Dezembro | 2020

Em cada situação da vida, precisamos treinar a demonstração das marcas do Cristo

O que faria Jesus?

Sidney Fernandes

1948@uol.com.br

Os padrões educativos que Jesus nos legou podem ser aplicados em todas as particularidades do relacionamento social

 

A maior revolução espiritual registrada pela história da humanidade foi protagonizada por Jesus. As claridades por ele trazidas, sobretudo seus exemplos e atos, constituem seguro roteiro de aperfeiçoamento da vida terrestre.

Seis mil anos antes começou a enviar mensageiros e missionários, a fim de preparar a humanidade para as elevadas finalidades da vida. Sua mensagem, ilustrada por parábolas e advertências, continha as verdades gloriosas e eternas do determinismo do amor e do bem, lei de todo o Universo.

O semeador, contudo, sabia que não obstante os longos preparativos, a colheita não seria breve. As almas convidadas ao esforço regenerador teriam grande dificuldade de assimilação daquela mensagem, embora esta tivesse sido regada pelas palavras sábias e compassivas do Mestre.

Jesus resolveu convocar o Espírito luminoso e enérgico de Paulo de Tarso. Graças à sua fibra, dedicação, fidelidade ao Cristo e determinação, a mensagem cristã se espalhou por todo o Mediterrâneo, ganhando contornos de universalidade. De igreja em igreja, de cidade em cidade, o convertido de Damasco inflamou corações e, com suas epístolas, tornou o Cristo conhecido por todo o planeta Terra.

Mesmo com o extraordinário trabalho desenvolvido por Paulo, filósofos, homens de grande saber e emissários que vieram coadjuvar a grande obra constataram gradativo afastamento da mensagem cristã.

Da parte dos religiosos, nasceram a corrupção e a deturpação dos conceitos cristãos.

Da parte do povo, o esquecimento, o desprezo pelas leis divinas e a procura da salvação por meios menos complicados que a transformação interior e a luta contra os maus sentimentos.

Mecanismo criado em meados da Idade Média, as indulgências consistiam na remissão completa dos pecados cometidos, através de pagamento monetário. Após adquirir uma indulgência, o comprador estaria com seu lugar garantido no céu.

A partir do século XIV, essa forma de ganho financeiro passou a ser execrada por homens de bem, destacando-se John Wycliffe, na Inglaterra, Jan Huss, na Boêmia e, já no século XVI, o monge agostiniano Martinho Lutero.

Ademais, a história da humanidade registrou os nomes de vários filósofos que se propuseram a completar a mensagem do Cristo, na condição de consolador prometido. Um dos mais conhecidos foi Maniqueu, filósofo cristão do século III, de origem iraniana. Quando jovem, teve uma visão em que o seu anjo protetor recomendou que se afastasse do mundo para receber a revelação de uma nova religião, que purificaria as mensagens até então recebidas pelos profetas e religiosos.

A principal preocupação de Maniqueu era restaurar os preceitos de Zoroastro, Buda e Jesus, que, segundo seu entendimento, haviam sido esquecidos e desprezados. Sua filosofia se inspirou, principalmente, em Zoroastro, que nasceu por volta de 630 a.C., também se encontrou com um anjo e teve a visão da luta cósmica entre as forças do bem e do mal, além da ressurreição dos mortos e da vida após a morte.

Segundo Maniqueu, o mundo estaria dividido entre o bem e o mal. Não haveria meio-termo, nem qualquer esperança ao que tivesse assumido intrinsecamente a condição de mau.

A esse respeito, Emmanuel pondera que a sociedade humana jamais poderia operar a divisão de si própria, como sendo um campo em que se separam bons e maus. A Doutrina Espírita ensina que nenhuma só alma está irremediavelmente perdida, inexistindo, portanto, as chamadas penas irremissíveis.

Todos pertencemos a uma mesma família composta, de um lado, por aqueles que já começaram a compreender o Pai, e do outro, por aqueles que ainda não conseguiram pressenti-Lo, mas que, com o indefectível progresso a que todos estamos sujeitos, um dia O acalentarão em seus corações.

Todavia, as ideias maniqueístas se espalharam pelas fronteiras com a China e pelo norte da África. Não obstante terem sido combatidas pela Igreja como heréticas, permaneceram vivas durante a Idade Média e perduram em alguns círculos religiosos até os dias atuais. A sobrevivência desses conceitos, especula-se, deve-se ao fato de ter sido defendida durante muito tempo por Agostinho de Hipona, o nosso querido Santo Agostinho, antes de aceitar a Doutrina Cristã.

Diga-se, de passagem, que a expressão maniqueísmo se alargou de tal forma que hoje atinge também os campos político, econômico e social. Destacar, por exemplo, os defeitos de uma pessoa a ponto de considerá-la irrecuperável, sem cogitar de suas qualidades, é demonstração do pensamento maniqueísta.

A única maneira de quebrar a barreira do radicalismo que se estabeleceu e dividiu a humanidade em dois rebanhos — bons e maus — seria com a recuperação da moral de Jesus. Resgatar a moral do Cristo, contudo, exige a vivência dos padrões do Evangelho.

O ideal cristão é de enunciado muito simples. Ensina André Luiz que com dez minutos de leitura do Evangelho teremos um roteiro para toda a vida. Esses minutos poderão ser reduzidos a alguns segundos, diante deste maravilhoso enunciado:

Tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o assim também a eles.

Nesse contexto, no final do século XIX, mais precisamente em 1896, Charles M. Sheldon publicou a história do reverendo Henry Maxwell, pastor evangélico. Diante da chegada de um indigente, ele sacudiu sua igreja pelo desafio de exercitar o amor ao próximo, com a seguinte pergunta dirigida a todos os componentes da elitizada congregação:

Em meus passos, o que faria Jesus?

Essa fundamental pergunta da literatura cristã atravessou décadas e chegou aos nossos dias.

Um dos textos mais maravilhosos de Richard Simonetti, que depois se tornou palestra e capítulo de um de seus livros, denominou-se Função Social do Evangelho. Nele, o autor faz o mesmo desafio do reverendo Maxwell, com o objetivo de restabelecer os valores do Cristo e superar a indiferença dos homens em relação aos textos evangélicos. A fim de vencer a barreira levantada entre os homens, que os dividiria entre bons e maus, Simonetti traz o inquietante desafio:

Diante das diferenças sociais, das ainda frequentes palavras maldade e perversidade, definindo atitudes mentais inferiores, diante do crime, da carência, da corrupção e da injustiça, o que faria Jesus em meu lugar?

Essa instigante indagação teve como objetivo emitir um brado de alerta ao indivíduo, diante das situações da vida, convidando-o a seguir os passos do Cristo e a buscar uma melhor maneira de viver.

A uns, esse convite soou como estímulo à caridade; a outros, como um impulso para lutar pelo resgate dos oprimidos; para todos, representou um chamado à transformação pessoal.

Será sempre, contudo, um questionamento sobre como temos aproveitado as oportunidades que Deus nos concedeu nesta existência e se não devemos renunciar àquilo que consideramos mais valioso, em nome de um bem maior.

Nesse tema, destacou-se a semeadura de Simonetti para a transformação do ser humano, de quem se espera o despertamento espiritual que promove profundas mudanças sociais.

O tema Função Social do Evangelho, evocando Jesus como testemunha ocular dos passos humanos, transmitiu valores de solidariedade e desapego para todos que ainda estão emaranhados nas teias do isolamento e do egoísmo.

O que faria Jesus em nosso lugar?

Quando o Cristo nos convida a orar pelos que nos perseguem e caluniam (Mateus, 5:44), não estamos diante de mera retórica do Mestre. Prova disso é que, no madeiro infame, não hesitou em rogar a Deus que perdoasse seus executores:

Não sabem o que fazem.

Em cada situação da vida, precisamos treinar a demonstração das marcas do Cristo. Os padrões educativos que Jesus nos legou podem ser aplicados em todas as particularidades do relacionamento social. Ensina-nos Emmanuel que o Evangelho nos permite encontrar as marcas do Cristo nos mais diversos quadros:

Junto ao trabalho, à simplicidade, ao pecado, à pobreza, à alegria, à dor, à glorificação e ao martírio.

Em cada posição da vida e nas ações mais comuns vamos encontrar os registros de Jesus.

Diante do maniqueísmo, isto é, dos extremismos que ainda vigoram em nosso planeta, diz Emmanuel, lembrando Santo Agostinho:

Quando termine cada dia, passa em revista as pequeninas experiências que partilhaste na estrada vulgar. Observa os sinais com que assinalaste os teus atos, recordando que a marca do Cristo é, fundamentalmente, aquela do sacrifício de si mesmo para o bem de todos.

Emmanuel finaliza sua exegese lembrando que não devemos cruzar os braços diante do mal, mas devemos amparar o homem caído:

Muita gente acredita que o “homem caído” é alguém que deve ser aniquilado. Jesus, no entanto, não adotou essa diretriz. Dirigindo-se amorosamente ao pecador, sabia-se, antes de tudo, defrontado por enfermo infeliz, a quem não se poderia subtrair as características de eternidade.

O Mestre indicou o combate constante contra o mal, contudo, aguarda a fraternidade legítima entre os homens por marco sublime do Reino Celeste.

Diante da grandiosidade da mensagem cristã, transplantada por Jesus de mundos superiores, e do reavivamento de sua moral proporcionado pela Doutrina Espírita, resta-nos indagar a nós mesmos:

O que temos feito das oportunidades que as inúmeras existências nos têm proporcionado?

Podemos afirmar que ocorreu a nossa transformação íntima e já estamos vencendo nossas imperfeições?

Já conseguimos superar o ódio e o ressentimento?

Somos hoje criaturas melhores que ontem?

Se formos chamados à espiritualidade agora, voltaremos melhores do que chegamos?

Ou ainda estamos confundindo religiosidade com presença em templos religiosos?

Aprendemos a ouvir a voz do Cristo, a quem chamamos de Mestre e Senhor, que fazia do espírito de serviço a sua igreja e da prática do bem a sua oração?

Já estamos colocando Jesus em nosso lugar e fazendo exatamente o que ele faria em idênticas circunstâncias?

Se essas fundamentais perguntas foram respondidas satisfatoriamente, então já podemos dizer que estamos começando a aprender a seguir os passos do Mestre.

 

- SIMONETTI, Richard. Paz na Terra.

- SIMONETTI, Richard. Uma Razão para Viver.

- SIMONETTI, Richard. Abaixo a Depressão.

- SIMONETTI, Richard. A Voz do Monte.

- SHELDON, Charles M. Em seus passos o que faria Jesus?

- XAVIER, Francisco Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel.

- XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso. Pelo Espírito Emmanuel.

- XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel.

dezembro | 2020

MATÉRIA DE CAPA

RIE – dezembro/2020

O ideal cristão é de enunciado muito simples

Lista completa de matérias

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 Carta ao Leitor – dezembro/2020

 Família é afetividade

 O que Deus quer que aprendamos com as provas do caminho? – Entrevista com Eden Lemos

 Parada forçada

 Nova modalidade de obsessão

 A relação entre a pandemia e trabalhadores de frigoríficos

 Casamento homoafetivo e Doutrina Espírita

 A fugaz transitoriedade do engodo

 Geografia da reencarnação e Papai Noel

 Terceiro ano da “Revista Espírita”

 O que faria Jesus?

 As várias faces da pena de morte

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 Um pouco mais sobre a Lei de Ação e Reação

 Formas mentais vivificadas

 Filosofia espírita: proposta integral de existência

 Herculano Pires interpreta Kardec e Emmanuel

 O berço da alma

 A Suécia e a Espiritualidade

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