Junho | 2020

Pandemia e os sinais dos céus

David Liesenberg

dliesenberg@gmail.com

Em 1918 o mundo vivenciou a última pandemia, e o jornal “O Clarim” registrou

 

“Peste e Guerra.” Esta curta frase intitulou uma notícia publicada no jornal O Clarim de 16 de fevereiro de 1918. A informação vinha de Recife, Pernambuco:

“(...) depois de forte trovoada, foram vistas no céu letras ígneas formando as palavras ‘peste e guerra’.” O fenômeno, que segundo o relato foi presenciado por várias pessoas, voltou às páginas de O Clarim na semana seguinte, 23 de fevereiro de 1918. Desta vez foi notícia de capa.

Além do fenômeno descrito em Pernambuco, o autor, que se assinou com as iniciais B. M., relata outro fenômeno semelhante ocorrido em São Carlos, interior paulista. Diferente da frase que iluminou os céus de Recife, a frase escrita em letras de fogo era “PAZ NA TERRA”. O autor fez as suas considerações:

“Diz o Evangelho que, quando viessem os últimos tempos, apareceriam sinais nos céus. E os sinais estão aparecendo nos céus, que indicam chegados os últimos tempos.”

De fato, o mundo vivenciava a Primeira Guerra Mundial. Iniciada em julho de 1914, a Grande Guerra durou até novembro de 1918, ocasionando a morte de mais de nove milhões de pessoas. Desta vez, ainda, o mundo não estava vivenciando seus últimos tempos.

Todavia, os céus estavam mandando avisos. Numa época em que não existiam celulares, as pessoas contemplavam mais o Céu.

O que as curtas frases flamejantes queriam dizer? Seriam algum aviso sobre uma peste? Ou uma súplica de paz?

No mês seguinte à notícia publicada n’O Clarim, março de 1918, os espíritas conheceriam o significado da primeira frase: uma gripe com características avassaladoras chegava ao mundo, entrava no cenário da guerra, atingindo militares e civis. Consequentemente, a segunda frase que iluminou os céus, “PAZ NA TERRA”, fazia muito sentido.

Contaminando pessoas de todas as idades, mas principalmente jovens e adultos, a chamada Gripe Espanhola[1] começava como uma gripe normal: dor de cabeça, febre alta, cansaço e mal-estar. Rapidamente os sintomas evoluíam com o surgimento de manchas no rosto, pele azulada, falta de ar, hemorragias, tosse com sangue. Num tempo em que não existiam antibióticos nem sistema de saúde desenvolvido, em pouco tempo o paciente morria. A maioria das mortes eram provocadas por pneumonia, mas o vírus também causava mortes por hemorragias e edemas nos pulmões.

As péssimas condições de higiene da época, agravadas pela situação de guerra, com a movimentação de tropas pelo globo, contribuíram para que a contaminação alcançasse, com agilidade, nível mundial, tornando a Gripe Espanhola, segundo indicam os números, a maior e mais devastadora doença do século XX. Com uma população mundial de aproximadamente 1,9 bilhão de pessoas, a estimativa é de que a pandemia atingiu um quarto da população do globo, em torno de 500 milhões de pessoas, e matou de 50 a 100 milhões delas. Os números divergem em vários estudos, por isso não há dados definitivos.

Entre março e novembro de 1918 registrou-se o maior ciclo de contaminação; esta diminuiu abruptamente depois desse período.

No Brasil, os registros históricos indicam que a Gripe Espanhola chegou em setembro de 1918, pela mesma cidade do Recife, onde, alguns meses atrás, chegara o recado flamejante dos céus. A partir dela, o contágio estendeu-se para todo o país, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

Como não existia cura para a doença, os médicos procuravam amenizar os sintomas, na expectativa de que os pacientes reagissem. Porém, uma boa parte dos contaminados sucumbia rapidamente.

As autoridades recomendaram à população evitar aglomerações, determinando o fechamento de escolas, fábricas, cultos religiosos, bares, cancelamento de eventos, mas acima de tudo alertavam para os cuidados com a higiene.

Em Matão não foi diferente. Cairbar Schutel, que administrava o respeitado jornal O Clarim, uma gráfica, a Farmácia Schutel e ainda o Centro Espírita Amantes da Pobreza, precisou fazer algumas mudanças nas reuniões:

“Em virtude das solicitações do Governo para prevenir o ataque da epidemia reinante, a diretoria deste Centro resolveu realizar suas sessões dominicais às 5 horas da tarde, em vez das 8 da noite, como vinha fazendo.” (O Clarim, 26/10/1918.)

Conforme registro em edições seguintes, essas reuniões eram realizadas ao ar livre, para aproveitar a luz do dia e manter o ambiente mais seguro.

Os espíritas do Rio de Janeiro mandavam notícias sobre a pandemia, que eram publicadas pelo jornal matonense. Alguns infectados enviavam receitas mediante as quais se teriam curado da gripe.

A FEB (Federação Espírita Brasileira), cuja sede era no Rio de Janeiro, ampliou o seu serviço de receituário de medicamentos, que funcionava por intermédio de comunicações mediúnicas. Muito procurado à época, esse trabalho assistencial contabilizou um aumento significativo de receitas, predominantemente homeopáticas.

Assim se expressou O Clarim de 23 de novembro de 1918:

“Na fase acentuada da moléstia, dava [a FEB] diariamente cerca de 3.000 fórmulas que eram aviadas gratuitamente na Farmácia de dita sociedade. Todos os empregados ficaram doentes, sendo substituídos pelos sócios, que se esforçaram para bem servir os clientes.”

A mesma edição dedicou meia página homenageando um grande espírita que partia pelo contágio da Gripe Espanhola, Eurípedes Barsanulfo. Tendo trabalhado incansavelmente em favor dos doentes da terrível doença, acabou a ela sucumbindo.

Naquela época não havia sistema de saúde público — este só se tornou universal com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, estabelecendo a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Faltavam médicos e leitos hospitalares para atender o acúmulo de casos que aumentavam descontroladamente. Consequentemente, a quantidade de mortos também extrapolou a capacidade dos cemitérios. Não havia caixões suficientes. Estima-se que a Gripe Espanhola vitimou 35 mil brasileiros. A população era de aproximadamente 30 milhões de habitantes.

Passados 102 anos da última pandemia, aqui estamos nós, conectados aos nossos dispositivos fixos ou móveis, em isolamento ou não, acompanhando o desenvolvimento de uma nova pandemia, a da Covid-19.

Em nível mundial, os números desta pandemia são inusitados, assustadores, espalhando medo e insegurança nunca vistos.

Nesta pandemia ainda não se noticiou nada sobre sinais flamejantes nos céus. Agora os sinais circulam dentro dos nossos aparelhos eletrônicos. Várias comunicações espirituais aparecem nas redes sociais, muitas delas respeitáveis, mas outras tantas com assinaturas de “Espíritos de escol”, ou subscritas simplesmente por “autor desconhecido”. Há que se utilizar o bom senso, sempre, na interpretação dessas mensagens, por mais úteis que possam parecer.

Folheando O Livro dos Espíritos, no Capítulo 6 do Livro Terceiro, denominado “Lei de Destruição”, vamos encontrar a pergunta 737. Perguntam os Espíritos:

“Com que fim Deus castiga a Humanidade com flagelos destruidores?” E os Espíritos respondem: “Para fazê-la avançar mais depressa. (...) A destruição é necessária para a regeneração moral dos Espíritos, que adquirem em cada nova existência um novo grau de perfeição. (...) Esses transtornos são frequentemente necessários para fazer com que as coisas cheguem mais prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria de muitos séculos.”

Em Obras Póstumas encontramos o texto intitulado “Regeneração da Humanidade”, com importantes reflexões:

“Não tomeis, porém, os sinais anunciados, senão como figuras, que precisam ser compreendidas segundo o espírito e não segundo a letra. Todas as Escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria e, por se terem apegado à letra, é que os comentadores se transviaram.

“(...) Não olheis para o céu em busca dos sinais precursores, porquanto nenhum vereis, e os que vo-los anunciarem estarão a enganar-vos. Olhai em torno de vós, entre os homens: aí é que os descobrireis.”

O Espiritismo orienta que a Terra deve transformar-se gradativamente da condição de mundo de provas e expiações para um novo patamar, de regeneração. Esse movimento ocorre como parte da evolução.

Este assunto pode ser bem compreendido em O Livro dos Espíritos, Livro II, Capítulo 4, “Pluralidade das Existências”, perguntas 172 e seguintes.

Independentemente dos sinais que recebemos, precisamos seguir as orientações do Alto, fortalecendo a nossa fé, aceitando os desafios e lutas que sempre irão fortalecer o nosso Espírito.

 

  1. Com a Primeira Grande Guerra em curso, muitos países impunham censura à imprensa por questões estratégicas. A Espanha, que era neutra no conflito e livre de censura, cobriu e destacou a o avanço da gripe pelo mundo. Esse destaque da imprensa espanhola à pandemia resultou na denominação de “gripe espanhola”. A origem da gripe, segundo estudos, teria sido nos Estados Unidos.

julho | 2020

MATÉRIA DE CAPA

RIE – julho/2020

Em meio à pandemia de 1918, mensagens foram vistas no céu

Lista completa de matérias

 O fim do mundo em 1911

 Carta ao leitor – julho/2020

 O mal existe?

 O pensamento espírita não é cristalizado – Entrevista com Simão Pedro de Lima

 Heróis

 As causas da obsessão e seu tratamento

 Não há cura sem esforço pessoal

 Por que as pessoas desistem da Doutrina Espírita

 Sentimentos e afetividade

 A luta entre o passado e o futuro

 Notórios absurdos

 O espírita na política

 Covid-19, uma mensagem à humanidade

 Ensinamentos de Jesus

 Durante o sono…

 Adolescência e morte

 Pandemia e os sinais dos céus

 Os marcos históricos da Casa do Caminho

 As revelações de Swedenborg

 Hermínio Miranda e “A História Triste”

 Calcanhares de Aquiles

 Movimento espírita: erro de “briefing”

 Bendigamos

 O novo normal na infância

 Las referencias históricas de la Casa del Camino