Agosto | 2024

Planejamento reencarnatório e planejamento familiar

Ailton Gonçalves Carvalho

ailtoncarval@gmail.com

Deus nos outorgou a inteligência para compreensão e emprego de Suas Leis e o raciocínio deve ser o direcionador de todas as ações do Espírito

 

Em Gn (1:28) lemos que Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.

A interpretação literal desta passagem faz muitos casais acreditarem que, para Deus, quanto mais filhos, maior é a fé. É a vontade d’Ele sendo cumprida através do que entendem ser o único objetivo da relação sexual: a reprodução. Essa prática, em muitos casos, transforma famílias em fábricas de filhos; muitos pais, enfrentando dificuldades para criá-los e por não conseguirem mantê-los com o básico necessário, abandonam-nos como se fossem objetos descartáveis e também sonegam o afeto, fazendo com que muitas crianças se tornem órfãs de pais vivos.

O Espiritismo ensina que Deus não impõe aos Espíritos, quando reencarnam, provas ou expiações. São livres para escolherem o gênero de provas que melhor se adapte às suas necessidades de elevação intelecto-moral. Pedem e até imploram para nascer numa determinada cidade, ter esta ou aquela profissão; fazer parte de uma família específica com certa quantidade de filhos; ser rico ou pobre; possuir um corpo físico perfeito ou deficiente; entre outras possibilidades. É a programação reencarnatória, organizada com anuência dos amigos espirituais ou imposta por estes quando o Espírito reencarnante não possui o amadurecimento necessário para decidir. Importante frisar que, para a formação da família, é necessária uma negociação envolvendo outros agentes interessados; portanto, não é aleatória e unilateral.

Renascendo, o Espírito recebe as bênçãos do esquecimento. Entretanto, os protetores espirituais ajudam na caminhada sem interferir diretamente na tomada de decisão pessoal, intuindo-o. Conviver com o outro, na existência física, especialmente no lar, é uma dádiva concedida por Deus, oportunizando a cada ser espiritual desenvolver sentimentos nobres, sobretudo por aqueles que jornadeiam com ele na mesma linhagem consanguínea, uma vez que os agrupamentos familiares são compostos, preferencialmente, de Espíritos amigos com necessidades de ajustes afetivos e por inimigos para os reajustes sentimentais. Quando Jesus questionou quem é minha mãe e quem são meus irmãos? (Mt, 12:46–50), ao ser informado da presença deles numa pregação, ensinou a diferença entre parentela e família. A primeira é criada e pautada unicamente pela relação consanguínea e a segunda sobrepõe ao sangue, perpetuando-se no espaço por ser constituída pelos laços indestrutíveis do amor.

Muitos espíritas, partindo da premissa da inexistência do acaso, defendem a ideia da não preocupação, por parte do casal, em planejar, no orbe, a quantidade de filhos, em razão de o projeto ser escolhido e organizado na espiritualidade. É de suma importância frisar que programação reencarnatória não é destino imutável, tampouco impõe um determinismo absoluto. Por ter liberdade para agir, o Espírito, através do livre-arbítrio, pode alterar para melhor ou pior sua existência nesta vida e nas posteriores.

Um determinado casal programa ter cinco filhos e, devido às dificuldades socioeconômicas, resolve ter apenas três. Da mesma forma, outro casal programa ter apenas dois filhos, porém concebe quatro ou mais. Planejar não impõe obrigatoriedade em realizar e a consequente impossibilidade de modificar. Planejamento familiar ou planejamento reprodutivo são ações que regulam a fecundidade, auxiliando as pessoas a prever e controlar o quantitativo de filhos; é um processo aceito pelos Espíritos amigos.

Joanna de Ângelis nos fala que “O homem — em sua privilegiada posição de Espírito que vê as duas faces da existência humana, a visível e a invisível — pode e deve programar a família que lhe convém ter, o número de filhos e o período propício para a maternidade, mas jamais se eximirá aos imperiosos resgates que deve enfrentar, tendo em vista seu próprio passado”.[1]

Os consortes devem compreender que, quando comungam no mesmo desejo e propósito de possuírem uma determinada quantidade de filhos, antes da união matrimonial, são os benfeitores espirituais lembrando-os do arranjo reencarnatório construído no mundo espiritual, e interromper a gravidez sem um motivo justo, como um problema de saúde, acarretará sérios problemas obsessivos na vida atual e nas próximas reencarnações. Estamos diante de Leis que não podem ser ludibriadas a bel-prazer pela insensatez humana sem que haja uma resposta específica em consonância com o delito. É a lei de causa e efeito.

Alerta-nos Emmanuel: “(...) nos encaminhamos, cada vez mais, para uma participação sempre mais ampla do Estado na assistência à família e muito particularmente à criança, em vista dos problemas que a criação de alguém que chega à Terra envolve na atualidade. Precisamos solucionar muitas questões de assistência, de instrução, de manutenção, de orientação no lar e no grupo social, e, portanto, o casal tem o direito perante as leis divinas a considerar essas possibilidades. É muito melhor considerar essas possibilidades do que entrar pela perpetração do delito do aborto, de vez que o aborto traz consequências ruinosas claramente deploráveis no corpo espiritual da criatura”.[2]

Richard Simonetti, no livro Atravessando a Rua, relata o caso de Susie e Jonas, que interromperam três nascimentos baseando-se em decisões pessoais e passaram a ser perseguidos por dois desses Espíritos, perdendo a oportunidade de ajustamento afetivo conforme esquematização na vida espiritual.

Jorge Andréa ensina que “(...) na maioria das vezes, os Espíritos, quando vêm para a reencarnação, de há muito já estão em sintonia com o cadinho materno. Se os canais destinados à maternidade são neutralizados e fechados, é claro que haverá distúrbios, principalmente no psiquismo de profundidade, isto é, na zona inconsciente ou espiritual, onde as energias emitidas por essas fontes não encontram correspondência em seu ciclo”.[3]

Os filhos derivam de pactos ajustados no mundo espiritual entre os futuros pais, mas não é aconselhável deixar os acontecimentos gestacionais por conta da natureza (engravidar a cada ato sexual), caracterizando-se isto como insensatez, imprudência ou deseducação sexual. Deus nos outorgou a inteligência para compreensão e emprego de Suas Leis e o raciocínio deve ser o direcionador de todas as ações do Espírito. Não fosse a capacidade de pensar para agir, o ato de procriar ininterruptamente seria justificado como sendo da vontade de Deus.

Os filhos derivam de pactos ajustados no mundo espiritual entre os futuros pais, mas não é aconselhável deixar os acontecimentos gestacionais por conta da natureza (engravidar a cada ato sexual), caracterizando-se isto como insensatez, imprudência ou deseducação sexual

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, falando sobre a lei de reprodução, questiona os benfeitores espirituais acerca desse procedimento: “As leis e os costumes humanos que têm por objetivo pôr obstáculo à reprodução, são contrárias às leis naturais? — Tudo que entrava a marcha da natureza é contrária à lei geral”.[4] “Deus concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode, pois, regular a reprodução, de acordo com as necessidades. A ação inteligente do homem é um contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. Mas, os mesmos animais também concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto o instinto de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à própria conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso, das espécies animais e vegetais de que se alimentam”.[5]

Ao optar pelo uso de um método contraceptivo, com a finalidade precípua de não engravidar ou evitar uma IST (Infecção Sexualmente Transmissível), é de suma importância que a decisão esteja pautada na necessidade. Existem os métodos de barreira (DIU, preservativo, diafragma, pomadas); os hormonais (pílulas, implantes subcutâneos, anticoncepcional injetável); os cirúrgicos (ligadura das trompas e vasectomia) e os comportamentais (tabelinha, coito interrompido, dias fixos, anticoncepção de emergência e pílula do dia seguinte). Diante de tantas possibilidades, sugerimos que se evite a pílula do dia seguinte (considerada por muitos médicos como abortiva) e os métodos cirúrgicos, estes devido à complexidade da reversão, o que pode impossibilitar uma futura gravidez caso o casal se arrependa e decida engravidar. Nunca é tarde para lembrar que a intenção agrava ou atenua as faltas do Espírito encarnado.

O Espírito André Luiz ensina que “atravessamos experiências consanguíneas, na Terra, para adquirir o verdadeiro amor espiritual. Aliás, é indispensável reconhecer que só existe um Pai realmente eterno, que é Deus; mas o Senhor da Vida nos permite a paternidade ou a maternidade no mundo, a fim de aprendermos a fraternidade sem mácula. Nossos lares terrestres são cadinhos de purificação dos sentimentos ou templos de união sublime, a caminho da solidariedade universal”.[6]

 

  1. FRANCO, Divaldo Pereira. Após a Tempestade. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. LEAL. Cap. 10.
  2. CÂNDIDO, Francisco Xavier. Pinga Fogo com Chico Xavier. GOMES, Saulo (org.). INTERVIDAS, 2009. Questão 182.
  3. SANTOS, Jorge Andréa dos. Forças Sexuais da Alma. 2.ed. FEB. Capítulo V.
  4. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 177.ed. IDE, 2008. Questão 693.
  5. Ibidem. Questão 693a.
  6. CÂNDIDO, Francisco Xavier. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 56.ed. FEB, 2006. Capítulo 30.

 

O autor é pedagogo, orientador educacional e especialista em Educação Sexual. É palestrante espírita em Brasília.

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