Agosto | 2019

O Livro dos Espíritos – 160 anos

Adilton Pugliese |

santospugliese@hotmail.com

Etapa histórica da Doutrina Espírita.

 

“Acessível a todas as mentes, responde às questões básicas do pensamento, dirigindo todos para Aquele que é a Vida da vida.”[1]

Deolindo Amorim (1906-1984), em instrutiva aula proferida no Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB), referiu-se às cinco etapas da história da Doutrina Espírita que, “tendo sido constituída com base nos fenômenos, que já existiam, tomou o nome de Espiritismo”[2].

A primeira etapa, Deolindo considerou ser a do Magnetismo, datando seu início em 1854, porém campo de estudos acerca dos quais o professor Rivail se interessara desde o ano de 1823, “testemunhando muitos prodígios provocados pela ação do agente magnético”[3], sendo oportuno lembrar sua afirmação na Revista Espírita de março de 1858: “(...) O Magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira”[4].

Observação dos Fenômenos foi como o autor de Cadernos Doutrinários, Jorge Pedreira de Cerqueira, classificou a segunda etapa da história da Doutrina, ocorrida entre os anos de 1854 e 1855, quando o professor Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) passou a interessar-se pelos fenômenos chamados mesas girantes.

Pode também afirmar-se que as observações dessa fase, que o impactaram, levaram-no à conclusão de que tudo aquilo era a revelação de uma nova lei, qualquer coisa de sério, a intervenção de uma inteligência estranha, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade e toda uma revolução nas ideias e nas crenças[5].

A partir daí, Rivail começa seus estudos sérios de Espiritismo, considerando-o uma nova ciência, aplicando em suas observações e análises o método experimental, nunca elaborando teorias preconcebidas[6].

Em seguida a esses momentos de reflexões, Rivail passa a vivenciar a fase de envolvimento com os episódios paranormais e com as comunicações dos espíritos, considerando-os nada mais sendo do que as almas dos homens, e que não possuíam nem a plena sabedoria nem a ciência integral. Torna-se, então, frequentador assíduo das precursoras reuniões semanais que ocorriam em Paris, sobretudo na casa da família Baudin, à Rua de Rochechouart[7].

Participará, nesse período, de vários encontros depois de sua iniciação em 1854, quando naquele ano começara a receber informações dos amigos Fortier, Roger e Carlotti acerca das mesas girantes que se deixavam magnetizar, movimentando-se sozinhas, e que giravam, saltavam e corriam nos salões parisienses. E mais: uma vez magnetizadas, as mesas falavam; interrogadas, respondiam às perguntas das pessoas presentes à reunião com batidas no assoalho. “(...) Dizendo-se em voz alta o alfabeto, convidava-se o Espírito a indicar por raps [batidas, golpes secos] ou echoes, no momento em que fossem pronunciadas, as letras que, reunidas, deviam compor as palavras que queria dizer”[8]. Numa terça-feira do mês de maio de 1855, às 20 horas, vai participar, convidado pelo Sr. Pâtier, das experiências que ocorriam na residência da médium Sra. de Plainemaison, à Rua de la Grange Batelière, 18, em Paris, onde assistiu também “a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxilio de uma cesta”[9]. Essa reunião seria o ponto de partida dos labores missionários da Terceira Revelação.

Diversos acontecimentos se sucedem, fundamentais, naquela fase de preparação do líder do movimento que se avizinhava. Havia um futuro a ser em pouco tempo construído, para consolidação do cumprimento da promessa de Jesus acerca da vinda do Consolador, por Ele assegurado dezoito séculos antes, tal como registrara João em seu Evangelho (Jo 14:15 a 17).

Compulsando a agenda íntima de Rivail, e que faz parte do Livro das Previsões Relativas ao Espiritismo, previsões estas dadas a público em 1890 com a publicação do volume Obras Póstumas, tomaremos conhecimento do passo a passo das horas preliminares do nascimento da Doutrina Espírita no mundo, cujo marco fundamental ocorreria em 18 de abril de 1857, com o lançamento da primeira edição de O Livro dos Espíritos. Nasceria, também, naquele dia, Allan Kardec, nome que Rivail tivera em reencarnação no tempo dos druidas, e que escolhera para grafar a autoria colaborativa com os espíritos das obras da Codificação Espírita[10].

Para atingir esse momento culminante da missão, foi necessário e indispensável, além do envolvimento do missionário, escolhido por suas qualidades morais, fidelidade a Jesus no decorrer dos séculos e por ser possuidor de uma fé que, semelhante a um “muro de bronze, resistiria a todos os ataques”[11], que ele se comprometesse com a missão. Assim, em 12 de junho de 1856, ocorre o momento decisivo. Não havia tempo a perder. Na residência do Sr. Carlotti, atuando como médium a sua filha Aline Carlotti, o Espírito de Verdade confirma as informações que os espíritos vinham assinalando ao futuro Codificador, acerca do empreendimento. E diz-lhe: “(...) Não esqueças que podes triunfar, como podes falir”. “(...) A nossa assistência não te faltará”, enfatiza a Entidade Amiga. “(...) A missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos. Previno-te de que a tua é rude, visto que se trata de abalar e transformar o mundo inteiro”[12]. É comovente a prece de reverência e de súplica de Rivail ao Criador: “(...) Faça-se a tua vontade. (...) Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxilio e o amparo dos teus celestes mensageiros, tudo farei para corresponder aos teus desígnios”[13].

E, realmente, tudo fará para consolidar a missão. Motivado pelas orientações recebidas do Espírito de Verdade, e influenciado pelas elevadas presenças espirituais que formavam a plêiade de Espíritos Superiores que “dispensam assistência aos que servem a Deus”, a exemplo de João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg entre outros[14], inicia a terceira etapa do advento do Consolador: a Formação da Doutrina, que será concretizada na alvorada de 18 de abril de 1857, com a publicação, em Paris, de O Livro dos Espíritos e sua exposição na Livraria E. Dentu, na Galerie d’Orléans, no Palais Royal, contendo as respostas dos espíritos a inúmeros questionamentos de interesse da vida humana e da vida após a morte. Observa-se, contudo, por trás da sabedoria das respostas, a inteligência de quem formulou as primitivas 501 perguntas capitais e necessárias, diálogo entre o Céu e a Terra que permanece em surpreendente atualidade, oferecendo rumos e diretrizes ao ser humano inquieto e sem rumo, dominado pelo vazio existencial dos dias modernos.

Era o resultado da organização de várias anotações feitas ao longo de anos de estudos e da observação de fenômenos conduzidos por grupos precursores, tudo registrado em mais de cinquenta cadernos contendo comunicações dos espíritos. “(...) Rivail deu-lhes sequência lógica, emendou com outras comunicações recebidas por dezenas de outros médiuns psicógrafos e estabeleceu, por meio de perguntas e respostas, a estrutura básica do que viria a ser a pedra angular da nova ciência, filosofia e religião”[15].

Pode afirmar-se que O Livro dos Espíritos foi resultado do labor sistemático de Allan Kardec, com a assistência mediúnica direta das irmãs Baudin e da Srta. Japhet, esta última tendo participado também da revisão da obra.

Deolindo Amorim refere-se ainda às quarta e quinta etapas da história da Doutrina, às quais denominou, respectivamente, Desdobramento da Doutrina (1861 a 1868) e Etapa Complementar (1868 a 1869). Na quarta etapa surgiriam, a partir do epicentro que é O Livro dos Espíritos: O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868) “e outras três obras de caráter propedêutico, para neófitos: O Que é o Espiritismo, O Principiante Espírita e O Espiritismo na sua Expressão mais Simples”. Em 1860 viria a público a segunda edição de O Livro dos Espíritos, revista e ampliada, com 1.019 questões, em formato mantido até os dias atuais.

Antes de desencarnar, em 31 de março de 1869, Allan Kardec vai estabelecer diretrizes indispensáveis para a movimentação do Espiritismo no futuro. Escreve então o projeto Constituição do Espiritismo, que tem como uma de suas metas “(...) dar mais força aos que caminham de comum acordo para a realização do grande objetivo humanitário que o Espiritismo há de alcançar. Eles se conhecerão e se estenderão as mãos, de um extremo a outro do mundo”[16].

Pode afirmar-se que esse sonho do Codificador vem gradativamente realizando-se, desde a publicação de O Livro dos Espíritos, obra filosófica granítica da Doutrina Espírita, considerada pelo Dr. Bezerra de Menezes “(...) marco histórico da Nova Era de libertação de consciências e de testemunho da imortalidade (...)”[17].

Herculano Pires (1914-1979), na Introdução ao Livro dos Espíritos, que escreveu na tradução realizada para a Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), lembra que Sir Oliver Lodge (1851-1940), o grande físico inglês, uma das mais altas expressões da cultura científica do seu tempo, considerou o Espiritismo como uma nova revolução copérnica. E que Léon Denis (1846-1927), legítima expressão da cultura francesa, proclamou no Congresso Espírita Internacional de Paris, em 1925, e no seu livro Le Génie Celtique et le Monde Invisible, de 1927, que o Espiritismo tende a reunir e a fundir, numa síntese grandiosa, todas as formas do pensamento e da ciência[18].

Saudamos, assim, o Livro Imortal, nos seus 160 anos de existência.

 

  1. FRANCO, Divaldo. [Espírito Vianna de Carvalho], IN Reconhecimento a Allan Kardec. Organizado por Pugliese, Adilton; Chrispino, Álvaro. 1.ed. LEAL, p. 60.
  2. AMORIM, Delindo. Doutrina Espírita. 2.ed. Círculo Espírita da Oração, 2002, p. 30.
  3. WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Meticulosa Pesquisa Biobibliográfica, volume I. 1.ed. FEB, 1979, p. 102 e 103.
  4. KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos de março de 1858. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2004, p. 149.
  5. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 348 a 350.
  6. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 349.
  7. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 350 e 348.
  8. WANTUIL, Zêus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. 2.ed. FEB, 1978, p. 6.
  9. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 348.
  10. WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Meticulosa Pesquisa Biobibliográfica, volume II. 1.ed. FEB, 1979, p. 74.
  11. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 399.
  12. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 368.
  13. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 369.
  14. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos – Prolegômenos. 93.ed., Edição Histórica, FEB, 2013, p. 51.
  15. Biblioteca Época, Personagens que Marcaram Época, Allan Kardec. Autoria de Sebastião Aguiar, Editora Globo, 2007, p. 67.
  16. KARDEC, Allan. Obras Póstumas, Constituição do Espiritismo – Exposição de Motivos item X. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1.ed. FEB, 2009, p. 490.
  17. FRANCO, Divaldo [Espírito Bezerra de Menezes], IN Reconhecimento a Allan Kardec. Organizado por Pugliese, Adilton; Chrispino, Álvaro. 1.ed. LEAL, p. 62.
  18. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Herculano Pires. 40.ed. LAKE, 1980, p. 23.

abril | 2017

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