Março | 2023

Tempo e movimento

Cássio Leonardo Carrara

cassio@oclarim.com.br

Ponto de Vista

 

O filósofo grego Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) desenvolveu várias teorias no campo da física, englobando o que ficou classificado como os quatro elementos: terra, água, ar, fogo e (depois) éter. Seus estudos nessa área se dedicaram a entender como esses elementos se relacionavam, suas dinâmicas, seu impacto na Terra e como eram atraídos por forças até então desconhecidas.

A chamada física aristotélica tem seu valor histórico, mas não descreve com exatidão coisa alguma do Universo, tendo sido facilmente superada após o desenvolvimento do método científico. Ainda assim, alguns de seus princípios podem ser úteis em análises filosóficas.

Foi o que se propôs a fazer o filósofo, jornalista e professor Clóvis de Barros Filho, em um episódio de seu podcast Inédita Pamonha, intitulado “Tempo e movimento”. Ele explica que, segundo a física de Aristóteles, não existe tempo sem movimento.

Expliquemos: para nós, numa visão simplista, o movimento estaria restrito a sair de um ponto A e chegar a um ponto B. Contudo, Aristóteles entende o movimento como todo tipo de mudança. Quando há mudança, de fato há movimento no interior daquilo que muda. Tal mudança pode ser de quantidade (ex.: aumentam as células de gordura no organismo), de qualidade (ex.: envelhecimento ou aperfeiçoamento) ou substancial (ex.: nascimento, quando passa a existir o que não existia; morte, quando deixa de existir, materialmente, o que existia; ou uma invenção, como a da lâmpada).

Em síntese, de acordo com o pensamento aristotélico, o tempo precisa de movimento, ou seja, mudança, para ser medido. Se não observamos mudança ou não somos impactados por mudança perceptível, em consequência o tempo não tem como existir, pois permanecemos no mesmo estado.

Há uma outra forma de interpretar tal princípio: por vezes a mudança ocorre diante de nós, mas não somos capazes de enxergá-la. Neste caso, o tempo também não tem como existir para nós, individualmente. Logo, o passar do tempo está vinculado às mudanças que percebemos no mundo, o nosso flagrante das alterações na natureza das coisas.

Clóvis cita um caso pessoal. Submetido a uma cirurgia e sob o efeito de anestesia profunda, sem consciência, ele perdeu, por um período, a capacidade de percepção do mundo que o rodeia. Portanto, perdeu o tempo, que desapareceu-lhe, escapou-lhe no exato momento em que a falta de consciência o impediu de flagrar as mudanças que ocorrem no mundo.

Podemos concluir que o tempo, para essa visão, é sempre objeto da nossa consciência, não existe sem a alma (termo usado por Aristóteles para referir-se à consciência). Quando privados de sensações, dormentes, o tempo para nós não existe. E, se o tempo mensura a modificação dos corpos, distinguindo um antes e um depois, evidentemente há um medido e um medidor: o medido é aquilo que se transforma, e o medidor é o intelecto, atributo da alma.

 

A visão espírita

Tudo que expusemos até aqui ressoa fortemente com os princípios do Espiritismo, doutrina notadamente progressista e evolucionista, que entende ser o tempo o motor do nosso aprimoramento espiritual. E quantos de nós simplesmente estamos deixando o tempo escapar, escorrer entre os nossos dedos, não promovendo o movimento (mudanças) necessário ao nosso progresso.

Pior quando o mundo se movimenta e nós não conseguimos perceber e acompanhar seu caminhar.

Reflitamos: o tempo está existindo para nós?

Conforme a questão 779 de O Livro dos Espíritos: “O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente, mas nem todos progridem simultaneamente e do mesmo modo.” E, ainda, de acordo com questão 781 da mesma obra: “Tem o homem o poder de paralisar a marcha do progresso? — Não, mas tem, às vezes, o de embaraçá-la.”

Allan Kardec, por fim, ensina-nos que o progresso é uma força viva, e como condição humana, não está no poder do ser humano deter-lhe a marcha.

Movimentos, ou mudanças, necessariamente acontecerão; o tempo é inapelável. Cabe-nos decidir se queremos acompanhá-lo e progredir em conjunto com os passos da humanidade, ou se ficaremos dormentes, inconscientes, por escolha própria e teimosia injustificáveis.

março | 2023

MATÉRIA DE CAPA

RIE – março/2023

As céleres mudanças no mundo e nossa capacidade de percebê-las

Lista completa de matérias

 Fases espirituais

 Carta ao Leitor – março/2023

 Tempo e movimento

 A Doutrina Espírita trabalha nossa percepção com relação à vida – Entrevista com Umberto Fabbri

 A alma e o invisível

 1863: um ano difícil para Allan Kardec

 Imigrações de mundos superiores

 Aferição de aproveitamento

 Sobre “As Bodas de Caná”

 Ingratidão, reconhecimento e gratidão

 Intercorrências mentais

 165 anos de trajetória da “Revue Spirite”

 O enigma da felicidade

 A força do exemplo

 Vida futura: não está tão próxima assim…

 O que fazemos do casamento?

 Tens realmente fé?

 A Ciência e o Espiritismo — parte 2

 O século do homem comum e o Espiritismo

 Legítima defesa

 Mateus

 Relação de demência, narcisismo e redes sociais

 Clássicos da literatura