Agosto | 2020

Preconceito: humanidade exígua

Cássio Leonardo Carrara

cassio@oclarim.com.br

Todos tivemos ciência do triste e lamentável episódio envolvendo George Floyd, homem negro brutalmente assassinado pelo policial branco Derek Chauvin, que se ajoelhou sobre o pescoço de Floyd e o pressionou por oito minutos e quarenta e seis segundos, asfixiando-o. O fato, ocorrido em 25 de maio, provocou a insurgência de protestos ao redor do mundo contra o racismo, trazendo novamente à tona este debate tão relevante e tantas vezes negligenciado.

Recentemente li a obra A Diversidade: Aprendendo a Ser Humano, do filósofo Mário Sérgio Cortella, que busca refletir sobre intolerância, polarização, hostilidade, desprezo e preconceito, quando tratamos o outro não como outro, mas como um estranho, um intruso, um inferior. Na introdução deste livro, Cortella conta uma curiosa história da visita de dois caciques xavantes à cidade de São Paulo, em 1974. Ambos haviam saído a explorar os pontos turísticos da cidade, guiados por um funcionário da instituição que hoje é a Funai. Chegando ao Mercado Municipal, observaram um menino negro que recolhia legumes e vegetais do chão. Um dos índios indagou por que o menino pegava comida estragada do chão, havendo várias pilhas com itens frescos ao lado. Foi informado que o menino, para pegar da pilha, precisaria de dinheiro, que não tinha. Por que não tem? Porque é criança. E o pai dele tem? Não. Mas por que você, que é grande, tem, e o pai dele, que é grande, não tem? Aqui é assim...

Detalhe: os xavantes não usavam dinheiro naquela época, de forma que a lógica “não poderia comer porque aqui é assim” lhes pareceu absurda. Os índios são selvagens, porque vivem e vêm da selva, mas a palavra é mais comumente usada no sentido de menosprezá-los, como se fossem inferiores. Será que os índios são os selvagens dessa história?

Sabemos que o preconceito é prejudicial e deve ser eliminado de nossos sentimentos. Mas o que ele é de fato? Cortella o define como “adesão automática a uma ideia, pessoa, concepção ou a um posicionamento sem fundamento de reflexão (...) é uma redução mental que diminui a capacidade de conviver, de refletir, de fazer melhor, de inovar e de partilhar”. O autor ressalta que pode ser positivo (quando há simpatia imediata por afinidades) ou negativo (quando as diferenças provocam desprezo). É diferente da crítica, pois esta é uma escolha pensada do que se aceita ou se rejeita. O preconceito é automatizado, pois utiliza-se de experiências anteriores para julgar a validade de algo, logo, é uma adesão irrefletida.

Mas por que ainda temos preconceito? Pelo desconhecimento ou menosprezo da reencarnação.

Em A Gênese, capítulo I, item 36, lê-se: “Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade.”

Na Segunda Parte de O Livro dos Médiuns, capítulo XXVII, item 301, aduz O Espírito de Verdade: “(...) num país onde o preconceito da cor impera soberanamente, onde a escravidão criou raízes nos costumes, o Espiritismo teria sido repelido só por proclamar a reencarnação, pois que monstruosa pareceria, ao que é senhor, a ideia de vir a ser escravo e reciprocamente.”

Citando o educador Paulo Freire e sua obra Pedagogia do Oprimido, Cortella lembra que “o preconceito torna vítima aquele que sofre e o autor também”, pois “diminui a dignidade do opressor”.

É nosso dever falar sobre igualdade, lutar contra as discriminações e as ideias preconcebidas e erradicar de vez o preconceito, seja racial, de gênero, de classe social, de escolha sexual, de culturas diferentes, enfim. Com o Espiritismo aprendemos que não existem pessoas diferentes, existem situações de aprendizado distintas. Aqueles que hoje segregamos podem representar o nosso passado ou o nosso futuro, logo, se cultivamos o preconceito, não contribuímos para a emergência de gerações futuras mais fraternas. Mas elas virão, inadiavelmente, e nos tornaremos retardatários.

agosto | 2020

MATÉRIA DE CAPA

RIE – agosto/2020

Todo ato de preconceito enfraquece nossa humanidade

Lista completa de matérias

 Julgamentos de Deus

 Carta ao leitor – agosto/2020

 Preconceito: humanidade exígua

 Orar proporciona alinhamento espiritual – Entrevista com Ana Tereza Camasmie

 Espiritismo: doutrina séria para divulgadores sérios e devidamente preparados

 Mensagens mediúnicas: bom senso para com elas

 Um dia, dois Pais

 Da defasagem entre o bem e o mal

 O temor dos Espíritos e a busca pela origem dos fenômenos

 As clarinadas de Schutel sempre ecoam

 O imperativo do bem

 Para vencer o racismo

 Chico Xavier: missionário de Jesus

 Jovens

 Parábola das dez virgens

 Espíritas cristãos ou espíritas kardecistas?

 A hora e a vez da espiritualidade

 Fé e esperança: antídotos do medo!

 Sinal de Jonas

 Os milagres e as curas — A prisão dos apóstolos

 Desprendimento astral ou imaginação onírica?

 Lamentáveis escândalos

 Por um retorno seguro

 Prejuicio: Benevolencia ausente

 Parábola de las diez vírgenes