Suicídio: mitos e tabus
Fabio Dionisi
fabiodionisi@terra.com.br
Importante que se fale sobre o assunto, mas da forma correta, para que o linguajar não seja entendido como encorajamento ao ato de autoextermínio
Como estamos totalmente convencidos que a prevenção só se faz com informação, compartilhamos alguns aspectos relevantes sobre este tema tão preocupante e atual, que é o autoextermínio, bem como seus mitos e tabus.
O que é um mito?
Por si só, o vocábulo tem, em sua definição, a ideia de algo falso.
Mito: “(...) 5. Ideia falsa, sem correspondente na realidade (...). 7. Imagem simplificada de pessoa ou de acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos humanos, e que representa significativo papel em seu comportamento (...).”[1]
Mitos: certos ou falsos?
Com a publicação do relatório “Preventing suicide. A global imperative”,[2] pela OMS, um dos mais importantes e completos relatórios sobre a prevenção do suicídio, além das assustadoras estatísticas e tendências a curto prazo, a coletividade mundial teve acesso a um estudo demonstrando quão incorretos estão os inúmeros mitos criados a respeito do suicídio.
É de interesse geral que estes mitos sejam eliminados, esclarecidos e colocados em suas devidas perspectivas; por isso, decidimos abordá-los aqui.
Qualquer ação individual, coletiva ou pública de prevenção deve começar pelo que a OMS conseguiu aprender e apreender a respeito, identificando alguns mitos.[2]
Mito. A pessoa que fala de suicídio não tem a intenção de cometê-lo.
Fato. Aqueles que falam de suicídio podem estar, desta maneira, pedindo ajuda ou apoio. Um número significativo de pessoas, que contemplam a possibilidade do suicídio, apresentam ansiedade, depressão e desesperança, e podem achar que não há outra opção.
Mito. A maioria dos suicídios ocorre repentinamente, sem sinal prévio de que seria cometido.
Fato. A maioria dos suicídios é precedida de sinais de advertência, verbal ou de conduta. É claro que alguns ocorrem sem aviso, porém é importante conhecer os sinais e manter a vigilância.
Mito. O suicida está decidido a morrer.
Fato. Ao contrário, suicidas são frequentemente ambivalentes a respeito de viver ou morrer. Alguns agem impulsivamente, morrendo alguns dias depois; mesmo assim eles verbalizam que teriam gostado de permanecer vivos. Acesso a suporte emocional, no tempo certo, pode prevenir o suicídio.
Mito. Quem tenha sido suicida uma vez nunca deixará de sê-lo.
Fato. Sem dúvida, ter tentado é o maior fator de risco; contudo, embora pensamentos suicidas possam voltar, eles não são permanentes, e um indivíduo, com pensamentos prévios de suicídio e que o tenha tentado, pode viver por muito tempo sem voltar a tentar.
Mito. Somente pessoas com distúrbios mentais são suicidas.
Fato. O comportamento suicida indica uma infelicidade profunda, porém, não necessariamente, um transtorno mental. Muitos indivíduos, que vivem com transtornos mentais, não são afetados por comportamentos suicida, e nem todos os que tiraram suas próprias vidas tinham um transtorno mental.
Mito. Falar sobre suicídio é uma má ideia e pode representar um encorajamento.
Fato. Em função do bem difundido estigma sobre o tema suicídio, a maioria das pessoas que se deparam com o desejo suicida não sabem com quem conversar. Em vez de encorajar um comportamento suicida, falar abertamente pode dar ao indivíduo outras opções ou tempo para refletir sobre sua decisão, portanto, prevenindo-o.
Algumas reflexões sobre os mitos
Costumam-se definir três estágios que podem ou não levar ao óbito. Exceção à regra nos casos de impulsividade, obsessão, subjugação ou possessão espiritual, perda de contato com a realidade (inconsciência etc.), eles seriam:
- Ideação suicida: as ideias, verbalizações, sinais (corporais, comportamentais etc.), atitudes, que indiquem o desejo do autoextermínio;
- Tentativa do suicídio: caracteriza-se pela real tentativa de autoextermínio, mas sem êxito;
- Suicídio: neste caso, a ação resulta em óbito.
Em geral, existem sinais ou evidências de que a intenção existe. Palavras, manifestações, atitudes, interesses, isolamento, transtornos de humor, sinais (automutilação) etc., podem ser indícios do desejo ou da existência de fatores que podem levar ao suicídio.
O próprio CVV (Centro de Valorização da Vida)[3] é testemunha de que nem todos querem mesmo suicidar-se, e que muitos gostariam de ser convencidos a não atentar contra a própria vida.
Quem tem predisposição ao suicídio pode ser tratado, quando houver uma psicopatologia diagnosticável, ou esclarecido de suas consequências, quando não a tiver.
Embora o relatório não considere o problema de obsessão espiritual, quando esta estiver presente, dependendo do estágio e intensidade, é outro indício.
Importante que se fale sobre o assunto, mas da forma correta, para que o linguajar não seja entendido como encorajamento ao ato de autoextermínio.
Embora 90% dos casos constatados por Bertolote e Fleischmann,[4] num universo de cerca 15.600 suicidas, tenham sido classificados como transtornos de ordem mental diagnosticáveis e tratáveis, 10% dos casos foram meticulosamente planejados e executados; portanto, não só desordem mental motiva o autoaniquilamento.
Tabus sobre o suicídio
Quanto a este aspecto da problemática sobre a divulgação de informação, encontramos as dificuldades criadas por conta dos tabus sobre o suicídio.
O que é um tabu? No verbete do dicionário encontramos: “(...) 2. Proibição convencional imposta por tradição ou costume a certos atos, modos de vestir, temas, palavras etc. (...), e que não pode ser violada, sob pena de reprovação e perseguição social (...). 4. Aquilo cujo uso, prática ou menção é objeto de forte censura, geralmente por temor, vergonha, etc. (...).”[1]
De início, é mister esclarecer que não encorajamos o suicídio, em hipótese alguma! O que constatamos e queremos discutir aqui é que falar, escrever ou qualquer outra forma de expressão sobre o tema suicídio é um tabu que precisa ser repensado à luz dos fatos, com o fim de ajudar quem sofre.
Iniciaremos pedindo ao leitor querido que nos responda, com sinceridade, uma pergunta que não quer calar. Eram de seu conhecimento os dados que foram apresentados até aqui? Podemos imaginar a resposta: — Vagamente...
A realidade é que quase nada se divulga a respeito na mídia. E por que isso acontece? A resposta é simples: porque falar sobre suicídio é ainda um tremendo tabu.
“O suicídio é um tabu, um assunto invisível, ausente, sobre o qual preferimos não falar (...). Apesar da gravidade da situação (...), o suicídio está fora do radar dos governos e da sociedade. Não é sequer lembrado como questão relevante na área de saúde pública pelas mídias sem informação, a sociedade não o reconhece como um problema, não mobiliza esforços e nem consagra tempo e energia para tentar reduzi-lo.”[5]
Extraído do livro Viver é a melhor opção, do nosso confrade e jornalista André Trigueiro, esta passagem é seguida por uma conclusão: “É preciso quebrar esse círculo vicioso. Não será possível reverter as estatísticas de suicídio no Brasil e no mundo sem informação.”[2]
Na área da saúde, qualquer prevenção é feita com informação... Mas não de qualquer jeito, e sim com responsabilidade e sabedoria.
Querido leitor, caso deseje profundar informações, sugerimos a leitura de obra de nossa lavra: Suicídio. Precisamos falar a respeito![6]
Fiquem em paz!
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4.ed. Editora Positivo, 2008.
- Preventing suicide — a global imperative. WHO World Health Organization. Set. 2014. Disponível em: https://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/world_report_2014/en/.
- Site do CVV: www.cvv.org.br
- BERTOLOTE, José Manoel; FLEISCHMANN, Alexandra. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. Departamento de saúde mental e dependência à substâncias. WHO World Health Organization. 2002. Disponível em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1489848/>.
- TRIGUEIRO, André. Viver é a melhor opção. A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. 2.ed. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 2015. p. 41–42.
- DIONISI, Fabio. Suicídio. Precisamos falar a respeito! 1.ed. Ribeirão Pires: Editora Dionisi, 2019.
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