Julho | 2019

Pobreza: desigualdades sociais sob a ótica espírita

Marcos Paterra |

marcos.paterra@gmail.com

Origem está na ganância do ser humano

 

Diz um ditado popular: “Os ricos cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres.” Um relatório produzido por mais de 100 pesquisadores da Escola de Economia de Paris (PSE), coordenados pelo economista Thomas Piketty[1], concluído em dezembro de 2017, confirmou o Brasil no topo das nações com maior desigualdade social no mundo. Segundo o estudo, os 10% mais ricos da sociedade brasileira concentraram 55% de toda a riqueza produzida em 2016, enquanto 12% foram parar nas mãos dos 50% mais pobres. A classe média, que representa 40% da população, agregou 32% do total. Os números indicam que o país só perde para as nações do Oriente Médio e está ao lado da Índia entre os que mais concentram renda.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ainda existem 43 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, isto é, quem tem renda suficiente apenas para comprar comida. Os que têm menos ainda, classificados em condição de pobreza extrema, atingem 7% da população, e este grupo cresceu 11% no Brasil de 2012 a 2017. Conforme a Fundação Abrinq[2] a pobreza atinge 17,3 milhões de crianças e jovens brasileiros com até 14 anos.

De acordo com a linha de extrema pobreza estabelecida pelo Banco Mundial, usada para comparações internacionais, 13,4 milhões de brasileiros, 6,5% do total, vive com menos de US$ 1,90 por dia – R$ 6,50, aproximadamente, na cotação recente. Thomas Piketty defende que cidadãos e governos são responsáveis por suas decisões e pelas consequências de suas políticas. Sob esse prisma, Jean Jacques Rousseau[3] alertou ainda no século XVII:

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.”[4]

Rousseau, na obra O Contrato Social[5], de 1762, fala sobre a “Teoria da Vontade Geral”, onde deixa claro que o povo fica submisso à vontade da minoria no poder, e que isso gera, entre outras coisas, a desigualdade social.

Sob a ótica espírita podemos afirmar que a desigualdade social é proveniente do próprio homem, pois para Deus todos somos iguais. Isso fica bem claro em O Livro dos Espíritos[6], capítulo IX:

“803. Perante Deus, são iguais todos os homens?

“Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez suas leis para todos. Dizeis frequentemente: ‘O Sol luz para todos’ e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.”

Kardec acrescenta seu comentário a esta questão: “Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade.”

E na questão 806 fica enfatizada a origem da desigualdade:

“806. É lei da natureza a desigualdade das condições sociais?

“Não; é obra do homem e não de Deus.”

Sabemos que a desigualdade é criada pelo próprio homem, em sua ganância de possuir bens materiais, de empilhar e de abusar do próximo com fins de lucro. Na questão 807 vemos as consequências disso:

“807. Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de suas posições sociais, para, em proveito próprio, oprimir os fracos?

“Merecem anátema[7]! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de sofrer tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.”

Muitos leitores podem questionar as causas de pessoas sofrerem com as misérias, de viverem na pobreza. Em resposta abordamos a questão 814 de O Livro dos Espíritos:

“814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria?

Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com frequência.”

Focamos, então, sob o ponto de vista reencarnacionista e encontramos na obra O Evangelho Segundo Espiritismo[8]:

“O Espiritismo nos mostra outra aplicação desse princípio nas encarnações sucessivas, onde aqueles que mais se elevaram numa existência, são abaixados até o último lugar na existência seguinte, se deixaram dominar pelo orgulho e a ambição.

“Não procureis, pois, o primeiro lugar na Terra, nem queirais sobrepor-vos aos outros, se não quiserdes ser obrigado a descer. Procurai, pelo contrário, ser o mais humilde e o mais modesto, porque Deus saberá vos dar um mais elevado no céu, se o merecerdes.”

Em A Gênese[9], Kardec ensina: “(...) na reencarnação desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade”.

Em resumo, nada ocorre ao acaso. Devemos deixar claro que nosso planeta é – ainda – de expiação e os que aqui reencarnam trazem em si mazelas de outras encarnações, porém a desenvoltura a cada reencarne, o livre-arbítrio e o auxílio dos bons Espíritos abrem novas fronteiras para que aguentemos firmes as provas e expiações de laboratório magnifico que é a vida. Contudo, se deixarmo-nos abater e vibrarmos negativamente, atrairemos Espíritos condizentes com essa vibração que vão só piorar nosso estado e levarão nossos pensamentos a reincidirem nos erros de vidas anteriores.

Outra pergunta pertinente dos leitores é “até quando essa desigualdade prevalecerá?”. Bem, essa questão também está em O Livro dos Espíritos no subitem da questão 806:

“a) Algum dia essa desigualdade desaparecerá?

“Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que dia a dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade do merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social.” (grifo nosso)

A Doutrina Espírita, pelo ensino através dos diálogos com Espíritos e apreciação do farto material de pesquisas que estes propiciam (livros psicografados, mensagens em mesas mediúnicas etc.), pelos princípios filosóficos e morais que apresenta, nos ajuda a entender as conotações mais abrangentes da realidade do mundo e do ser... do ser integral!

 

  1. Thomas Piketty: economista francês e autor mais vendido da história da economia. Seu livro O capital no século XXI chegou ao topo das listas de mais vendidos.
  2. ABRINQ – Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo: tem como objetivo mobilizar a sociedade para questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência.
  3. Jean Jacques Rousseau (1712-1778): filósofo, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata.
  4. ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2002.
  5. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social ou Princípio do direito político. Tradução de Ciro Mioranza. Série Filosofar. São Paulo: Editora Escala Educacional, 2006.
  6. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
  7. Anátema: reprovação enérgica.
  8. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires. São Paulo: LAKE, 2003.
  9. KARDEC, Allan. A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2007.

junho | 2018

MATÉRIA DE CAPA

RIE – junho/2018

Fruto do egoísmo e da ambição, a desigualdade social é proveniente do homem, que explora o semelhante para benefício próprio.

Lista completa de matérias

 Destruição mútua – EDITORIAL RIE – Junho 2018

 Pobreza – CARTA AO LEITOR – Junho/2018

 Overdose e doação de órgãos

 A melhora contínua caracteriza o espírita

 Nossa gratidão a José Luiz Condotta

 Bom senso

 O Império e os primeiros seguidores do Cristo

 Caprichos da sorte?

 Malevolência, má-fé e interesses subalternos

 É o passe, rompendo barreiras

 Revelações

 Pobreza: desigualdades sociais sob a ótica espírita

 A segunda morte existe?

 Maria, simplesmente Maria!

 Cairbar, Yvonne e Eurípedes

 Sob o amor do Cristo: A transformação de Maria de Magdala

 Espiritismo pós-contemporâneo

 Como estamos lidando com a questão da confiança na atualidade?

 É tempo de esperança

 As tempestades da vida

 A Eterna Mensagem do Monte

 Cuidemos do desencarne

 Cuidemos del desencarne

 NOTÍCIAS E EVENTOS – Junho 2018 – RIE

 Homenagens a Benedita Fernandes

 Câmara Municipal de São Paulo homenageia espíritas

 Vida noturna

 Estimulando a leitura