Maio | 2025

Sobre a natureza das comunicações, reflexões

Albucacys de Paula

albucacyss@gmail.com

Provavelmente, teremos obstáculos para reconhecer as mistificações, as obsessões, as influências dos médiuns e dos meios sem um estudo contínuo e completo da Codificação Espírita

 

“O que caracteriza um estudo sério é a continuidade que se lhe dá.”[1]

A frase epigrafada, como outras tantas presentes na Codificação Espírita, pode passar despercebida de sua profundidade, abrangência e aplicação nos variados estudos, especialmente, da própria Doutrina Espírita. Os postulados espíritas analisados isoladamente podem gerar afirmativas e fixação de ideias que não condizem com a essência dos ensinamentos espíritas. Certamente, essa opinião somente se confirma pela continuidade que se dá ao estudo.

Algumas reflexões em torno da natureza das comunicações, naturalmente, despertam o interesse sobre alguns possíveis desdobramentos, merecendo abordagem em outros momentos, e aqui evitaremos enveredar por eles.

O que responderíamos se indagados sobre a diferença entre manifestação inteligente e comunicação inteligente?

De súbito, muitos podemos necessitar de certo tempo para recorrer à memória e à literatura para raciocinar e elucidar adequadamente a interrogação. Uma resposta rápida poderia ser a seguinte: algo que pode nos passar despercebido é que Allan Kardec inicia[2] com a ideia dos fenômenos cotidianos, que são mecânicos, que não demonstram inteligência. Em seguida, afirma que o fenômeno que demonstra intencionalidade é, por este fato, inteligente. Assim, quando esse fenômeno responde a um pensamento, demonstra uma intenção, já pode ser chamado de manifestação inteligente.

Digamos que alguém caminha para atravessar uma rua; repentinamente, ouve uma voz que o chama pelo nome. Imediatamente, vira-se a procurar quem o chama e constata não haver autor. Se em vez da voz for uma mão que o segura ou ainda uma forte corrente de ar, um perfume que o faz parar e procurar a origem, pode-se observar que houve a intenção de reter-lhe a caminhada. É possível ter sido uma manifestação inteligente, pois esta demonstra uma intenção qualquer e não tem seguimento, continuidade, regularidade, mesmo que se repita outras vezes, não permitindo a troca de ideias.

Diferentemente, a comunicação inteligente tem continuidade, regularidade, proporciona troca de ideias, há permuta de informações. Não são duas ou três manifestações pela fala, pela escrita, pela vidência ou pela audiência que caracterizam uma comunicação inteligente — o que bem a caracteriza “é ser regular e contínua permitindo a troca de ideias”, o diálogo. É preciso reciprocidade, um intercâmbio.

Allan Kardec nos remete aos outros livros da Codificação e à Revista Espírita para que tenhamos melhor compreensão do assunto. Ao estudar qualquer obra da Codificação Kardeciana, isoladamente, sem correlacioná-la adequadamente com as outras, poderemos incorrer no equívoco da meia-verdade, da parcialidade, da generalização...

Observemos a orientação de Sócrates,[3] referindo-se à Escala Espírita e ao Quadro Sinótico dos Médiuns:

“Esses dois quadros reúnem todos os princípios da Doutrina e contribuirão, mais do que o supondes, para trazer o Espiritismo ao verdadeiro caminho.”

Por conterem “todos os princípios da Doutrina”, há dificuldade de examiná-los com a atenção que merecem para a captação da essência dos ensinamentos, as nuanças que eles abordam. Sendo assim, podemos dizer que sem conhecer e estudar continuamente, associando-os a cada estudo que fizermos, teremos dificuldades de captar os detalhes que esses dois quadros nos oferecem para identificar as comunicações sérias, mediúnicas, instrutivas, pois podem ser sérias e pouco ou nada instrutivas. Provavelmente, teremos obstáculos para reconhecer as mistificações, as obsessões, as influências dos médiuns e dos meios.

O Mestre lionês adota como critério para a classificação dos Espíritos, da mediunidade e dos médiuns nos quadros citados, as características mais patentes e mais frequentes. Nas comunicações espíritas, mantém o critério e as classifica como: grosseiras, frívolas, sérias e instrutivas.

Interessante ressaltar que sem a continuidade das comunicações de um mesmo Espírito, torna-se praticamente impossível aquilatar com segurança sua classe. Pode-se, sim, avaliar um texto por ele mesmo, mas não o autor. Da mesma forma que se apresenta a dificuldade de entender com segurança este ou aquele ensino dos Espíritos sem o relacionar a outros princípios e conceitos explicitados nas diversas obras básicas. Talvez, esta a razão das campanhas estimuladoras do estudo promovidas pelas instituições.

A carência de estudo pormenorizado de alguns pontos essenciais pode dificultar a diferenciação de uma comunicação frívola de uma comunicação séria, por exemplo. De imediato, importante lembrar um princípio que rege todas as manifestações e reforçado pelo Codificador:[4]

“Há um princípio que, estou certo, todos os espíritas admitem, é que os semelhantes atuam com seus semelhantes e como seus semelhantes.”

Interessante ressaltar que sem a continuidade das comunicações de um mesmo Espírito, torna-se praticamente impossível aquilatar com segurança sua classe

Com a devida vênia, lembro de princípio que precisamos aplicar às manifestações e reuniões espíritas, conhecidas como reuniões mediúnicas, não obstante suas características e outros nomes com que se possam identificá-las. Independentemente do tipo de reunião, somente se manifestarão Espíritos que possuam semelhanças com o grupo, por mais atrasados ou evoluídos sejam.

Para dar base a este princípio precisamos saber quais as condições necessárias, essenciais, para que aconteça uma manifestação ou uma comunicação espírita.

São elas:

  1. Permissão de Deus. Sem bem entender, à luz da Doutrina Espírita, que é Ele a inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas, poderemos ter dificuldade de compreender e aceitar que um Espírito impuro (veja Escala Espírita) se manifeste estimulando o desequilíbrio no padrão vibratório de uma reunião ou de um grupo de estudo, uma palestra... sem enveredarmos para possíveis misticismos.
  2. Fim útil. Embora seja óbvio, por vezes temos dificuldade de refletir a utilidade desses momentos de turbulência para os indivíduos e as coletividades. Talvez seja suficiente saber que se algo acontece no Universo é com a permissão daquele que é a causa primária de todas as coisas e, por isso, tem uma utilidade, sem a qual não aconteceria. Cabe a cada um verificar qual é essa utilidade para si e para os grupos a que pertença.
  3. Compatibilidade fluídica. Decorre do princípio que “semelhantes atuam com seus semelhantes e como seus semelhantes”. Destacando que semelhante não é igual. Como é o caso da composição do homem: corpo, perispírito e Espírito.
  4. Vontade. Esta, assim como as anteriores, precisaria ser desdobrada. Algumas questões levantadas pelos estudantes podem ser: “Que vontade é essa? Vontade de se manifestar, agredir, perseguir? Vontade do médium, dos protetores, de Deus?”. Para não deixar em aberto e estimular a pesquisa podemos dizer que uma ou todas elas. Neste ponto, as condições anteriores já foram preenchidas, portanto, vontade, como princípio, como condição essencial é a de realizar algo. É possível que essa resposta gere uma admiração, estranheza ou dúvida. Por esta razão afirmo ser necessário o desenvolvimento do assunto. Porém, para identificar a preponderância de uma ou mais delas é que precisaríamos da continuidade das comunicações, da análise delas e do conhecimento seguro do Quadro Sinótico do Médiuns e da Escala Espírita.

A comunicação frívola é aquela que não traz nenhum valor e que não é indecorosa, mas que alguns gostam dos gracejos e traquinagens dos Espíritos levianos, zombeteiros, batedores...

As comunicações sérias são as desprovidas de grosserias e de frivolidades; trazem mensagens comuns, conselhos e orientações de Espíritos simpáticos ou familiares... Não possuem desenvolvimento amplo filosófico, científico ou moral.

Bem diferente são das comunicações instrutivas. Nestas, os Espíritos apresentam verdadeiros ensinos ou desdobram os já conhecidos por ângulos inéditos ou quase.

Creio que estas breves reflexões podem estimular cada espírita, cada dirigente espírita, principalmente os ligados ao intercâmbio mediúnico, cada participante de reunião, a refazer a si mesmo constantemente, refletindo e meditando continuamente a questão: que tipos de comunicações tenho recebido ou presenciado em minhas reuniões?

O objetivo do Espiritismo, consequentemente, da Doutrina Espírita, e dos Espíritos que a ditaram é “instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade”.[5] “...iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos”.[6]

Ao ler a Introdução de O Livro dos Médiuns é possível que passemos por breve perícope que Allan Kardec coloca como objetivo da obra, e que importa repetir para reter em nossa memória a fim de saber o que a Espiritualidade Maior espera de todos nós, espíritas.

Diz o Codificador: “Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista”.

Como não estudar assiduamente O Livro dos Médiuns e toda a Codificação?

Que possamos todos avançar no estudo, na divulgação e na vivência dos postulados espíritas!

 

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Introdução, VIII.
  2. Idem. O Livro dos Médiuns. Item 133.
  3. Ibidem. Item 197.
  4. Ibidem. Cap. XXII, item 236.
  5. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Prolegômenos.
  6. Idem. O Evangelho segundo o Espiritismo. Prefácio.

 

O autor atua na coordenação de grupos de estudo sistematizado e mediúnicos, treinamentos e capacitações em casas espíritas do Sul Fluminense, Zona da Mata Mineira e Vale do Jequitinhonha. Em 2022 escreveu seu primeiro livro, "Espiritismo em essência".

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