Carvalho, na obra Atualidade do Pensamento Espírita[3], através da mediunidade de Divaldo Pereira Franco, instrui que o materialismo histórico e dialético teve sua origem e ganhou espaço devido às retrógradas posturas das religiões dominantes, aliadas sempre ao poder temporal – aí entra a política – e compactuando com as injustiças sociais.

Vianna, entretanto, frisa que graças a essas religiões, contudo, foi aberto espaço para a revolução do pensamento e originou-se o materialismo histórico, que até trouxe contribuição social, segundo o autor espiritual, durante largo período do século passado, mas que não resolveu o problema do homem em si mesmo. Carvalho refere-se às experiências do marxismo e do socialismo tradicionais, que fracassaram por estar dentro da visão materialista de mundo e sociedade. O capitalismo, então, nem se fala, pois vem escorado na doutrina do lucro, é ainda mais fortemente gerador da visão materialista e de posse, fronteiriça ao egoísmo e orgulho.

Então, aos espíritas, faz-se mister absoluto cuidado no momento de compartilhar na internet posicionamentos à direita ou à esquerda da política atual, para não cair nos fanatismos e perturbações bem próprias do duelo mental e das disputas vãs acerca de interesses políticos terrenos. Se por um lado é preciso evitar a disseminação do conservadorismo pelo viés da direita, que carrega consigo ódio e preconceito, num outro extremo, a defesa da liberalidade de costumes geral e irrestrita proposta pela esquerda mais radical também é temerária por si só, por ter como perspectiva uma sociedade sem rédeas ou freios.

Na obra Notáveis Reportagens com Chico Xavier, que compila e apresenta as matérias jornalísticas de O Globo feitas pelo eminente Clementino de Alencar junto a Chico nos anos 1930, em Pedro Leopoldo, MG, Emmanuel dá sublime orientação aos espíritas ligados à prática política: “Evite-se a expansão do interesse pessoal, as competições mesquinhas, a ambição de ganhos e domínios, os assaltos ao Tesouro Público, o exibicionismo, e cultive-se, acima de tudo, o interesse da coletividade. Basta isso”, diz o mentor. “A coletividade é a nação e não se compreende o patriotismo fora dessas normas”[4], completa.

Então, nestes tempos de transição, antes de qualquer posicionamento político capaz de gerar discórdias e dissensões, o espírita deve sempre ter em mente que em termos de debate da ideologia política, o consenso é algo difícil, quando muito, inatingível. Deve então o espírita buscar o caminho do meio, do equilíbrio e do diálogo sempre respeitoso.

E sendo assim, vale lembrar o exemplo de Dona Antonina, médium involuntária sintonizada com os pensamentos iluminados do ministro Clarêncio, na obra Entre a Terra e o Céu, através da mediunidade redentora de Chico Xavier, pela autoria espiritual de André Luiz. Ela dá-nos importante lição em tempo de embates políticos: “Coração que conserva rancor é coração doente. Alimentar ódio (...) é estender inomináveis padecimentos morais no próprio espírito”[5]. Reflitamos.

 

  1. ANDRADE, Altamir. Entrevistão do Diário do Litoral – DIARINHO. Itajaí, SC: Editora V & T, 10 de outubro de 2015. Disponível em http://www.diarinho.com.br/materias.cfm?caderno=25&materia=105588.
  2. BACCELLI, Carlos. Segundo “O Livro dos Espíritos”. Pelo Espírito Irmão José. 1ª edição. Votuporanga: Editora Didier, 2009.
  3. FRANCO, Divaldo Pereira. Atualidade do Pensamento Espírita. 1ª edição. Pelo Espírito Vianna de Carvalho. Salvador, BA: Editora Leal, 1999.
  4. ARANTES, Hércio Marcos Cintra Arantes (organizador). Notáveis Reportagens com Chico Xavier. 2ª edição. Araras: IDE, 2003.
  5. XAVIER, Francisco Cândido. Entre a Terra e o Céu. Pelo Espírito André Luiz. 25ª edição, 3ª reimpressão. Brasília: FEB Editora, 2010.

 

O autor é jornalista e editor do jornal doutrinário Espaço Espírita (cejn.org.br), em Barra Velha-SC; e-mail jesusespirita@feal.com.br.

 

Foto: Rafael Nedermeyer / Fotospublicas.com

Foto: Ivo Gonçalves / Fotospublicas.com

Foto: Divulgação EBC Serviços

 

Sugestão Legenda 1: Espíritas interagem nas redes sociais: há liberdade para o posicionamento político, mas que deve ser exercido com critérios

Sugestão Legenda 2: O deputado Freitas Nobre, do antigo MDB (à esquerda, ao lado de Ulysses Guimarães e Paulo Brossard): exemplo de líder espírita e político

junho | 2016

MATÉRIA DE CAPA

RIE – junho/2016

Diante de desavenças e polêmicas, o espírita precisa estar vigilante para não se deixar levar por discursos odiosos nas mídias…

Lista completa de matérias

 Crença única

 O ódio nas redes sociais – CARTA AO LEITOR – Junho 2016

 Desorientação

 Especialização em Pedagogia Espírita

 O verdadeiro espírita

 As três classes de espíritas

 O espírita e a disseminação do ódio nas redes sociais

 Parábola dos Trabalhadores da Vinha

 O melhor método de ensino espírita

 “Maktub”: o papel do Brasil perante o mundo

 Lágrimas

 Defesa x vingança

 A teoria espírita

 Energia sexual e namoro

 Bala perdida!?

 As frustrações nossas de cada dia

 Espiritismo, a ponte que unirá a todos

 A coragem de recomeçar

 Estudo espírita de “O Novo Testamento”

 Espiritismo: grandes aprendizagens

 Esquecimento do passado

 Olvido del pasado

 NOTÍCIAS E EVENTOS – Junho 2016 – RIE

 Julia Nezu cumpre roteiro no Japão

 Mediunidade no Evangelho no Distrito Federal

 22º Megafeirão do Livro atrai grande público em Santo André

 Educando pensamentos e emoções

 Jornal Mural

 Sobre os animais